Quando você lê a orelha do livro, ou apenas olha de relance
o seu título, caso não saiba nada da vida autora, pode não se entusiasmar muito
com a tarefa de ler as 512 página de Infiel, o livro autobiográfico de AyaanHirsi Ali. Entretanto, após ultrapassada as primeiras páginas,
você se vê tragado para o mundo da autora. E percebe que essa será uma viagem
sem volta. Terá que ir até o fim.
O acima descrito ocorreu comigo. O meu velho amigo Kilder me
emprestou, há tempos, o livro e eu fiquei adiando a leitura. No momento mais
inoportuno, envolvido por mil coisas e com uma dívida quase divina com uma
orientanda, resolvi ler o livro. Dois dias foram suficientes para enfrentar a
narrativa.
Após a leitura do livro, você, se tem veleidades de ser um
ator/autor multicultural sente-se, no mínimo, colocado no canto do ringue pela
argumentação iluminista da autora. Sente-se forçado a rever algumas das suas
bases relativistas. A sua cultivada tolerância em relação à “cultura islâmica”
sofre sério abalo. Se mulher, acredito eu, mais ainda. Se feminista, mais e mais.
Mas a autora não está se referindo apenas ao mundo medieval
e embrutecido do obscurantismo religioso da Arábia Saudita e dos países
mulçumanos do chamado “Chifre de África”. Longe disso! O livro também pode ser
manuseado, embora essa não seja uma pretensão da autora, como um ajuste de
contas com certo ressentimento com ares esquerdosos que germina do lado de cá
do Atlântico.
Um antídoto contra o obscurantismo. Tanto aquele que condena
mulheres a uma vida sem vida quanto à ignorância presunçosa de certa política
que, flanando no universo fantasioso do politicamente correto, desprega-se das
bases racionais que uma ação na res publica cobraria.
Há mais de uma década, após relutância e de tê-lo guardado
durante anos na estante, li “Os Versos Satânicos”. Naquele momento, como agora,
após terminar a leitura, senti-me renovado pelo abandono de ilusões românticas
a respeito do mundo islâmico. E olhe que, nesse tempo, Osama Bin Landen era um
personagem de segunda. E o fatídico 11 de Setembro, ainda estava longe de se
tornar brutal realidade.
O mundo das mulheres amputadas de sua genitália e de sua
vida sexual parece, não raro, coisa de interesse exótico. Algo que ocorre em um
mundo distante. Legitimado em seu universo cultural. Com a leitura de Infiel,
percebemos como essa realidade brutal nos é assustadoramente próxima. Apenas a
nossa alienação conformista não nos deixa ver. Quando a enxergarmos, espero que
não!, ela já não teremos energias políticas para combate-las. Desarmados que
fomos por nossas próprias imposturas intelectuais.
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