Alon Feurwerker, como de costume, coloca os pingos nos "is" na discussão a respeito dos custos (ou seja, taxas e reduções de crescimento) necessários para fazer face às mudanças climáticas globais. De boas intenções e discursos politicamente corretos, não tenham dúvidas!, o inferno está abarrotado. Confira o texto do jornalista mais abaixo.
Os pobres, sem ter quem os defenda
Alon Feurwerker
Como nós, da elite, temos à disposição todos os confortos da civilização, podemos também confortavelmente mobilizar-nos por um mundo com menos civilização. Desde que para os outros
A Conferência do Clima na Dinamarca e a imensa mobilização em torno dela transformaram-se num gerador poderosíssimo de consensos. O aquecimento global é o mais grave problema planetário, dizem, e deve subordinar os demais assuntos. Entre eles o desenvolvimento. Como se trata de uma ameaça global, deve ser enfrentada globalmente. Abre-se caminho para a relativização da soberania das nações e para alguma modalidade de governança supranacional.
O presidente da República é mesmo um sujeito de sorte. Ao longo dos dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva, o crescimento anual médio do Produto Interno Bruto (PIB) ainda persegue os 4%, o que para um país como o Brasil é pouco. Só não é menos graças à desaceleração demográfica. A estabilização populacional -produto da urbanização- impede a corrosão do PIB per capita. Por que Lula tem sorte? Porque a centralidade da agenda ambiental reduz as pressões pelo crescimento acelerado, que aliás corre o risco de virar bicho-papão.
O PT batia sem dó nem piedade no governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) porque o Brasil não crescia. Com Lula, o Brasil cresce um pouco mais, só que não chegou a dar o salto. Pode-se culpar a crise mundial das finanças, mas FHC também teve lá suas crises como desculpa. Lula pode argumentar que a dele foi mais aguda. Ao que FHC retrucará dizendo que as dele foram em maior quantidade e espalhadas no tempo. E seguirá o fascinante debate tucano-petista de sempre, enquanto o país patina. Mas como viramos os queridinhos da imprensa antes atacada como “imperialista”, então está tudo bem.
Fato é que nos dezesseis anos de ambos a China, por exemplo, cresceu bem mais do que nós. Apesar de todas as crises mundiais. Ainda bem que a China cresceu forte. Os combatentes do clima têm muito mais imprensa à disposição e melhores estratégias de comunicação -até por não lhes faltarem os recursos-, mas o desafio central da humanidade continua a ser o combate à pobreza e à desigualdade. E os chineses vêm sendo decisivos nessa luta. Mesmo ao custo de virarem alvo da ira mundial.
Não que as coisas na China corram sempre bem. Há um déficit democrático. E há problemas graves de poluição, de agressão ao meio ambiente. O tema adquire ali centralidade cada vez maior. Mas existe um consenso nacional básico. Ainda persistem centenas de milhões de chineses fora do mercado e da civilização moderna. Se a liderança ali ocupar-se demais em agradar ao público externo, sacrificará o interno e abrirá caminho para a desestabilização política do país. Óbvio que eles tentarão evitar isso por todos os meios.
Além do mais, a persistência do crescimento econômico acelerado na China vem sendo a grande responsável por o mundo sair da crise com menos danos do que previsto. Enquanto o Brasil festejará ao final do ano um crescimento do PIB de 1%, se tanto, a China terá expandido a economia a uma taxa oito vezes maior. O que não impedirá Lula de repetir que o Brasil foi o primeiro a sair da crise. Sem que seja questionado a sério, politicamente, pela audiência.
Por que Lula fala sozinho? Porque o discurso que deveria se contrapor ao dele, desenvolvimentista, é progressivamente empurrado para a criminalização.
Funciona aqui um mecanismo similar ao da escola pública. Como os filhos dos políticos, dos empresários, dos artistas e dos jornalistas estudam, em sua maioria, em escolas particulares, ninguém se ocupa a sério de oferecer ao filho do pobre uma escola pública de qualidade.
Como nós, da elite, temos à disposição todos os confortos da civilização, podemos também confortavelmente mobilizar-nos por um mundo com menos civilização. Desde que para os outros. Infelizmente, nesse debate sobre o aquecimento global os pobres não têm quem os defenda de verdade.
Poderia ser Lula, mas ele não mostra entusiasmo pelo papel. O Lula de 2009 pouco ou nada tem a ver com o de 2003.
(...)
Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje no Correio Braziliense.
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