sábado, 21 de julho de 2012

Uma lição sobre os limites do multiculturalismo


Quando você lê a orelha do livro, ou apenas olha de relance o seu título, caso não saiba nada da vida autora, pode não se entusiasmar muito com a tarefa de ler as  512  página de Infiel, o livro autobiográfico de AyaanHirsi Ali. Entretanto, após ultrapassada as primeiras páginas, você se vê tragado para o mundo da autora. E percebe que essa será uma viagem sem volta. Terá que ir até o fim.

O acima descrito ocorreu comigo. O meu velho amigo Kilder me emprestou, há tempos, o livro e eu fiquei adiando a leitura. No momento mais inoportuno, envolvido por mil coisas e com uma dívida quase divina com uma orientanda, resolvi ler o livro. Dois dias foram suficientes para enfrentar a narrativa.

Após a leitura do livro, você, se tem veleidades de ser um ator/autor multicultural sente-se, no mínimo, colocado no canto do ringue pela argumentação iluminista da autora. Sente-se forçado a rever algumas das suas bases relativistas. A sua cultivada tolerância em relação à “cultura islâmica” sofre sério abalo. Se mulher, acredito eu, mais ainda.  Se feminista, mais e mais.

Mas a autora não está se referindo apenas ao mundo medieval e embrutecido do obscurantismo religioso da Arábia Saudita e dos países mulçumanos do chamado “Chifre de África”. Longe disso! O livro também pode ser manuseado, embora essa não seja uma pretensão da autora, como um ajuste de contas com certo ressentimento com ares esquerdosos que germina do lado de cá do Atlântico.

Um antídoto contra o obscurantismo. Tanto aquele que condena mulheres a uma vida sem vida quanto à ignorância presunçosa de certa política que, flanando no universo fantasioso do politicamente correto, desprega-se das bases racionais que uma ação na res publica cobraria.

Há mais de uma década, após relutância e de tê-lo guardado durante anos na estante, li “Os Versos Satânicos”. Naquele momento, como agora, após terminar a leitura, senti-me renovado pelo abandono de ilusões românticas a respeito do mundo islâmico. E olhe que, nesse tempo, Osama Bin Landen era um personagem de segunda. E o fatídico 11 de Setembro, ainda estava longe de se tornar brutal realidade.

O mundo das mulheres amputadas de sua genitália e de sua vida sexual parece, não raro, coisa de interesse exótico. Algo que ocorre em um mundo distante. Legitimado em seu universo cultural. Com a leitura de Infiel, percebemos como essa realidade brutal nos é assustadoramente próxima. Apenas a nossa alienação conformista não nos deixa ver. Quando a enxergarmos, espero que não!, ela já não teremos energias políticas para combate-las. Desarmados que fomos por nossas próprias imposturas intelectuais.

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