domingo, 29 de julho de 2012

Greve nas federais: a hora da verdade

Agora, quando o Governo já colocou na mesa uma proposta, os professores, especialmente aqueles que não aproveitaram a greve para passear em Buenos Aires ou Londres, deverão se posicionar. Assembléias e plebiscitos estão sendo realizados em todo o país. Aqui na UFRN também teremos que votar. Como votar? Para ajuntar elementos para uma reflexão, reproduzo abaixo texto escrito pelo colega Roberto Hugo Bielshowsky.

O QUE LEVAR EM CONTA NO VOTO NO PLEBISCITO SOBRE A PROPOSTA DO GOVERNO

Caros colegas, na semana que vem a Adurn realizará uma consulta para saber qual posição o Proifes deve tomar sobre a proposta que o governo coloca à mesa. Entendo que neste momento a margem de negociação com o governo se estreita rapidamente. Gostaria de explicar a todos por que vejo como um grande avanço a consolidação de uma estrutura de carreira para as IFES e EBTT, na forma que está proposta na mesa de negociação pelo governo e acho que há bons argumentos para tanto. Tento resumí-los em 3 pontos:


I - PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA CARREIRA PROPOSTA, EM LINHAS GERAIS.

Até 2006, tínhamos uma carreira docente, conquistada com a greve de 1980 que vigorou praticamente intacta até então, quando se criou a classe de associado. Em 1980, muito poucos professores ingressavam na carreira com doutorado. A partir de meados da década de 90, o doutorado passou a ser, na prática, um pré-requisito nos concursos para professor nas IFES. Isto tornou a carreira docente de 1980 obsoleta, pois um professor com doutorado entrava como adjunto I, após 6 anos se tornava adjunto IV e aí permanecia estacionado pelo resto de sua vida universitária, com raríssimas exceções que conseguiam chegar a titular. Entendo que a criação da classe de associado em 2006 foi, de longe, a modificação mais significativa introduzida na carreira docente após 1980, no sentido de criar perspectivas estimulantes para a carreira docente e adequadas a uma realidade na qual a entrada com doutorado era a regra. A atual proposta do MEC apenas vem complementar e aperfeiçoar a modificação introduzida em 2006 com a classe de associado em alguns aspectos relativamente secundários , muito embora significativos.

No acordo firmado no ano passado com o governo, apesar do reduzido reajuste de 4% então acordado, a definição de uma mesa de negociação com a sinalização pelo MEC e MPOG de equiparação topo e piso com as carreiras dos institutos de pesquisa do MCT era avaliado como algo muito importante pelos observadores mais atentos ao jogo em curso.

Em especial, entendo a atual proposta do MEC como um segundo marco decisivo no processo de definição da carreira docente daqui para a frente, mas que sequer o concluirá, pois está sinalizada na proposta do MEC a formação de um novo GT para regulamentar pendências polêmicas importantes como critérios para progressão, barreiras para se chegar a titular, etc... Desta vez num GT que incluiria como novidade, pela proposta do governo, também a participação da ANDIFES.

II – PRINCIPAIS PONTOS DA PROPOSTA DO GOVERNO

II.1 – Para os jovens ingressantes na carreira

Entendo a carreira que está em vias de se consolidar como um grande avanço no que diz respeito a tornar a carreira de professor de ensino superior público federal muito mais atraente para jovens doutores, candidatos a nela ingressarem, do que a que tínhamos até 2006... Ou seja, considero que a entrada como auxiliar I, com progressão para adjunto I em três anos, progressão para associado I em mais oito anos e uma possibilidade pelo menos dobrada de se tornar titular com 19 anos de carreira, como um grande salto de qualidade com relação ao que tínhamos até 2006, que correspondia a chegar a adjunto IV em seis anos e aí permanecer durante o resto da vida, com salários MUITO inferiores aos atualmente percebidos pelos professores associados. Mesmo para os poucos que passavam para titular, esta passagem era meramente simbólica, pois o ganho real de salários na passagem para titular hoje é, e sempre foi, desproporcionalmente pequeno. Em particular, me parece que o salário de um adjunto I com doutorado e DE, em torno de U$ 4500,00 para um jovem doutor, depois de um estágio probatório de 3 anos, corresponde a um emprego competitivo não só para jovens brasileiros que gostam da idéia de seguir carreira acadêmica, como também de boa parte do, assim chamado, primeiro mundo. Vide tabelas mais abaixo sobre salários de professores na França. Quem preferir ganhar o dobro como delegado da PF na entrada, mas depois evoluir menos salarialmente, que se prepare para a barra e aproveite. Eu, se fosse jovem de novo, não hesitaria duas vezes em seguir por aqui mesmo...

II.2 – SOBRE SALÁRIOS DE DOUTORES COM DE

Se comparados com os valores atuais dos nossos salários, deflacionando todos os dados para julho de 2012, supondo uma inflação de 5% anuais (provavelmente será inferior), obtemos percentuais de aumento real que variam de 8% a 21%, com relação aos salários de hoje.


(...)


Se comparamos os salários relativamente a julho de 2010, na proposta colocada pelo governo ninguém perde e titulares ganham algo equivalente a 10%. Isto tem levado alguns a avaliarem que não há ganhos reais, apenas reposição da inflação. Esta é uma grande falácia, pois de um lado este foi o momento de maior salário nos últimos 30 anos para quem é doutor com DE e tem pelo menos 8 anos de carreira. De outro, nós não vivemos em salários de pico, num país onde a inflação não é europeia. A medida que me parece mais adequada para entender o que acontece com nossos salários é tomando médias de nossos salários mensais, deflacionadas mês a mês, relativamente a uma data de referência....

Os dados que dispomos na planilha abaixo comparam a evolução de médias de salários deflacionadas a um mesmo mês (jan/1995, no caso) com o ICV do Dieesse e atualizadas a julho de 2012 igualmente com o ICV do DIEESE. Portanto, a valores de julho de 2012:

(....)
Chequei apenas por alto os dados na fonte e me baseio essencialmente nos dados disponibilizados pelo prof Gil Vicente da UFSCAR que me parecem muito cuidadosamente coletados. Não fui atrás de dados muito precisos sobre os salários de adjuntos entre 2007 e 2010, mas imagino que se situem entre R$ 8000,00 e R$ 8.500,00. Quanto ao salário dos demais professores adjuntos e dos titulares, entre 1995 e 2010, estão a menos de 10% de diferença dos salários de adjunto IV, de modo que a tabela acima, apesar das lacunas, permite uma boa idéia da evolução salarial desde 1995 até os dias de hoje.

Na primeira linha da tabela registramos o valor de pico do salário dos adjuntos IV no período, que foi janeiro de 1995. Veja que a média de salários dos professores adjunto IV nos 12 anos seguintes foi de cerca de R$ 1800,00 a menos. Os que éramos professores adjunto IV em 1995 não contamos com os R$ 9.724,00 de janeiro de 1995 para pagar nossas contas, mas tão somente com R$ 7947,00, em média. Já os que entraram como doutor com DE em 1998, a partir de 2010 contavam com R$ 11168,00 em média no biênio de 2011-2012 para seus gastos, ao ascender à classe de adjunto. E contarão com cerca de R$ 12800,00, em média no quadriênio 2013-2016, além de terem uma possibilidade pelo menos dobrada de ir para titular e passar a ganhar cerca de R$ 1000,00 a mais. Ou seja, algo como 60% a mais em 2013-2016 que em 1995-2006.

Alguns professores com doutorado e DE avaliam que é insuficiente por que delegado de polícia federal ganha mais. Todos queríamos mais. Sem dúvida... Porém, acho importante olhar para outros parâmetros, para além do que acontece com as carreiras do legislativo e do judiciário e de umas poucas carreiras do executivo. Apesar de polêmica, e da facilidade com a qual muitos hão de descartar as colocações que se seguem com argumentos desqualificadores tipo “isto é conversa de governista sem vergonha”, insisto que se trata de uma questão a ser discutida seriamente numa perspectiva republicana e eu tento fazer esta discussão no ponto III.

Neste ponto me limito a observar que uma das nossas maiores vergonhas nacionais talvez resida no fato que os salários dos professores de universidades públicas brasileiras são efetivamente competitivos em termos globais, enquanto que os salários dos professores de escolas públicas brasileiras são miseráveis. Vide http://insee.fr/fr/themes/detail.asp?reg_id=0&ref_id=ir-salae08&page=irweb/salae08/dd/salae08_tcomplet.htm) para ver dados detalhados dos salários dos professores franceses em todos os níveis. Observe-se que, entre cerca de 93000 professores de ensino superior público franceses, os salários mais altos não chegam a R$ 11000,00 mensais ao câmbio atual e, ainda assim, atingíveis por menos que 15% do total de professores do ensino superior. A média salarial dos professores universitários franceses é de R$ 7600,00,, enquanto que os professores do ensino pré-universitário têm média salarial de R$ 5400,00, cerca de 70% da média salarial dos professores do ensino superior. Já no Brasil, não tenho os números exatos, mas todos conhecem a situação. Imagino que a média de salários nas IFES esteja além de 4 vezes a média salarial dos professores do ensino fundamental, em média. Mesmo dando o desconto que saúde e educação públicas na França são para valer e nós temos que pagar por elas se queremos qualidade, ainda assim, sinto vergonha da forma como muitos colegas se indignam e manifestam-se como tremendamente injustiçados por que delegados da PF ganham algo em torno de 50% a mais que nós, sem sequer se questionar realmente como se chegou a algumas das distorções por aí apontadas...



A pergunta que não quer calar: Será mesmo que teremos a população brasileira a nosso lado, se o ANDES esticar muito a corda desta greve e o governo resolver ir para o confronto de verdade, cortar ponto e ocupar a mídia com os trunfos que tem na manga?

Acho a questão dos doutores que se aposentaram entre 1996 e 2006 importante e entendo que seus salários estarão agora melhor do que ao se aposentarem, em parte graças a incorporação da GED e às defesas que os sindicatos têm trabalhado aí para evitar o pior, mas entendo sua mágoa por terem perdido o trem da nova carreira. Esta é uma discussão difícil, por não conhecer lugar no mundo onde aposentados tenham ganhos salariais após se aposentarem... Quanto aos que têm apenas mestrado e são de um tempo no qual doutorado era coisa para poucos, entendo que estes sejam os que mais ficam para trás a medida que vai se consolidando uma nova carreira. Contudo, me parece inimaginável uma carreira de professor de universidade que se pretenda de qualidade neste planeta hoje, sem sinalizar claramente que qualificação para a pesquisa é uma condição de entrada fundamental para a carreira docente...

III - SOBRE ESTADO, SALÁRIOS E GREVES DE SPFs NO BRASIL

O Brasil me parece ser um país com muitas distorções na forma como se faz a disputa no interior do Estado, seja pelo capital que usa e abusa da corrupção e tráfico de influência, seja pelos interesses das mais diversos corporações e/ou partidos políticos que o tomam de assalto. A forma como o judiciário e legislativo usam o poder que detêm para legislar em causa própria e garantir aos seus pares salários e vantagens vergonhosas, todos conhecem. Se alguém apontasse na década de 80 que FHC e Lula iriam governar o Brasil por 16 anos seguidos, muitos iriam pensar que Deus é brasileiro. Depois de seus governos, ficamos com a impressão que as tentações do diabo são mesmo irresistíveis nesta nossa terra natal. A foto recente de Lula com Maluf é emblemática,

infelizmente...

Em especial, vivemos num país no qual SPFs podem fazer greves por 4 meses seguidos recebendo religiosamente seus salários ao final do mês e sem maiores preocupações em minimizar o sofrimento dos que dependem de nosso serviço. Nesta toada. isto cacifou os sindicatos para avançar ao seu jeito na disputa pela fatia que nos cabe aí, no propósito de arrancar o máximo que puder para cada categoria e deu-lhes o poder real de acuar governos que entendam que devem limitar os gastos salariais com servidores em função de outras prioridades. Desde 1984 ocorrem greves “conjuntas” de SPFs, com aspas mesmo, pois na verdade são greves em paralalelo nas quais já se sabe que o governo de plantão vai tentar minimizar o “prejuízo” , negociando cada greve em separado e de forma a privilegiar as categorias que tem um papel maior de paralisar a máguina do estado, sejam relativamente “baratas” pela pouca massa salarial envolvida, e/ou tenham um poder maior de mobilização naquele momento, por uma razão ou outra. Em especial, esta é uma razão pela qual me parece pouco produtivo para uma categoria numerosa com a nossa e com pouco poder de afetar o funcionamento da máquina estatal, apostar tanto em greves conjuntas com outros SPFs. Seu resultado concreto tem sido, ao longo dos anos, cacifar sobretudo categorias como auditores, receita federal e polícia federal num processo de progressivo descolamento de seus salários. Nesta greve atual, pela primeira vez desde 1984, salvo engano, nós seriamos a bola da vez a ser valorizada, até por que chegamos a uma situação na qual as categorias usualmente beneficiadas com as greves não tinham mais como reivindicar salários ainda maiores e os nossos estavam mesmo consideravelmente muito menores...

Eu continuo achando que nunca saberemos se iríamos chegar a algo muito semelhante ao que o governo propõe pelo caminho da negociação, sem a necessidade de quatro meses de greve. Pode até ser que não, pois o governo estava mesmo dando mole ali na mesa e me parece um cenário perfeitamente possível que não chegasse a uma proposta até 31/05, o que tornaria a greve inevitável de qualquer jeito.

Ao mesmo tempo, para quem acompanhou minimamente este movimento ao longo de 3 décadas, estava razoavelmente claro que chegaríamos a um impasse, mesmo que a greve fosse bem sucedida no seu processo de mobilização e que terminaríamos com o ANDES atirando torpedos em direção a lua e sem apontar saídas consistentes, enquanto o Proifes iria ocupar as franjas da negociação que se abririam de forma propositiva e visando resultados concretos.

Termino repetindo o texto ao final do meu e-mail de 09/06/2012, no qual defendia contra a entrada em greve no plebisicito. Até admito que a greve teve um poder de pressão importante para se chegar até aqui e que teria sido menos penoso para a ADURN entrar em greve naquele momento. Aos que tiveram a paciência de ouvir todo este blá-blá-blá, perdoem a este velho “governista”, “neo pelego”, “sem vergonha” e não sei mais quantos xingamentos andei colecionando aqui e ali , pelo tanto que ele desanda a falar sem mais parar, bem como permitam-lhe manifestar uma ponta de vaidade pela precisão de sua argumentação sobre o que estava por vir, naquele texto de 09/06/2012:

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“O ANDES está na “comissão de frente” da greve a ser deflagrada a partir de 11 de junho por reajustes lineares de salários para todos os servidores, como seria natural. Nada contra uma luta conjunta por reajustes lineares de todos os servidores, muito pelo contrário. Contudo, a maioria das categorias, que igualmente compõem a comissão de frente desta greve geral dos servidores, como a dos servidores das IFES via FASUBRA, já negociou suas carreiras com o governo nos últimos 10 anos, via de regra, com grandes vantagens específicas. Por outro lado, o orçamento federal para reajuste salarial, obviamente tem limites. A pergunta natural aí seria, sobretudo pensando na hipótese da movimentação dos SPF vingar: “Alguém que acompanhou de perto as greves do ANDES de 95 para cá tem alguma dúvida sobre qual lado da equação “Pauta conjunta com demais servidores X Lutas específicas por categoria” pendem os corações e mentes de nossos comandantes do ANDES?



Conclusão: Honestamente, não tenho bola de cristal para saber se toda esta movimentação de greve dos professores das IFES será positiva ou negativa, ao final das contas. Contudo, sobre alguns pontos tenho quase-certezas:

i - O espaço de negociação que está aberto com o governo até o fechamento do orçamento federal a ser enviado em meados de agosto ao Congresso Nacional não será ocupado pelo CNG do ANDES com um mínimo de racionalidade visando o que é essencial nesta discussão específica de carreira.

ii – A possibilidade da negociação Proifes-Governo vir a bom termo não é algo dado, mas tem uma possibilidade importante de dar bons frutos e é onde acho que devamos depositar nossas fichas daqui até o final de julho.

iii – A luta por uma estrutura de carreira nos moldes que propõe o PROIFES me parece perfeitamente adequada, se vier junto com a vitamina indispensável para que seja atrativa aos jovens candidatos a ingressar na carreira. O fato do MEC ter chamado a si a bandeira da equiparação com MCT me parece uma variável importante aí, pois corresponde a um acréscimo de mais de 50% no volume de salários que nos são pagos atualmente.

iv - Não vejo a menor possibilidade da equiparação com MCT sair em 2013 numa só tacada. Tampouco vejo diferenças fundamentais entre ser 5% em 2013, 20% em 2014 e 20% em 2015 ou 15% em três parcelas, a ponto de justificar uma entrada em greve agora, no finalzinho do semestre letivo e relativamente longe de agosto. Até entendo que a disputa pelo orçamento de 2013 em agosto será muito mais acirrada que agora, e que isto favoreceria uma entrada em greve já, caso estivéssemos centrados em disputar exclusivamente o orçamento de 2013. Porém entendo também que, pela correlação de forças que enxergo no tabuleiro, bem como pelo fato que estamos disputando uma fatia do orçamento de 2014 e de 2015, e não apenas este de 2013, o timing mais correto para nossa entrada em greve seria claramente o início do próximo semestre, caso nada significativo se concretize na mesa de negociações com o governo até lá. Neste caso, provavelmente engrossaremos a greve do ANDES que, segundo os comunicados de seus CNGs, continuará “firme, forte e coesa” até o fim dos tempos, sobretudo caso o movimento dos SPFs tiver algum vigor.

v - Cenário provável, caso o movimento dos SPFs se fortaleça até agosto e venha a pressionar significativamente o Congresso Nacional e o governo por ocasião da discussão do orçamento federal para 2013: PROIFES, de um lado, com prioridade na luta pela nossa carreira com as forças que souber acumular e ANDES, de outro, com prioridade em botar seu bloco nas ruas junto com os valorosos companheiros do movimento dos servidores públicos federais, visando pressionar Congresso Nacional e governo, possivelmente contabilizando algumas vidraças a mais quebradas, na luta pelo reajuste linear de salários dos SPFs. Como a esperança é a última que morre, espero que, ao menos em agosto, ANDES e PROIFES consigam ter o bom senso de sentar para articular minimamente o que realmente interessa aos seus representados naquela arena.



Professores da UFRN, façam as suas apostas... “

A[ ]s



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