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quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

O CARROCENTRISMO E A (I)MOBILIDADE URBANA

Abaixo, um artigo de Ricardo Abramovay a respeito dos desafios da mobilidade urbana. Vale a pena conferir!


Mobilidade versus carrocentrismo
Ricardo Abramovay


Ampliar espaços de circulação para automóveis individuais é enxugar gelo, como já bem perceberam os responsáveis pelas mais dinâmicas cidades.

Automóveis individuais e combustíveis fósseis são as marcas mais emblemáticas da cultura, da sociedade e da economia do século 20.

A conquista da mobilidade é um ganho extraordinário, e sua influência exprime-se no próprio desenho das cidades. Entre 1950 e 1960, nada menos que 20 milhões de pessoas passaram a viver nos subúrbios norte-americanos, movendo-se diariamente para o trabalho em carros particulares. Há hoje mais de 1 bilhão de veículos motorizados. Seiscentos milhões são automóveis.

A produção global é de 70 milhões de unidades anuais e tende a crescer. Uma grande empresa petrolífera afirma em suas peças publicitárias: precisamos nos preparar, em 2020, para um mundo com mais de 2 bilhões de veículos.

O realismo dessa previsão não a faz menos sinistra. O automóvel particular, ícone da mobilidade durante dois terços do século 20, tornou-se hoje o seu avesso.

O desenvolvimento sustentável exige uma ação firme para evitar o horizonte sombrio do trânsito paralisado por três razões básicas.

Em primeiro lugar, o automóvel individual com base no motor a combustão interna é de uma ineficiência impressionante. Ele pesa 20 vezes a carga que transporta, ocupa um espaço imenso e seu motor desperdiça entre 65% e 80% da energia que consome.

É a unidade entre duas eras em extinção: a do petróleo e a do ferro. Pior: a inovação que domina o setor até hoje consiste muito mais em aumentar a potência, a velocidade e o peso dos carros do que em reduzir seu consumo de combustíveis.

Em 1990, um automóvel fazia de zero a cem quilômetros em 14,5 segundos, em média. Hoje, leva nove segundos; em alguns casos, quatro.

O consumo só diminuiu ali onde os governos impuseram metas nesta direção: na Europa e no Japão.

Foi preciso esperar a crise de 2008 para que essas metas, pela primeira vez, chegassem aos EUA. Deborah Gordon e Daniel Sperling, em "Two Billion Cars" (Oxford University Press), mostram que se trata de um dos menos inovadores segmentos da indústria contemporânea: inova no que não interessa (velocidade, potência e peso) e resiste ao que é necessário (economia de combustíveis e de materiais).

Em segundo lugar, o planejamento urbano acaba sendo norteado pela monocultura carrocentrista. Ampliar os espaços de circulação dos automóveis individuais é enxugar gelo, como já perceberam os responsáveis pelas mais dinâmicas cidades contemporâneas.

A consequência é que qualquer estratégia de crescimento econômico apoiada na instalação de mais e mais fábricas de automóveis e na expectativa de que se abram avenidas tentando dar-lhes fluidez é incompatível com cidades humanizadas e com uma economia sustentável. É acelerar em direção ao uso privado do espaço público, rumo certo, talvez, para o crescimento, mas não para o bem-estar.

Não se trata -terceiro ponto- de suprimir o automóvel individual, e sim de estimular a massificação de seu uso partilhado. Oferecer de maneira ágil e barata carros para quem não quer ter carro já é um negócio próspero em diversos países desenvolvidos, e os meios da economia da informação em rede permitem que este seja um caminho para dissociar a mobilidade da propriedade de um veículo individual.

Eficiência no uso de materiais e de energia, oferta real de alternativas de locomoção e estímulo ao uso partilhado do que até aqui foi estritamente individual são os caminhos para sustentabilidade nos transportes. A distância com relação às prioridades dos setores público e privado no Brasil não poderia ser maior.

RICARDO ABRAMOVAY é professor titular do Departamento de Economia da FEA, do Instituto de Relações Internacionais da USP e pesquisador do CNPq e da Fapesp.
Site: www.abramovay.pro.br
Twitter: @abramovay

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Mobilidade urbana

O texto abaixo, escrito por um gestor, vale a pena como referência para todos quantos nos preocupamos com a questão da mobilidade urbana. Confira!
Transporte público, energia e a questão ambiental
Autor(es): Marcelo Cardinale Branco
Valor Econômico - 19/10/2011


Em todo o mundo se manifestam as consequências do modelo de deslocamento de pessoas e de cargas que foi adotado já no início do século passado, com o advento dos automóveis e caminhões, sustentado pela farta disponibilidade de petróleo. A primeira delas foi uma contínua perda da prioridade do transporte público em relação ao individual nas grandes cidades aliada a igual abandono das ferrovias no transporte de cargas no interior. A segunda foi o progressivo congestionamento das vias públicas, cujo efeito foi sendo postergado por meio do contínuo e crescente investimento nas obras viárias. Finalmente, a terceira consequência foi a constatação cada vez mais segura da elevação da poluição ambiental. Assim, foi dado o alerta ambiental, com o reconhecimento da poluição local e global, reflexo da queima de combustíveis, especialmente os de origem fóssil.

Nas fases anteriores de desenvolvimento, aspectos econômicos pouco importaram, sendo sempre encobertos pelo aumento da produtividade. O progressivo encarecimento do transporte, a utilização de veículos de baixíssimo rendimento energético, os riscos de escassez dos combustíveis, entre outros, sempre foram vistos como inconvenientes superáveis pelo lucro. Até mesmo a escassez de combustíveis foi encarada apenas como uma questão de preço e/ou de pressões econômica e política sobre os produtores.

Mas o alerta da poluição mudou os rumos da história. Os seus efeitos não são controláveis por meio de maior ou menor investimento. Talvez um pouco tarde, face às consequências adversas de curto prazo, foi preciso verificar as causas.

Dessa forma, é necessário e urgente mudar as matrizes de transporte, dando ênfase aos modos ambientalmente sustentáveis e reduzindo aqueles que consomem combustíveis com baixo rendimento energético, que promovem mais acidentes e que, nas cidades, forçam cada vez mais o desaparecimento das funções sociais da rua. Significa jogar no lixo da história os cálculos de "custo-benefício", sempre invocados em favor dos transportes menos sustentáveis, por não levar em conta as chamadas "externalidades negativas" e seus vastos custos socioambientais.

Para ilustrar o que se afirma, apoiemo-nos no caso da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). Os deslocamentos motorizados de pessoas hoje se distribuem entre os modos públicos (metrô, trem, ônibus, trólebus) e privado (basicamente automóveis). No tocante aos transportes motorizados, o sistema público representa 55% dos deslocamentos e os automóveis representam 45% na cidade de São Paulo, conforme pesquisa Origem/Destino do Metrô, realizada em 2007.

Basta lembrar que o transporte de um passageiro de automóvel ocupa um espaço viário cerca de 60 vezes maior do que aquele efetuado por um ônibus grande circulando em corredor apropriado, para sentir o significado da grande participação dos automóveis no transporte urbano. Este dado recomenda esforços no sentido da alteração da matriz de transporte.

Essa mudança deve levar em conta possibilidade de geração contínua e não esgotável das fontes de energia como o etanol e da energia elétrica firme. O etanol, além de emitir cerca de 70% menos gás carbônico, tem a possibilidade de ajudar no resgate do carbono graças às plantações de cana-de-açúcar.

Além disso, a fluidez do transporte coletivo tem relação direta com o meio ambiente. O aumento da velocidade diminui as emissões. Um ônibus em um corredor em São Paulo tem velocidade média 20 km/h, o que diminui o consumo em 20% e as emissões, em 40%, se comparado aos que não estão nos corredores. Em casos como Expresso Tiradentes, a velocidade sobe para 37 km/h, cortando o consumo pela metade e as emissões, em 60%.

Assim, sob o ponto de vista do dispêndio de energia, a situação não é menos gritante. Basta lembrar que, na RMSP, avaliou-se, alguns anos atrás, que, enquanto uma viagem por automóvel demanda 13 kWh de energia, aquela feita em metrô consome 0,5 kWh.

Façamos então um exercício. O que aconteceria se a matriz de transportes motorizados fosse alterada para 70% e 30%, na relação do uso do transporte público e do privado? Isso poderá ocorrer se esse transporte público for de boa qualidade, por meio de aumento de oferta dos sistemas metroferroviários e uma parte razoável do espaço liberado destinada a corredores de transporte eletrificado sobre pneus, em faixa segregada, formando um modo de transporte de média capacidade, que a cidade hoje não possui.

Reduzir em 1/3 o transporte por automóveis, cuja frota circulante paulistana é de 3,3 milhões do total de veículos particulares (com exceção de motos, caminhões e ônibus), significa transferir para os modos públicos 1,54 milhão de passageiros, liberando cerca de 1 milhão de automóveis que, em circulação, ocupam 49 milhões de metros quadrados de vias, além das faixas de estacionamento correspondentes. A absorção desses passageiros por um corredor eficiente implica a utilização prioritária de apenas 3,9 milhões de metros quadrados.

A energia economizada, por outro lado, chegaria a 16 milhões de kWh por dia, suficiente para abastecer cerca de 1,4 milhão de casas com demanda unitária de 350 kWh/mês.

Além das economias enormes que podem advir da substituição do transporte individual pelo coletivo, a troca de veículos a combustíveis por outros de tração elétrica, cujo rendimento energético dos motores é três vezes maior, também representa economia nada desprezível. Ademais, a produção de energia se torna cada vez mais difícil, onerosa e arriscada (vide Japão e Golfo do México), sendo uma insensatez desperdiçá-la, seja a que título for.

Marcelo Cardinale Branco, administrador de empresas, é secretário municipal de Transportes de São Paulo. Foi presidente da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) e secretário municipal de Infraestrutura e Obras.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Os desafios da Copa do Mundo

O artigo abaixo aborda questões de interesse de todos quantos se debruçam sobre os impactos da Copa do Mundo na vida de nossas grandes cidades.


A Copa do Mundo e os complementos urbanos necessários
Autor(es): Aldo Paviani*
Correio Braziliense - 29/09/2011




Os jogos da Copa, em 2014, e as competições olímpicas, em 2016, ocorrerão em poucas e populosas cidades brasileiras, geralmente metrópoles nacionais ou regionais. Tomando-se as três metrópoles nacionais, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, nota-se que as obras físicas, como os estádios, estão em andamento. Há atraso em São Paulo, em progresso no Rio, no Maracanã e em Brasília, no Mané Garrincha (agora apelidado de Estádio Nacional). Nota-se para esses eventos que excessiva ênfase é dada a estádios, pois terão competições capazes de atrair multidões. No entanto, nas três grandes cidades e nas demais sedes dos jogos, há necessidade de atender outras demandas, isso porque a atenção de todo o mundo estará voltada para o Brasil.

Por isso, lembra-se que o afluxo de pessoas exigirá o que denominamos de complementos urbanos com ações, tais como preparar a rede hoteleira, equipar hospitais e modernizar restaurantes. Indo além, avenidas e ruas deverão ter pavimentação renovada, abertura de ciclovias, construção de sanitários públicos e calçadas; ampliação de terminais rodoviários, portuários e aéreos e melhorias em outros serviços como limpeza de vias e praças (com lixeiras, bancos e bebedouros) — tudo para que possamos estar de acordo com esses megaventos desportivos. Além disso, deve-se aumentar o efetivo de segurança pública e treinar policiais para o atendimento de estrangeiros. Prever as possibilidades de atentados e quebra da tranquilidade por parte de assaltantes e traficantes, cujas ações devem ser contidas preventivamente e com firmeza.

Os governantes e empresários deverão atentar para os impactos do afluxo de turistas para centros urbanos que não os das sedes de competições e jogos e que normalmente já são procurados por brasileiros e estrangeiros, como Foz do Iguaçu, Pantanal Mato-Grossense, Manaus e Floresta Amazônica. Temos igualmente um extenso litoral e pontos turísticos especiais no interior, como as estações de águas, em São Paulo, Goiás e Minas Gerais. Será previsível que, antes e depois dos megaeventos, esses estados sejam procurados para lazer e entretenimento.

Há localidades que atraem turistas o ano todo, como Parati (Rio), as Missões Jesuíticas, os Aparados da Serra, Gramado e Canela (Rio Grande do Sul), os centros históricos de Minas Gerais (Ouro Preto, Mariana, Congonhas e outras), assim como Pirenópolis e Caldas Novas (Goiás), Sete Cidades (Piauí) e muitos outros. A lista é longa, mas quem conhece os centros urbanos referidos sabe que gargalos precisam ser eliminados nos transportes públicos e na rede hospitalar, que necessita ampliar leitos, contratar médicos, enfermeiros e comprar novos aparelhos para exames e emergências.

No caso de Brasília, todos esses itens merecem atenção especial porque os visitantes procurarão a capital antes e depois da Capa em razão dos atrativos arquitetônicos, urbanísticos e simbólico-cívicos que a cidade apresenta. Em Brasília, autoridades e políticos pleiteiam que a capital seja contemplada com a abertura da Copa do Mundo. Esse fato trará torcedores brasileiros, estrangeiros e acompanhantes, pessoas que, enquanto a bola rola, percorrerão os recantos da cidade.

Para tanto, a urbe não está preparada, ainda, com os complementos urbanos banais como os transportes de massa que interliguem todos os pontos da cidade e não apenas o aeroporto aos hotéis com o VLP. Ampliar as possibilidades de transportes cruzados como entre as quadras 400 e 900 Sul e Norte; linhas de ônibus da Asa Norte para o Mirante de Niemeyer, em construção no alto do Colorado, ou para o Catetinho. Igualmente esses pontos merecerão complementos para o conforto dos visitantes.

Além disso, guias turísticos capacitados — bi ou trilíngues — serão importantes para a comunicação entre as pessoas. Estão se providenciando banheiros públicos, espalhados no centro e nos bairros? As pessoas terão um conjunto de mapas para se orientar na capital? Há bancos nas praças para o descanso dos passantes? Brasília possui um guia turístico com indicação de museus, templos e monumentos?

É hora de correr contra o tempo, avaliar impactos sobre o ambiente e sobre o equipamento urbano. Impõe-se ampliar a arborização e os jardins do Plano Piloto e de todos os bairros. Afinal, a Copa do Mundo será oportunidade de implantar os complementos urbanos e embelezar a capital. Deseja-se que os visitantes entendam a geografia do DF e possamos obter um saldo positivo com retorno dos investimentos realizados.



Professor emérito e pesquisador associado da UnB.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Mentiras, coisas não tão belas e fantasia organizada: a copa em Natal

Há quem, na disputa eleitoral em curso, apresente-se como patrocinador da proposta vencedora de Natal como sede da Copa do Mundo. É uma beleza... Tudo é divino, tudo é maravilhoso... Mas, por sob a capa da copa, o caos espreita... E este não será coisa de pouca monta, pode acreditar.

Natal ainda tem como principal suporte viário a estrutura legada pela presença norte-americana na década de 1940! Um caminhão bate na traseira de outro, aí pelas 7h00 de qualquer dia da semana na Br-101 na altura de Emaus, e a entrada da cidade fica bloqueada. Ninguem entra e sai.

Aqui temos orgulho de tudo, não é? Afinal, como dizia aquela música que embalava a venda da cidade aos turistas, "viver aqui é sonhar". Pois pode estar começando a virar pesadelo...

Quando as obras do Machadão forem realmente iniciadas, os congestionamentos bloquearão as principais avenidas da cidade. Uma ambulância (deixem-me ser trágico) poderá demorar umas boas duas horas para fazer o percurso Neópolis-Hospital Walfredo Gurgel.

Em uma cidade onde o transporte público é precário, essa situação vai aumentar o estresse cotidiano.

Mas, agora, quem liga prá isso? Comemore-se a Copa, e deixemos o resto prá depois. Essa a mensagem quase explícita que os poderes públicos locais emitem.

Plano de Mobilidade Urbana Sustentável? Quem se preocupa em elaborar um? Improvisando, dá certo... Essa a nossa saída mágica.

Há uma máxima, meio vagabunda, vá lá, mas que tem muita força, de que não existe almoço grátis. A conta para que Natal venha a ser uma das sedes da copa será bem salgada. Mas, como entre nós, dinheiro público parece nascer em árvore, ninguém também está nem aí prá isso. E, quando questionados, os defensores da fantasia, de pronto, saem com essa; "não, mas a parceria com a iniciativa privada..." Piada, não é? Você acha, no fundo, bem no fundinho, que o empresariado local vai meter a mão no bolso e se arriscar nessa aventura? Se o BNDES entrar na jogada, como já está fazendo no Rio, aí, sim, a coisa funcionará. Às mil maravilhas. Afinal, no Brasil, todo mundo adora falar mal do Estado, mas ninguém sobrevive sem uma chupetinha ligada na pobre da viuva...

E quem está preparado para enfrentar o que vem por aí? A Prefeitura de Natal, pelo visto, demitiu-se do planejamento. O governo do Estado, se se confirmar a vitória de Rosalba, terá pelos menos uns dez meses de boa justificativa ("arrumando a casa").

Era necessário que entidades da sociedade civil, pesquisadores, universidades e pessoas que defendem e amam Natal, que são muitas, viabilizassem um espaço para trocar idéias, discutir a situação e municiar com informações rigorosas a cidadania da esquina do Atlântico. Porque, sem querer encarnar o papel de desmancha-prazeres, essa fantasia, dentro em breve, será pesadelo. E, quando isso ocorrer, precisamos de algo mais do que simples exercício de retórica.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Os motoqueiros e a cidade: relato sensível do sofrimento


A revista Piauí é uma das boas publicações disponíveis na praça. Quase sempre discordo de sua linha editorial, mas isso não importa muito. Ler um bom texto de quem você discorda é mil vezes preferível a ter que engolir aquelas xaropadas que estão mais próximas do que você defende, mas que são escritas sem criatividade e elegância. Bueno, todo esse preâmbulo é para te convidar a ler uma otíma reportagem, publicada na edição de novembro da revista, a respeito do sofrimento social dos motoqueiros na cidade de São Paulo. É um retrato vivo de como a estrutura social brasileira rebate na mobilidade urbana, na segurança pública e na saúde coletiva. Acesse aqui a matéria.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

A (i)mobilidade urbana

Como construir uma mobilidade urbana sustentável? Essa a discussão que está no centro da pauta do debate contemporâneo sobre as cidades. Por isso mesmo, transcrevo abaixo interessante matéria jornalística traduzida pelo site UOL.
Observação: transcrevo trechos; a leitura do texto integral, você que é assinante do UOL, tem acessando aqui.

Tóquio
Kumiko Makihara


Limpo, rápido e pontual. Normalmente é um prazer viajar no sistema ferroviário do Japão. Mas a hora do rush é cansativa, e faz com que as pessoas abandonem a sua fachada de educação. Os vagões lotados se constituem em uma grande oportunidade para a observação de um Japão sem maquiagens.

Em uma típica manhã de um dia de semana, eu caminho pela multidão na plataforma e apresso o passo para chegar ao compartimento do trem exclusivo para mulheres. Segurando com força a bolsa, a pasta e a sombrinha, eu caminho meio de lado para evitar fazer contato visual com os passageiros já espremidos lá dentro.

Imprensada entre a bolsa de alguém e uma cabeça cheia de cabelos, eu checo a tela de informações sobre as portas. Com frequência há o anúncio de um "jin shin jiko", o que, tecnicamente, é um acidente envolvendo pessoas, significando um suicídio cometido por alguém que se joga em frente a um trem.

(...)

Quando o meu trem faz a próxima parada, eu vejo três luzes azuis no teto, nas extremidades de cada plataforma. A companhia ferroviária do Japão instalou essas luzes neste ano na esperança de que a cor suave acalmasse as pessoas, desencorajando-as de saltar sobre os trilhos.

A estação seguinte traz um grande espelho em uma parede; uma outra tentativa da companhia de fazer com que as pessoas vejam as suas imagens refletidas e desistam do suicídio. Mas não dá para acreditar que luzes e espelhos resolvam o problema.

O vagão para mulheres no qual eu me encontro está só um pouco menos lotado do que os outros, mas pelo menos eu não tenho que ficar tentando adivinhar se um cara suspeito está sendo empurrado contra mim ou se está se apertando propositalmente contra o meu corpo. No ano passado, o Departamento de Polícia Metropolitana de Tóquio recebeu 1.800 relatos de atos indecentes cometidos dentro de trens e metrôs. Em setembro, a polícia de Tóquio realizou uma "campanha anti-apalpadelas" durante cinco dias, mobilizando policiais disfarçados e a tropa de choque.

Esse tipo de ação ocorre abaixo da linha de visão, de forma que as acusações frequentemente convergem para uma situação em que há a palavra da acusadora contra a do acusado. Para ajudar as mulheres a identificar os culpados, uma cooperativa da indústria gráfica desenvolveu um adesivo que é afixado aos telefones celulares das mulheres e que aplica um "x" vermelho semi-permanente em mãos mal comportadas. Já houve também alguns casos famosos de falsas acusações, de forma que os meus amigos do sexo masculino mantém ambas as mãos à vista quando estão a bordo de trens lotados, segurando-se em alças e barras para evitar qualquer suspeita.

Na minha estação de troca de trem, eu vejo os "empurradores", funcionários que comprimem as pessoas para dentro dos trens lotados. Três homens jovens usando uniformes brancos, coletes amarelos refletores com a inscrição "assistentes de plataforma" e bonés de beisebol cinzas gritam "empurrem o corpo e a bagagem para dentro, por favor", enquanto empurram as pessoas para o interior dos vagões com ambas as mãos. Depois que as suas portas são fechadas, dois dos homens correm a ajudar um terceiro que está meio agachado, inclinado de lado contra os passageiros com todo o seu peso.

A equipe finalmente empurra todo mundo até um ponto suficiente para permitir que as portas se fechem, os três homens sorriem juntos quando o trem parte com uma alça de bolsa pendurada do lado de fora da última porta. A salvo, a bordo do meu próximo trem, eu escuto as recomendações feitas pelos alto-falantes. Desde o óbvio ("Não empurre"), até o inócuo ("Não esqueça o seu guarda-chuva no vagão"), a quantidade delas revela um país de gente dócil e que adora a ordem. Há constantes pedidos de desculpas pelos atrasos - normalmente não mais do que alguns minutos. As razões apresentadas vão desde a recuperação da bagagem extraviada de alguém até "confusão entre passageiros". Finalmente, há uma advertência a alguém que embarcou correndo quando as portas estavam se fechando, um ato para o qual existe uma frase especial. "O kakekomijosha é perigoso. Portanto, por favor, não façam isso." Os funcionários lamentam o fato de que as pessoas cada vez mais não sabem como se comportar nos trens. As estações de metrô de Tóquio atualmente exigem pôsteres mensais sobre boas maneiras. "Façamos isto em casa", diz o pôster de novembro, com o desenho de uma mulher passando pó de arroz na face, enquanto está sentada na sua cadeira. A aplicação de maquiagem a bordo é uma cena comum.

De vez em quando, alguns passageiros simplesmente perdem a paciência. "Por que só eu? Todo mundo está levando um guarda-chuva molhado hoje", gritou recentemente uma mulher para um homem no meu vagão lotado. O homem aparentemente havia tirado o fone de ouvido dela e reclamado que a sombrinha da mulher estava encostada nele. Protestando contra o homem em uma voz alta e aguda no vagão silencioso, a mulher estava nitidamente histérica. Mas ela poderia estar falando por todos nós quando perguntou, "Onde estão os meus direitos humanos? Eu sou uma boa pessoa. Eu trabalho duro e estou seguindo para o meu emprego."

(Kumiko Makihara é escritora e tradutora e mora em Tóquio)

Tradução: UOL