quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

A (i)mobilidade urbana

Como construir uma mobilidade urbana sustentável? Essa a discussão que está no centro da pauta do debate contemporâneo sobre as cidades. Por isso mesmo, transcrevo abaixo interessante matéria jornalística traduzida pelo site UOL.
Observação: transcrevo trechos; a leitura do texto integral, você que é assinante do UOL, tem acessando aqui.

Tóquio
Kumiko Makihara


Limpo, rápido e pontual. Normalmente é um prazer viajar no sistema ferroviário do Japão. Mas a hora do rush é cansativa, e faz com que as pessoas abandonem a sua fachada de educação. Os vagões lotados se constituem em uma grande oportunidade para a observação de um Japão sem maquiagens.

Em uma típica manhã de um dia de semana, eu caminho pela multidão na plataforma e apresso o passo para chegar ao compartimento do trem exclusivo para mulheres. Segurando com força a bolsa, a pasta e a sombrinha, eu caminho meio de lado para evitar fazer contato visual com os passageiros já espremidos lá dentro.

Imprensada entre a bolsa de alguém e uma cabeça cheia de cabelos, eu checo a tela de informações sobre as portas. Com frequência há o anúncio de um "jin shin jiko", o que, tecnicamente, é um acidente envolvendo pessoas, significando um suicídio cometido por alguém que se joga em frente a um trem.

(...)

Quando o meu trem faz a próxima parada, eu vejo três luzes azuis no teto, nas extremidades de cada plataforma. A companhia ferroviária do Japão instalou essas luzes neste ano na esperança de que a cor suave acalmasse as pessoas, desencorajando-as de saltar sobre os trilhos.

A estação seguinte traz um grande espelho em uma parede; uma outra tentativa da companhia de fazer com que as pessoas vejam as suas imagens refletidas e desistam do suicídio. Mas não dá para acreditar que luzes e espelhos resolvam o problema.

O vagão para mulheres no qual eu me encontro está só um pouco menos lotado do que os outros, mas pelo menos eu não tenho que ficar tentando adivinhar se um cara suspeito está sendo empurrado contra mim ou se está se apertando propositalmente contra o meu corpo. No ano passado, o Departamento de Polícia Metropolitana de Tóquio recebeu 1.800 relatos de atos indecentes cometidos dentro de trens e metrôs. Em setembro, a polícia de Tóquio realizou uma "campanha anti-apalpadelas" durante cinco dias, mobilizando policiais disfarçados e a tropa de choque.

Esse tipo de ação ocorre abaixo da linha de visão, de forma que as acusações frequentemente convergem para uma situação em que há a palavra da acusadora contra a do acusado. Para ajudar as mulheres a identificar os culpados, uma cooperativa da indústria gráfica desenvolveu um adesivo que é afixado aos telefones celulares das mulheres e que aplica um "x" vermelho semi-permanente em mãos mal comportadas. Já houve também alguns casos famosos de falsas acusações, de forma que os meus amigos do sexo masculino mantém ambas as mãos à vista quando estão a bordo de trens lotados, segurando-se em alças e barras para evitar qualquer suspeita.

Na minha estação de troca de trem, eu vejo os "empurradores", funcionários que comprimem as pessoas para dentro dos trens lotados. Três homens jovens usando uniformes brancos, coletes amarelos refletores com a inscrição "assistentes de plataforma" e bonés de beisebol cinzas gritam "empurrem o corpo e a bagagem para dentro, por favor", enquanto empurram as pessoas para o interior dos vagões com ambas as mãos. Depois que as suas portas são fechadas, dois dos homens correm a ajudar um terceiro que está meio agachado, inclinado de lado contra os passageiros com todo o seu peso.

A equipe finalmente empurra todo mundo até um ponto suficiente para permitir que as portas se fechem, os três homens sorriem juntos quando o trem parte com uma alça de bolsa pendurada do lado de fora da última porta. A salvo, a bordo do meu próximo trem, eu escuto as recomendações feitas pelos alto-falantes. Desde o óbvio ("Não empurre"), até o inócuo ("Não esqueça o seu guarda-chuva no vagão"), a quantidade delas revela um país de gente dócil e que adora a ordem. Há constantes pedidos de desculpas pelos atrasos - normalmente não mais do que alguns minutos. As razões apresentadas vão desde a recuperação da bagagem extraviada de alguém até "confusão entre passageiros". Finalmente, há uma advertência a alguém que embarcou correndo quando as portas estavam se fechando, um ato para o qual existe uma frase especial. "O kakekomijosha é perigoso. Portanto, por favor, não façam isso." Os funcionários lamentam o fato de que as pessoas cada vez mais não sabem como se comportar nos trens. As estações de metrô de Tóquio atualmente exigem pôsteres mensais sobre boas maneiras. "Façamos isto em casa", diz o pôster de novembro, com o desenho de uma mulher passando pó de arroz na face, enquanto está sentada na sua cadeira. A aplicação de maquiagem a bordo é uma cena comum.

De vez em quando, alguns passageiros simplesmente perdem a paciência. "Por que só eu? Todo mundo está levando um guarda-chuva molhado hoje", gritou recentemente uma mulher para um homem no meu vagão lotado. O homem aparentemente havia tirado o fone de ouvido dela e reclamado que a sombrinha da mulher estava encostada nele. Protestando contra o homem em uma voz alta e aguda no vagão silencioso, a mulher estava nitidamente histérica. Mas ela poderia estar falando por todos nós quando perguntou, "Onde estão os meus direitos humanos? Eu sou uma boa pessoa. Eu trabalho duro e estou seguindo para o meu emprego."

(Kumiko Makihara é escritora e tradutora e mora em Tóquio)

Tradução: UOL



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