No livro “O que é o trotskismo?”, publicado há umas duas décadas pela Editora Brasiliense na coleção “O que é?”, muito procurada nos anos 1980, o autor (não lembro o nome) resgata um diálogo do filme italiano “Mimi, o metalúrgico”. Nele, o personagem principal, vivendo o seu processo de iniciação política, é apresentada à extensa fauna da multifacetada esquerda italiana da década de 1960. Quando o seu interlocutor refere-se, com naturalidade, ao trotskismo, Mimi, ingênuo, questiona; “trots o quê?”.
Lembrei dessa passagem porque o trotskismo sempre produziu atores, digamos, exóticos. Alhures, mas também nestas plagas. Lembro-me que, no início da década de 1980, deliciava-me com o jornal “Frente Operária”, editado por uma corrente trotskista seguidora de um argentino chamado J. Posadas. A figura tinha seguidores por aqui, na Cidade do Sol. Um, apenas, mas tinha. Morava na Residência Universitária da UFRN. Quando ele recebia os jornais, nos quais o Camarada Posadas escrevia três ou quatro longuíssimos artigos, passava-me imediatamente um exemplar. Não me lembro o nome do camarada, mas sei que ele era seridoense, do município de São Fernando.
Por que eu me divertia? Porque o Camarada Posadas levava ao escatológico os princípios analíticos do marxismo. Do marxismo mais mecanicista, diga-se de passagem. Posadas, como milhares de outros trotskistas, também tinha uma IV Internacional para chamar de sua. Nessa seara não era original. O que dava singularidade ao pensador e militante era, como eu ia dizendo, a sua radicalização do potencial determinista e mecanicista contido no marxismo. Posadas, como era nada modesto, não se contentava em aplicar o, como direi?, “materialismo dialético” ao globo. Ele era mais do que global, era interplanetário, galáctico... Por isso, elaborava longos ensaios sobre a vida em outros planetas. Era, como muita gente boa por aí, fissurado em discos voadores.
O mais hilário era que os escritos posadistas se levavam a sério. O esquema, que palavra usar?, “teórico” era simples, mas “consistente” com certa versão mecanicista do marxismo: se alguma civilização era tão avançada ao ponto de produzir espaçonaves como os “ discos voadores” era porque tinha forças produtivas avançadas; se tinha forças produtivas avançadas, of course!, era socialista. Qual a conclusão? Ainda não a tirastes, incauto leitor? Banalíssima: se os discos voadores invadissem a terra (e Posadas acreditava na existência deles como você acredita que o Santos derrotará aquele time do Uruguai – como é mesmo o nome? – no jogo da final da Libertadores), como eram socialistas e internacionalistas (ops! Eu quis dizer: interplanetários!), viriam em missão de libertação. Os discos voadores iriam nos livrar do capitalismo e de todas as mazelas que nos afligem (dentre elas, essa coisa terrível e realmente reacionária que é o fato terreno de que tudo que é bom engordar e ter muita caloria...).
Com base nesse esquema, Posadas dissertava sobre tudo e mais um pouco. Lembro-me de um hilário artigo sobre o quanto no qual o incansável pensador marxista discorria sobre o quanto o estômago humano é burocrático... Da guerra no Afeganistão ao parto dentro d’água na então URSS, tudo era objeto de análise do grande líder. Posadas, como muitos trotskistas, acreditava na regeneração do Estado Operário degenerado que predominava, segundo ele, no mundo situado para além do Muro de Berlim, antes de 1988.
O Posadismo sumiu na poeira do tempo. Qualquer dia, quando tiver tempo, vou procurar no wikipedia que fim levou esse candidato a timoneiro da revolução proletária...
O trotskismo é algo maior e mais complexo: tem uma história trágica, que, em parte, traduz as grandezas e erros crassos dessa grande figura histórica do século XX que foi Leon Trostki, um dos líderes da Revolução Russa. Há uma boa literatura histórica sobre ele e sobre o movimento trotskista. A obra de Isaac Deutscher, nesse sentido, é passagem obrigatória para quem queira se inteirar sobre o assunto. Para os amantes da boa literatura, eu aconselho a leitura do último livro do cubano Leonardo Padura, EL HOMBRE QUE AMABA LOS PERROS.
Ah! Tem também um romance fantástico do Mário Vargas Llosa que tem o trotskismo, e a extrema-esquerda em geral, como pano de fundo. Intitulado “A história de Mayta”, o livro é um tanto quanto escrachado. O que faz com que você também se divirta um pouco com o exótico mundo da extrema-esquerda peruana (aquela mesmo na qual germinou esse fenômeno tenebroso, ainda sobrevivente, que é o Sendero Luminoso).
Fui tão fundo na memória que terminei esquecendo de tocar na ocupação da Câmara Municipal de Natal. Pois, então, vamos lá!. Como você sabe, o legislativo natalense (um monumento à mediocridade legislativa mundial) está ocupado por jovens do movimento #Fora Micarla. Para além dos objetivos expressos pelos atores, esse movimento já espanou o tédio da vida política local neste mês junino. E o movimento é bem organizado, pelo que eu soube. Segue um pouco a estratégia dos jovens espanhóis do SOL. Beleza!
Beleza? Nada disso para um aguerrido grupo político trotskista. Pois é, o Partido Operário Revolucionário, através do seu braço na juventude que é a “Corrente proletária Estudantil” (sic) decidiu romper com o movimento e arribou do acampamento na Câmara Municipal. Este estaria, como de resto todo e qualquer movimento social ao redor do planeta na interpretação da rapaziada da IV Internacional, dominado por uma direção burocrática, que funciona como “apêndice de parlamentares burgueses como Sargento Regina” (retirei a frase de uma nota divulgada pelo “partido”).
Embora a nota reproduza os argumentos utilizados pela Prefeita Micarla para desqualificar o movimento, eu não creio que os revolucionários do POR sejam uma quinta-coluna. Nada disso! Eles realmente acreditam nesse, errr, “caminho”. Tanto assim que a nota afirma peremptoriamente: “o Partido Operário Revolucionário (POR) se retira do acampamento para defender a organização da população nos seus locais de estudo, trabalho e moradia na luta por suas reivindicações”. É uma pena o POR não ser posadista. Se o fosse poderia conta com a ajuda dos ETs no cumprimento dessa tarefa revolucionária.
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2 comentários:
Detalhe,
esta análise destrambelhada do POR vem sendo utilizada pela prefeita para queimar os estudantes.
esses caras não se emendam mesmo.
abs.
daniel
Conheço os militantes do POR e me lembro desse episódio. Os caras são sérios e fazem política porque acreditam nas suas convicções... (coisa que muitos partidos já abandonaram. Devemos criticas a todas as correntes políticas sim, mas dizer que os estudantes do POR apoiam a Micarla ai já é analisar a grosso modo.
Um dos erros do POR é não negociar com as outras correntes políticas. Eles tem bons militantes aqui na UFRN que poderiam dar grandes contribuições para o movimento.
O movimento na Câmara Municipal de Natal foi derrotado por não ter independência política. O POR estava correto sim em dizer que o movimento foi ''trampolim'' para vereadores corruptos. Acertaram na análise, mas erraram ao decidir se retirar.
Reivindicar a CEI era coisa mesmo de vereador, de parlamentares... Os estudantes tem é que reivindicar suas demandas de forma independente.
Já o erro das outras correntes políticas foi ter permitido que o POR se retirasse sem fazer nenhuma disputa pela sua permanência na Câmara. Se os outros partidos tivessem emitido uma nota exigindo o retorno deles a disputa ficaria mais interessante e ficaria mais exposto seu sectarismo. O problema é que os outros partidos foram mais sectários ainda...
Mas uma coisa é me lembro bem, ao contrário do PSTU que só deixou a bandeira lá pendurada os estudantes do POR estiveram todo tempo presente lá nas mobilizações, agitando. Não conheço como se organiza internamente o POR mas acho sim que houve disputas internas sobre a questão.
No mais, falta responsabilidade nas avaliações em todas as tendências políticas hoje em dia. Fazer um bom balanço crítico é o que nos permite avançar na luta.
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