Na sexta-feira passada, na Biblioteca Central Zila Mamede, tive a oportunidade de participar de um debate sobre o desarmamento. A atividade foi uma promoção da Pró-Reitoria de Extensão da UFRN e do curso de direito.
Foi um bom debate. Marcos Dionísio (ex-Ouvidor da Segurança Pública), Profº Andrew (juiz de direito e docente do curso de direito da UFRN), Kléber (do movimento pelo desarmamento) e eu dividíamos a mesa. Expomos nossas posições com tranquilidade. Na hora do debate, quatro alunos resolveram fazer uma performance: após acusarem, de forma um tanto histérica, a mesa e três dos debatedores de fazerem o “jogo do PT” (desarmamento, diziam eles, é coisa de governo do PT), retiraram-se do auditório. Para mim, nada mais normal. Faz parte do jogo, e do debate público, esse tipo de happening. Houve quem se encrespasse um pouco. Eu, não. Prefiro a reação, mesmo que irada, do que a indiferença.
Mas o fato é que o episódio me fez avivar uma velha proposição: o anti-petismo, esse viés presente no debate político dos últimos anos, especialmente após a ascensão de Lula à Presidência, alimenta-se (do) e alimenta o seu contrário: o petismo acrítico. Um é o reflexo invertido do outro. O festival de besteiras que produzem é tão barulhento que, não raro, ameaça limitar o espaço para uma apreensão mais racional das disputas políticas em curso.
Dentre essas besteiras, destaque deve ser dado às exóticas teorias conspirativas que secretam. Para os petistas todas as denúncias envolvendo trêfegos companheiros em, como direi?, lucrativas empreitadas empresariais (como aquelas propiciadas pela proximidade com a máquina pública) não passariam de um jogo da mídia para desestabilizar o Governo Dilma (ontem, Lula) e para fazer diminuir o capital político do partido. Uma avaliação mais criteriosa do “modo petista de governar” (que, sim, contém virtudes, mas também se traduz em práticas e percepções aparelhistas do Estado) parece fora de qualquer questão. Até porque os embates em torno da defesa da ética, que vitaminaram eleito elitoralmente o partido na década de 1990, foram sufocados pelo pragmatismo governista.
Já o anti-petismo, que se alimenta, em parte, dos ressentimentos de uma classe média moralista de uma certa moral de bolso (na qual a retórica moralista conviveu, e muito bem, com práticas, digamos, heterodoxas, como o pagamento de propinas, as pequenas corrupções e o descumprimento de regras básicas de civilidade), sofre por ter que assistir a ascensão de uma nova elite. Sim, o petismo, se fabricou uma (nova) base social partidária, formada pelos beneficiários de programas de transferência de rendas, não deixou de produzir também uma nova elite. Que, como parte de sua base, ontem se acotovelava em ônibusl, e, hoje, desfila nos mesmos carros da classe média tradicional. Seus filhos, distantes dos “tempos de luta” dos pais, são, como os nossos, bons filhos de classe média. Isso não é negativo; expressa mudança, dinamismo e mobilidade social. Mas aquela classe média tradicional sente-se ameaçada. Em resposta, alimenta-se de um truculento e demofóbico anti-petismo.
Há também o ressentimento de ex-petistas. Como um ex-marido que assiste sua ex-mulher tornar-se mais bela e elegante, e, pior, de braços dados com outro, o ex-petista odeia que aquele partido para o qual buscou, em tempos pretéritos, filiações de casa em casa, ou deu algum troco da mesada paterna para patrocinar a sua consolidação, esteja de bem com a vida, fazendo vexames (tapas, beijos e reconciliações) com esses senhores grisalhos do PMDB, mas também nadando de braçadas ao realizar velhas ambições da esquerda pátria, como incluir milhões de deserdados no admirável mundo do mercado.
Parêntese explicativo (ou, em bom sociologuês, de “auto-objetivação”): sou (ou tento ser) um sociólogo. Faço minha a consigna: “não lamentar, nem se alegrar; mas, sim, compreender”.
O PT deixou a sua adolescência política lá atrás. Isso é bom! O ruim é que nenhuma força política mais à esquerda tenha tido condições (ou competência) para levar adiante os questionamentos éticos que o partido mobilizava. O DEM, pela direita, tenta ocupar esse vácuo. Falta-lhe, entretanto, sustentação para o papel. O partido de Agripino é como aquela socialite que vai fazer trabalho social na favela. Pode até mudar as vestes e relaxar o cabelo, mas os gestos lhe traem. E, logo, alguém lembrará que a viu em uma foto na coluna social. Não cola. Não dá pé...
Essa situação possibilita a emergência de cenários sociais nos quais as velhas récitas conspirativas têm toda força. Petistas e anti-petistas delas se alimentam fartamente. Não é raro que o ridículo predomine. Diante de qualquer obstáculo, os primeiros se valerão dos segundos (e vice-versa) para justificar desventuras produzidas pelas suas incompetências ou descuidos.
E quando o anti-petista é um ex-petista, meu Deus!, aí todo aquele ressentimento de marido traído por uma mulher que, hoje, está mais feliz sem ele, explode. A “máquina do PT” está por trás de tudo, nesses delírios. A fantasia de um polvo, muito mobilizada pelo anti-comunismo da primeira metade do século XX, entra em cena. O intelectual ex-petista perde, de lavada, a eleição para síndico do condomínio? É batata!, a culpa é do PT. Por trás de tudo, em alguma medida, existe uma conspiração petista.Durma-se com um barulho desses!
Essas coisas divertem um pouco, tá certo. Mas cansam, também. Para racionalizar mais a apreensão, talvez valesse a pena lembrar um certo barbudo, que, embora fosse um político de segunda, era um analista de primeira: ao se analisar uma determinada realidade política, devemos focar não naquilo que os homens dizem de si mesmos e dos outros, mas, sim, nas suas práticas.
Uma outra lição, mais simples, é a de que, para o bem e para o mal, o PT, embora pose de “Jurandir” (jura que é demais!) está longe de ser essa máquina azeitada, pronta para articular conspirações de uma hora para outra.
Assim como nos romances policiais, nos quais, quase sempre, o mordomo é o suspeito inicial, mas não é o culpado revelado no final, também é assim na vida real. Por isso, seria melhor se petistas e anti-petistas pisassem mais devagar nos seus aceleradores e procurassem analisar, nos seus próprios atos (presentes e passados), as forças motrizes dos desastres nos quais foram (são e serão) jogados pela inexorável força das coisas.
domingo, 19 de junho de 2011
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