segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Universidade e Inovação

Transcrevo abaixo trechos de um artigo publicado na última edição da REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS. Trata-se de uma discussão mais do que atual a respeito do papel das universidades brasileiras na inovação científica. Confira!

Inovar para transformar a universidade brasileira*
Glauco Arbix; Flávia Consoni


Qual o lugar das instituições de ensino superior e de pesquisa no Brasil em relação ao estímulo de geração e difusão de inovações na economia e na sociedade?

Mudanças recentes efetivadas no ambiente econômico e social para tornar a economia brasileira mais amigável à inovação e à tecnologia geraram impactos positivos na estrutura institucional das universidades, com avanços importantes nas áreas de proteção do conhecimento gerado por seus pesquisadores, nos sistemas de licenciamento de patentes e de transferência de tecnologia. Porém, em que pesem os passos positivos, ainda há um longo caminho a ser trilhado. A universidade brasileira permanece insulada e carece de canais de ligação capazes de viabilizar a estreita sintonia c om os esforços que faz o país para se desenvolver. A realização desse debate, muitas vezes tomado falsamente como um ataque à autonomia universitária, é cada vez mais urgente. A universidade, no mundo todo, vive uma segunda revolução acadêmica. Ensino e pesquisa combinam-se agora com forte atuação de transferência de conhecimento para a sociedade. No Brasil, é urgente a necessidde de se ampliar a sinergia e os fluxos de conhecimento entre universidade e sociedade, determinantes para a absorção, a aprendizagem e a geração de inovação e tecnologia.

Nosso ponto de partida é que os processos de inovação em países emergentes possuem características peculiares e distintas da inovação que ocorre em países avançados. Isso se deve principalmente à maior distância da fronteira do conhecimento em que atuam majoritariamente as principais instituições que respondem pelos processos inovadores, em especial as empresas privadas. De um modo geral, os países desenvolvidos estão capacitados para investir em inovações que determinam tendências e rotas tecnológicas e, por isso mesmo, se caracterizam como criadores de "novidades para o mercado mundial". A estrutura de sua economia e a expertise de suas empresas baseiam-se em conhecimento novo, seja no uso de tecnologias orientadas para a manutenção de sua posição avançada na economia mundial, seja nos processos de ampliação de sua liderança no concerto das nações.

Diferentemente, os países em desenvolvimento, em quase todas as áreas da economia, buscam equiparar-se (catch up) aos países desenvolvidos, basicamente via o domínio de técnicas e absorção de tecnologias maduras que resultam em inovações "para o país", "para um ramo industrial", ou mesmo "para uma empresa".

Em geral, esses processos envolvem uma combinação de tecnologias já conhecidas, disponíveis, e procedimentos de assimilação e adaptação de novas técnicas, em processos extensivamente estudados pela literatura. Para combinar, adaptar e absorver tecnologias, as economias emergentes desenvolvem estratégias de aprendizagem que se baseiam na imitação, na cópia e na adaptação. Ou seja, para inovarem, as empresas, os centros de pesquisa e mesmo as universidades dos países em desenvolvimento servem-se do conhecimento já disponível para: (i) elevar a qualificação da economia e, principalmente, das empresas; e (ii) otimizar o desenvolvimento de atividades inovadoras em ambientes de escassez de recursos (Hobday, 1994; Kim, 1997; Mathews, 2001; Sheehan, 2008; Caraça et al., 2009). Amsden (1989, 2001) e Kim (1997) mostraram como a adoção de estratégias de catching up está na raiz da evolução de um grupo de países asiáticos - em especial a Coreia do Sul e Taiwan - que conseguiram capacitar suas empresas e transformá-las em players globais num curto espaço de tempo. Esses autores enfatizaram também a insubstituível atuação do setor público nesse processo, seja via políticas de incentivo, seja por meio da reconfiguração ou criação de instituições voltadas para absorção e desenvolvimento de tecnologias e inovação. Foi nessas condições que Taiwan, por exemplo, conseguiu migrar da imitação para a inovação a partir do uso sofisticado de instituições como Centros Públicos de Pesquisa e Parques Tecnológicos, que potencializaram os investimentos empresariais em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). O governo taiwanês desenvolveu também novos sistemas de adaptação, adoção e difusão de tecnologias, difundiu consórcios de P&D, estimulou o depósito de patentes nos Estados Unidos (no USPTO - United States Patent and Trademark Office) e adotou estratégias de apoio à sua utilização na competição internacional nos segmentos de alta tecnologia (Mathews e Hu, 2007, p. 2-3).

Estudos mais recentes mostram como nesses países asiáticos o sistema universitário ocupou posição de destaque precisamente por mostrar-se capaz de gerar e incentivar inovações que desencadearam fortes processos de qualificação e elevação do grau de competitividade das empresas e de suas respectivas economias (Caraça et al., 2009).

Para Mathews e Hu (2007), a participação das universidades no desenvolvimento desses países não constrangeu a dinâmica da pesquisa, não inibiu a criatividade e a liberdade dos pesquisadores, tampouco afetou negativamente a necessária autonomia que as instituições de pesquisa precisam ter para gerar conhecimento novo. Pelo contrário, segundo seus estudos, ao entrarem em sintonia com o esforço de superação desses países, e diminuírem seu insulamento, a universidade aumentou sua contribuição para a sociedade e também para o próprio conhecimento. Em outras palavras, foi graças ao reordenamento de suas práticas e objetivos que a universidade pôde se sobressair no arco das instituições voltadas para a inovação e contribuir para o rápido desenvolvimento dos países asiáticos. Por conta dos avanços significativos alcançados, esses países concorrem atualmente de igual para igual com as economias mais avançadas em vários domínios da economia, da ciência e da tecnologia.

Desde o início dos anos de 1990, outros países enveredaram por trilhas semelhantes, buscando o catch up e ensaiando avanços ainda maiores. Embora com estilos e estruturas distintas, a China (Kim e Mah, 2009; Hu e Mathews, 2008), a Índia (Vaidyanathan, 2007; Athreye e Godley, 2009; Alfaro e Chari, 2009) e, mais recentemente, também o Brasil (Arbix e De Negri, 2009; Arbix e Martin, 2009; Armijo e Burges, 2010; Sheehan, 2008), para citar algumas das grandes economias, revalorizaram as políticas industriais e de inovação, criaram novas instituições e passaram a se utilizar mais intensamente de um conjunto de políticas públicas, elaboradas e executadas a partir de uma presença mais vigorosa do Estado na economia e na sociedade.

Na China e na Índia as universidades ocuparam - e ocupam cada vez mais - um lugar especial para a realização de suas estratégias de desenvolvimento. Consideradas a principal fonte de produção de conhecimento novo, as universidades receberam os mais variados incentivos para construir sistemas de reconhecimento de inovações, patenteamento, licenciamento, difusão e transferência de conhecimento e tecnologia.

A visão difundida por Etzkowitz (2003), de que a universidade é tanto fonte de conhecimento como espaço propício à inovação, e de que essas inovações são passíveis de serem transferidas para a sociedade, encontra suporte em várias experiências chinesas e indianas atuais. Nesses países, as universidades modificaram sua estrutura legal, organizacional e de governança, com profundo impacto em suas atividades de pesquisa e em suas relações com a sociedade (Kim e Mah, 2009; Sheehan, 2008). Essas mudanças adaptaram, reformaram ou criaram instituições multidisciplinares de ensino e pesquisa, sofisticaram os mecanismos de geração e incubação de empresas de base tecnológica, assim como estimularam a implantação de sistemas de proteção do conhecimento produzido e desenvolvido pela comunidade de pesquisadores, seus núcleos, centros e laboratórios.

No Brasil, apenas mais recentemente e ainda em menor intensidade, motivações semelhantes também estimularam mudanças no sistema universitário para além das preocupações com sua expansão e melhoria de qualidade do ensino. Nesse sentido, a aprovação da Lei de Inovação (Lei nº 10.973/2004) pelo Congresso em 2004 marcou uma inflexão na trajetória do sistema de gestão da propriedade intelectual e de transferência de tecnologia na universidade brasileira, ao dar amparo legal e definir incentivos para a comercialização dos resultados das pesquisas científicas e tecnológicas.

A Lei de Inovação estabeleceu um conjunto de instrumentos e facilitou a cooperação entre a pesquisa acadêmica e as empresas. Nesse novo marco encontra-se a obrigatoriedade de criação de Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs) nas Instituições de Ciência e Tecnologia (ICTs).1 Os NITs, concebidos para se tornarem referências no diálogo e no relacionamento com o setor empresarial, devem também se responsabilizar pela defesa e proteção da propriedade intelectual e da inovação. Dessa forma tais núcleos, pensados como facilitadores, promoveriam parcerias com agentes externos e zelariam pela disseminação de uma cultura de transferência de tecnologia, ainda pouco consolidada nas instituições de Ciência e Tecnologia (C&T) no Brasil.

Nos primeiros cinco anos após a aprovação da Lei de Inovação, dezenas de NITs foram criados no Brasil. Dados de 2009 indicam que, das 101 ICTs públicas que anualmente encaminham informações ao Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), 75 já haviam criado um NIT. Como há benefícios para esse tipo de iniciativa, mesmo as universidades privadas ou quase-privadas (que respondem por uma parcela menor da pesquisa científica no Brasil) têm empreendido esforços para estruturarem seus NITs (Torkomian, 2009).

LEIA O ARTIGO COMPLETO AQUI.

Nenhum comentário: