terça-feira, 31 de maio de 2011

Uma eleição muito importante

Agora a contagem regressiva acelera. O apelo ao jogo baixo, mobilizado desde o começo, vai ficando mais escrachado. A esperança é que as pessoas saibam distinguir as diferenças.

Do que eu estou falando? De que eleição? Do acontecimento mais importante desta semana: a eleição peruana.

Ollanta Humala voltou a subir nas pesquisas e está empatada com a herdeira do fujimorismo. Confira aí em embaixo o belo spot final do Ollanta. Estou cá na torcida para que o melhor vença. Para equilibrar o jogo neste sofrido continente.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Encontrando Bianca

Falar mal de demandas sociais e políticas que questionam o conservadorismo, de uma hora para outra, virou o esporte preferido da Direita. Truculenta, como sempre, tomou o combate do material educativo sobre a diversidade cultural como sua razão de ser. "Kit Gay", esse o apelido dado usado e abusado pelos Bolsonaros da vida (o parlamentar e os seus seguidores na imprensa).

A Presidente Dilma, que está imolando a alma para salvar o Palocci, ordenou a suspensão do material educativo. É uma pena! Como você pode conferir, assistindo ao vídeo abaixo postado, trata-se de um material bem feito. Seu centro é o respeito à diversidade. Talvez, por isso, tenha sido apedrejado com tanta rapidez. A direita não viu e nem gostou.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Águas na Cidade

Confira a notícia abaixo, publicada no site do CNPq. Quem mora em Natal, e enfrenta o aguaceiro destes meses, sabe bem da importância do assunto.


Especialistas em hidrologia pedem mais atenção para gestão das águas pluviais urbanas

Inúmeros municípios e cidades brasileiras vêm sofrendo com freqüência enormes prejuízos socioeconômicos devido às constantes inundações urbanas. O Brasil perde por ano em média R$ 6 bilhões por causa destas, sem contar com os prejuízos causados pelas cheias ribeirinhas, que ocorrem quando da ocupação não planejada do espaço limítrofe dos rios. O fato é que este problema, não ocorre somente devido a fatores climáticos e processos naturais, mas também, por falta do controle adequado da ocupação do espaço geográfico e de ações consistentes que busquem melhorar à gestão dos sistemas de drenagem das águas pluviais urbanas.

Gestores e especialistas na área demonstram preocupação com este problema, e afirmam que o país não pode simplesmente adotar medidas emergenciais lembradas somente depois de um evento, mas sim buscar soluções viáveis e sustentáveis em longo prazo. Para o engenheiro civil, Marcelo Gomes Miguez, que conta com o apoio do CNPq em sua pesquisa “Modelação Matemática como Ferramenta de Apoio à Gestão da Drenagem em Bacias Urbanas”, novos paradigmas de planejamento e gestão das águas pluviais precisam ser consolidados.

“É fundamental que os Municípios consolidem um Plano de Manejo de Águas Urbanas que articule novos instrumentos de ordenamento de uso do solo, com diretrizes da Política Nacional de Recursos Hídricos e da Lei Nacional de Saneamento. É preciso tratar o problema de forma sistêmica e realizar projetos integrados com o crescimento urbano. Hoje, ainda se percebe que as cidades vêm trabalhando de forma muito fragmentada e isolada nesta área”, afirma o pesquisador.

LEIA O ARTIGO COMPLETO AQUI.

Prostituição

Leia abaixo trechos de um ótimo artigo sobre a prostituição. No final, você encontrará um link para acessar o artigo completo.



Banquete de homens: sexualidade, parentesco e predação na prática da prostituição feminina*
José Miguel Nieto Olivar (LATTES)

Nos veneran si nos ven brillar al fondo y en lo oscuro, pero nos aplastan si pretendemos asomarnos a la luz del día. No olvides, niña, la gran verdad del amor de café: las putas estamos siempre en guerra.
- ¿En guerra contra quién, madrina? - pretendía ignorar Sayonara.
- Contra todos, niña. Contra todos.
LAURA RESTREPO, La novia oscura.



Introdução

Terminam os anos de 1980. As quatro mulheres estão por volta dos 30 anos de idade e se afiançam profissionalmente como prostitutas de rua. A figura do cafetão/marido todo-poderoso, sedutor e violento ocupa um lugar especial na configuração dos seus universos, assim como a polícia brutal, corrupta e tão próxima. Lidam com uma guerra constante, dia após dia, com um ofício ainda extremo, ainda maldito, ainda sagrado, já maravilhoso... As "profissionais do sexo" começam a aparecer com timidez e correção política. Aliás, serão elas quatro protagonistas, co-construtoras, artesãs das mudanças que no seu trabalho acontecerão nos anos vindouros.

Tento olhar para essas quatro prostitutas militantes - Nilce, Soila, Dete e Janete -, na sua passagem pelos anos de 1980, em toda sua "singularidade e positividade" (Rago, 2008), policiando-me em qualquer tentativa de "epistemologia negativa" ou de comparação por igualação (Strathern, 2006).1 Não é meu desejo cristalizar suas vozes em uma "explicação científica" e coesa das narrativas (Velho, 1995), nem congelar todas as possíveis interpretações e "reconfigurações" (Ricoeur, 1994). Só escolhi um viés dos muitos possíveis. Interessa-me especialmente pensar como era esse fazer-se mulher prostituta naquelas ruas naqueles anos. Como, a partir de quais relações, fabricavam-se esses gêneros, qual era a natureza dessas relações? Qual a forma do sexo para as trabalhadoras do sexo? Qual a forma das relações afetivas e familiares na fabricação das políticas do amor pago?

Pretendo apresentar os contornos de uma relação que me pareceu fundamental na experiência dos corpos de toda uma geração de prostitutas porto-alegrenses que hoje beira os 45 ou 50 anos de idade, assim como na forma em que a prostituição de rua de baixa renda em Porto Alegre se configurou. É uma relação central na construção da prostituição vivida pelas quatro protagonistas dessa história e narrada pelo Movimento organizado da categoria. São os contornos de uma guerra sexual (Rubin, 1999) e urbana (Arantes, 2000a e b) da qual "o programa" é metonímia possível.2 Olho para essa guerra a partir de uma perspectiva de gênero.3

De um lado do conflito está o que se percebe como uma multiplicidade radical de fluxos desejantes femininos (Rago, 2008) considerados à margem de discursos sociais hegemônicos (camadas médias, Estado, masculinidades prestigiosas), e que encontra lugar no guarda-chuva chamado prostituição. "Nós". De outro, "a sociedade": forças de territorialização normalizante, cuja prática tende à cristalização extensiva das experiências. Trata-se das forças do "biopoder" (Foucault, 2008), que ora reprimem ora estimulam certas formas de vida (e não outras), certos corpos (e não...), certos usos do sexo. Nas palavras de Deleuze e Guattari (2008), a "forma-Estado", o "juízo de Deus", que se constrói a partir do controle, da produção absolutista dos interstícios.

Pretendo não falar de blocos de pessoas rigidamente posicionadas em lugares determinados, umas contra as outras (policiais contra prostitutas, por exemplo); mas de forças. Pretendo apresentar uma relação de perspectivas não cristalizadas em identidades fixas (Guattari, 1981; Strathern, 2006; Fausto, 2000; Viveiros de Castro, 2002). Perspectivas, claro, que agem em corpos e instituições, em práticas visíveis e sensíveis. Perspectivas corporificadas por pessoas concretas, às vezes de maneira fugaz, outras com uma duração assustadora, dependendo das relações estabelecidas, das possibilidades ou dos interesses.

Programa não é sexo

Eu, como muitas pessoas que se aproximam ao tema da prostituição pelo caminho dos estudos de sexualidade, assumia que se alguma coisa a mulher prostituta faz é trepar, transar, ter sexo. Afinal elas, além de serem mulheres urbanas contemporâneas, são, hoje no Brasil, "profissionais do sexo". Seja como opressão seja como transgressão sexual, vincular sexualidade e prostituição é uma operação naturalizada para muitos de nós. O programa,4 então, seria uma prática sexual, e a prostituta (aquela eterna abstração) teria em um dia 5, 10, 15, 30 relações sexuais (aquela eterna...) com 5, 10, 15, 30 homens (aquela...).

Mas um dia, sentado na sala do Núcleo de Estudos da Prostituição (NEP)5 com Dete e Soila, então com 45 e 43 anos respectivamente, tais reticências acabaram de vez. Desde o início da pesquisa eu me interessara pela sexualidade dessas mulheres, por seu erotismo, pelas maneiras como no percurso da vida foram construindo e sentindo seus corpos (trajetórias corporais). É 24 de maio de 2007, tínhamos passado nove meses nos conhecendo e nos apaixonando; falamos confortavelmente sobre sexo. Aparece o assunto do sexo anal. Pergunto então se elas "dão o cu". Não, em geral não... - diz Soila. Mas dá? - pergunto. Dou, claro, mas não transando - afirma [não transando? - penso - Tem como "dar o cu" sem ser transando?]. Ahhhh eu já gosto é no amor! No programa não gosto. Já dei, mas não gosto - revira com força Dete. Então pergunto sinceramente confuso: Mas Sô, como assim "não transando"? E o programa não... Ela me interrompe com um olhar de lástima. Mas tu não entendeu nada, né Miguel? - conclui taxativa.

Atento a essa lógica, fui percebendo que havia uma complexa conceitualização, uma política corporal e sexual, que distinguia totalmente sexo e programa, presente nas narrativas biográficas dessas quatro protagonistas que se fizeram prostitutas no início dos anos de 1980, assim como nas falas de outras mulheres prostitutas de minha etnografia. Além disso, tal distinção vinculava-se a outras que eu vinha tentando compreender desde as trajetórias e os processos de corporificação específicos dessas mulheres. O que fazer com essa afirmação radical? "Sexualidade" seria o melhor patamar teórico para uma aproximação das práticas corporais que essas mulheres estavam narrando? Ou melhor, é legítimo incluir, sempre, a experiência corporal do programa na categoria "sexualidade", mesmo elas afirmando que não se tratava de sexo?

* * *

Se assumirmos o princípio antropológico de que as coisas são culturalmente construídas, podemos pensar que elas próprias e não só sua expressão e simbolização têm existências diversas nos diferentes tempos e lugares. Trata-se de uma versão "radical" do construtivismo social (Vance, 1999). Em contrapartida, na middle-grounded version parece estar aceita a suposição de que, parafraseando Strathern (2006), no fundo, os problemas de todo mundo são os mesmos, naturais ou sociais, e que as sociedades, analogamente às pessoas, têm como tarefa inventar as mais diversas soluções. A perspectiva antropológica de da autora antecipa a aparição da diferença: não a limita à resolução dos problemas, mas a leva à própria problematização. As sociedades, como as pessoas, criam problemas, eles mesmos, os mais diversos (Strathern, 2006, pp. 63-71).

Influenciado por essa postura "radical", optei por potenciar etnograficamente a afirmação em questão. Três movimentos entrelaçados evidenciaram para mim a categoria "parentesco" e colocaram em questão a validade absolutista da categoria "sexualidade".6 O primeiro veio pela própria história da fabricação desses corpos e dessas prostituições no Centro de Porto Alegre nos anos de 1980. O segundo, pela revisão teórica da proposta de Foucault sobre o "dispositivo da sexualidade". Já o terceiro, vindo de um campo em que os estudos de parentesco são centrais e altamente sofisticados - a etnologia amazônica - trata da reflexão sobre tipos de relações e as operações práticas/corporais para a sua atualização.

A leitura de "programa não é sexo" trouxe algumas evidências quando olhado através das narrativas vitais dessas mulheres (primeiro movimento). A família/unidade produtiva, antes que qualquer primado do indivíduo/subjetividade, constituía o eixo dominante na construção dos corpos e na orientação de suas práticas corporais. Encarava-se a prostituição como um negócio familiar, e era importante que assim fosse, já que essa era a nova tecnologia de produção que se juntava ao saber médico e à ação policial. Fazer-se esposa de alguém e fazer-se prostituta não eram processos entre os quais seria possível traçar qualquer fronteira, como sugeriria a hipótese da "dissociação".7 Fazer-se esposa de, amante de, e trabalhadora de, constituíam experiências necessariamente interdependentes.

A família, ser de família, ser esposa, ter um marido/cafetão, estava na base da maneira pela qual o sexo, o amor, o trabalho se construíam. A perspectiva da família androcentrada, heteronormativa, monogâmica e monodomiciliar (as duas últimas para a mulher), como poderosa força integradora das vontades, impunha-se sobre certa perspectiva individualizante na trajetória das mulheres (nos quatro casos existe um relativo desprendimento individualista dos núcleos familiares de criação e, posteriormente, a aventura mais ou menos solitária no mundo e a conformação de novas redes de filiação feminina), e que alguns anos depois ganharia protagonismo.8

Sabemos por Foucault (segundo movimento), e por uma extensa corrente de pensadores sociais que com ele têm dialogado (como Rubin, 1999; Weeks, 1988; Parker et al., 2008; Correa, 1996; Duarte, 1999), que o conceito de sexualidade não se reduz a um conjunto estável e universal de práticas corporais. Falar de sexualidade é discutir uma política muito específica de gestão de corpos, pessoas e relações, central na fundação e na expansão da modernidade ocidental. Uma política vinculada ao primado do indivíduo, do prazer erótico, do casal burguês, da produtividade, dos saberes científicos sobre "si" e sobre o corpo (Foucault, 1988, p. 100).

Na memória de Soila, Nilce, Dete e Janete sobre aqueles anos, vemos claramente uma lógica familiarista e produtiva fechada sobre si mesma. Não existia no seu cotidiano nenhum aparato científico iluminando seus sexos e seus Édipos, não iam ao psicólogo, dificilmente visitavam o médico e a notícia da Aids era ainda incipiente. Diante da irrelevância do tema da sexualidade, elas eram estimuladas a falar sobre família/trabalho (e talvez pecado?), isto é, suas narrativas pertenciam mais a um universo orientado pelos "dispositivos da aliança", do que pelas sexualidades modernas.

O dispositivo de aliança se estrutura em torno de um sistema de regras que define o permitido e o proibido, o prescrito e o lícito; o dispositivo de sexualidade funciona de acordo com técnicas móveis, polimorfas e conjunturais de poder. O dispositivo da aliança conta, entre seus objetivos principais, o de reproduzir a trama de relações e manter a lei que as rege; o dispositivo de sexualidade engendra, em troca, uma extensão permanente de domínios e de formas de controle. Para o primeiro, o que é permanente é o vínculo entre parceiros com status definido; para o segundo, são as sensações do corpo, a qualidade dos prazeres, a natureza das impressões [...]. Enfim, se o dispositivo de aliança se articula fortemente com a economia devido ao papel que pode desempenhar na transmissão ou na circulação das riquezas, o dispositivo de sexualidade se liga à economia através de articulações numerosas e sutis, sendo o corpo a principal - corpo que produz e consome. (Foucault, 1988, p. 101)

Mesmo que se faça o exercício analítico de privilegiar a "aliança", a imagem é distorcida, borrada. Não só por mal pulso do pesquisador, mas porque as imagens apresentadas são, fundamentalmente, narrativas de diferenciação e transformação intensiva num mundo social extremamente complexo. Num tempo que privilegia a imagem, sua classificação é confusa. Não é vídeo; não é quadrinho. Como o próprio Foucault sugere e como as narrativas evidenciam, os dois dispositivos não mantêm uma relação autoexcludente; podem coexistir, sobrepor-se momentaneamente, substituir-se e atualizar-se. A aliança garantia melhores condições econômicas, mas anulava a possibilidade da propriedade feminina, por exemplo, ao tempo em que, sendo prostituição o trabalho em questão, se desenvolvia uma série de mecanismos de sujeição e estimulação do corpo como matéria de produção.

Não se trata simplesmente de substituir sexualidade por aliança (tirar duas fotos ou fazer uma transição em vídeo), mas de entender como os processos de corporificação dessas mulheres estavam inscritos, circulavam, transitavam e contestavam, fugiam, desmanchavam formas de poder específicas em um momento de importante mudança na cidade (isto é, como na prática se recompunha o plano visual, como escapava do olhar). Como veremos adiante, porque se supunha certo poder familiarizante no sexo, e se reconhecia que tais coisas estavam perigosamente próximas no programa, a unidade totalizante mulher/família/prostituição requeria a existência de duas perspectivas profunda e radicalmente opostas na prática corporal do sujeito prostituta e dos demais agentes: a puta e a esposa. Entre uma e outra devia existir uma relação clara de hierarquia que deixava para a puta a vergonha, a punição e, eis o perigo, a virtualidade do prazer. O programa, na sua intimidade, era a ação de um devir (a puta), cuja periculosidade era conhecida, gerenciada por um ser necessariamente dessexualizado: a prostituta/esposa/trabalhadora.9

Assumir os trânsitos e as tensões entre os dispositivos da aliança e da sexualidade como hipótese possível na fabricação desses corpos e da própria prostituição implica, seguindo a sugestão foucaultiana, analisar o lugar que certas imagens de família, "como poder de interdição" ou "fator capital de sexualização" (Idem, p. 107), ocupa na constituição dessas pessoas e relações. Assim, aliança e sexualidade como dispositivos não são soluções sociais para um mesmo e único problema natural (sexo, desejo), para usar os termos de Strathern (2006), são problemas diferentes criados por diferentes sociedades. Problemas metapragmáticos, estruturantes, aliás, das relações de parentesco nessas culturas. A sexualidade, enquanto dispositivo, é central na criação da sociedade ocidental moderna e na diferenciação da burguesia europeia em relação aos "antigos", os "camponeses", os "primitivos".

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terça-feira, 24 de maio de 2011

Crescimento econômico e crise urbana

O crescimento econômico dos últimos anos não arrefeceu a crise urbana no Brasil. Como explicar essa equação? Em excelente artigo, publicada na última edição do NOVOS ESTUDOS CEBRAP, Raquel RolniK e Jeroen Klink analisam esse aparente paradoxo. Confira!

Crescimento econômico e desenvolvimento urbano: por que nossas cidades continuam tão precárias?
Raquel Rolnik e Jeroen Klink



O Brasil tem vivido nos últimos anos um ciclo de crescimento econômico sólido. No período entre 1999 e 2009, o PIB cresceu a uma taxa anual de 3,27%, enquanto a população ocupada aumentou a uma taxa anual de 2,29%1. Além de significativo, este período foi marcado por uma mudança na condução da política econômica, que teve como uma das estratégias a expansão do mercado interno, incorporando parcelas maiores da população brasileira ao mercado, o que significou, particularmente a partir de 2005, que as variáveis mais relevantes para o crescimento passaram a ser o consumo interno e a formação bruta de capital fixo2. No âmbito das políticas socioeconômicas foram também implementados programas dirigidos à população mais miserável, com o objetivo de retirá-los do nível de subsistência precário em que se encontravam, mediante programas de transferência de renda (Bolsa Família) e um conjunto de políticas sociais destinadas a aumentar as oportunidades de empreendedorismo e desenvolvimento econômico3. Cabe também destacar a retomada do papel dos bancos e fundos públicos na provisão de crédito e na alavancagem dos investimentos públicos e privados, entre outros, por meio de programas como o PAC, Minha Casa, Minha Vida e o fomento a outros setores econômicos específicos (por exemplo, automóveis, construção naval etc.)4.

Do ponto de vista institucional, na década anterior, a partir de um intenso debate no seio da sociedade civil, nos partidos e entre governos acerca do papel dos cidadãos e suas organizações na gestão das cidades, foram anos de avanços no campo do direito à moradia e direito à cidade, com a incorporação à Constituição do país, em 1988, de um capítulo de política urbana estruturado em torno da noção de função social da cidade e da propriedade, do reconhecimento dos direitos de posse de milhões de moradores das favelas e periferias das cidades do país e da incorporação direta dos cidadãos aos processos decisórios sobre esta política5. Foi também no mesmo período que o processo de descentralização federativa, fortalecimento e autonomia dos poderes locais, propostos desde a Constituição de 1988, foram progressivamente implantados, processo limitado tanto pelos constrangimentos do ajuste macroeconômico como pela alta dose de continuidade política que o processo de redemocratização brasileira envolveu6.

Sinais e reflexos do crescimento econômico são visíveis em localidades, cidades e metrópoles brasileiras em várias regiões. A expansão e maior disponibilidade de subsídios públicos ao crédito para a produção habitacional, associada ao crescimento da economia, têm provocado um dos maiores ciclos de crescimento do setor imobiliário nas cidades já vividos no país7. As dinâmicas econômicas recentes têm desafiado as cidades a absorver esse crescimento, melhorando suas condições de urbanização de modo a sustentá-lo do ponto de vista territorial. Os desafios não são poucos, já que não se trata apenas de expandir a infraestrutura das cidades para absorver um crescimento futuro, uma vez que a base - financeira, política e de gestão - sobre a qual se constituiu o processo de urbanização consolidou um modelo marcado por disparidades socioespaciais, ineficiência e grande degradação ambiental8. Porém, apesar dos sucessos da política econômica entre eles, um aumento espetacular do gasto público no setor de desenvolvimento urbano - e as promessas da descentralização e do Estatuto das Cidades, as marcas desse modelo continuam presentes em várias dimensões do processo de urbanização.

Este ensaio busca discutir alguns dos limites e obstáculos que têm incidido sobre a capacidade da rede urbana brasileira responder ao desafio de ampliar o direito à moradia e à cidade para o conjunto de moradores e propiciar um suporte adequado e sustentável para a expansão da produção e do consumo nas cidades. Tendo como base os resultados preliminares do relatório das cidades no Brasil (1990-2008)9, o artigo procura apontar relações entre a dinâmica econômica recente e as condições de urbanização das cidades, levando em consideração o modelo atual de financiamento e gestão do desenvolvimento urbano no país.

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Uma aula inaugural...

No vídeo abaixo, uma aula inaugural de um curso de pós. Pô, Edmilson, aula inaugural? Mas não é qualquer aula, não. É a aula que a Marina Silva proferiu na abertura do ano letivo de um curso de pós no INPE. Faça um esforço e assista.

Código Florestal: não é hora de votar!

Uma coalização supra-partidária, formada por todos ex-ministros do Meio Ambiente, querem a suspensão da votação do Código Florestal. Com o PT e o Governo encurralados pela esparrela arrumada pelo Palocci, a tendência é que os ruralistas imponham todas as suas vontades. Um desastre para o meio ambiente e para o futuro do país. Leia abaixo a carta dos ex-ministros.


Carta Aberta à Presidente da República e ao Congresso Nacional


Os signatários desta Carta Aberta, ao exercerem as funções de Ministros de Estado ou de Secretário Especial do Meio Ambiente, tiveram a oportunidade e a responsabilidade de promover, no âmbito do Governo Federal, e em prol das futuras gerações, medidas orientadas para a proteção do patrimônio ambiental do Brasil, e com destaque para suas florestas. Embora com recursos humanos e financeiros limitados, foram obtidos resultados expressivos graças ao apoio decisivo proporcionado pela sociedade, de todos os presidentes da República que se sucederam na condução do país e do Congresso Nacional. Mencione-se como exemplos: a Política Nacional do Meio Ambiente (1981), o artigo 225 da Constituição Federal de 1988, a Lei de Gestão de Recursos Hídricos (1997), a Lei de Crimes e Infrações contra o Meio Ambiente (1998), o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (2000), a Lei de Informações Ambientais (2003), a Lei de Gestão de Florestas Públicas (2006), a Lei da Mata Atlântica (2006), a Lei de Mudanças Climáticas (2009) e a Lei de Gestão de Resíduos Sólidos (2010).

Antes que o mundo despertasse para a importância das florestas, o Brasil foi pioneiro em estabelecer, por lei, a necessidade de sua conservação, mais adiante confirmada no texto da Constituição Federal e sucessivas regulamentações. Essas providências asseguraram a proteção e a prática do uso sustentável do capital natural brasileiro, a partir do Código Florestal de 1965. Marco fundante e inspiração nesse particular, o Código representa desde então a base institucional mais relevante para a proteção das florestas e demais formas de vegetação nativa brasileiras, da biodiversidade a elas associada, dos recursos hídricos que as protegem e dos serviços ambientais por elas prestados.

O processo de construção do aparato legal transcorreu com transparência e com a decisiva participação da sociedade, em todas as suas instâncias. E nesse sentido, é importante destacar que o CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) já se constituía em excepcional fórum de decisão participativa, antecipando tendências que viriam a caracterizar a administração pública, no Brasil, e mais tarde em outros países. Graças a essa trajetória de responsabilidade ambiental, o Brasil adquiriu legitimidade para se tornar um dos participantes mais destacados nos foros internacionais sobre meio ambiente, além de hoje dispor de um patrimônio essencial para sua inserção competitiva no século XXI.

Para honrar e dar continuidade a essa trajetória de progresso, cabe agora aos líderes políticos desta Nação dar o próximo passo. A fim de que o Código Florestal possa cumprir sua função de proteger os recursos naturais, é urgente instituir uma nova geração de políticas públicas. A política agrícola pode se beneficiar dos serviços oferecidos pelas florestas e alcançar patamares de qualidade, produtividade e competitividade ainda mais avançados.

Tal processo, no entanto, deve ser desenvolvido com responsabilidade, transparência e efetiva participação de todos os setores da sociedade, a fim de consolidar as conquistas obtidas. Foram muitos os êxitos e os anos de trabalho de que se orgulham os brasileiros, e, portanto, tais progressos não devem estar expostos aos riscos de eventuais mudanças abruptas, sem a necessária avaliação prévia e o conveniente debate. Por outro lado, não consideramos recomendável ou oportuno retirar do CONAMA quaisquer de suas competências regulatórias no momento em que o país é regido pelo princípio da democracia participativa, consagrado na nossa Carta Magna.

Não vemos, portanto, na proposta de mudanças do Código Florestal aprovada pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados em junho de 2010, nem nas versões posteriormente circuladas, coerência com nosso processo histórico, marcado por avanços na busca da consolidação do desenvolvimento sustentável. Ao contrário, se aprovada qualquer uma dessas versões, agiremos na contramão de nossa história e em detrimento de nosso capital natural.

Não podemos, tampouco, ignorar o chamado que a comunidade científica brasileira dirigiu recentemente à Nação, assim como as sucessivas manifestações de empresários, representantes da agricultura familiar, da juventude e de tantos outros segmentos da sociedade. Foram suficientes as expectativas de enfraquecimento do Código Florestal para reavivar tendências preocupantes de retomada do desmatamento na Amazônia, conforme demonstram de forma inequívoca os dados recentemente divulgados pelo INPE.

Entendemos, Senhora Presidente e Senhores congressistas, que a história reservou ao nosso tempo e, sobretudo, àqueles que ocupam os mais importantes postos de liderança em nosso país, não só a preservação desse precioso legado de proteção ambiental, mas, sobretudo, a oportunidade de liderar um grande esforço coletivo para que o Brasil prossiga em seu caminho de Nação que se desenvolve com justiça social e sustentabilidade ambiental.

O esforço global para enfrentar a crise climática precisa do ativo engajamento do Brasil. A decisão de assumir metas de redução da emissão dos gases de efeito estufa, anunciadas em Copenhagen, foi um desafio ousado e paradigmático que o Brasil aceitou. No próximo ano, sediaremos a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, e o Brasil poderá continuar liderando pelo exemplo e inspirando os demais países a avançar com a urgência e a responsabilidade que a realidade nos impõe.

É por compreender a importância do papel na luta por um mundo melhor para todos e por carregar esta responsabilidade histórica que nos sentimos hoje na obrigação de dirigirmos a Vossa Excelência e ao Congresso Nacional nosso pedido de providências. Em conjunto com uma Política Nacional de Florestas, o Código deve ser atualizado para facilitar e viabilizar os necessários esforços de restauração e de uso das florestas, além que de sua conservação. É necessário apoiar a restauração, não dispensá-la. O Código pode e deve criar um arcabouço para os incentivos necessários para tanto. O próprio CONAMA poderia providenciar a oportunidade para que tais assuntos sejam incorporados com a devida participação dos Estados, da sociedade civil e do mundo empresarial. Do nosso lado, nós colocamos à disposição para contribuir para este processo e confiamos que sejam evitados quaisquer retrocessos nesta longa e desafiadora jornada.

Brasília, 23 de maio de 2011

Carlos Minc (2008-2010)
Marina Silva (2003-2008)
José Carlos Carvalho (2002-2003)
José Sarney Filho (1999-2002)
Gustavo Krause (1995-1999)
Henrique Brandão Cavalcanti (1994-1995)
Rubens Ricupero (1993-1994)
Fernando Coutinho Jorge (1992-1993)
José Goldemberg (1992)
Paulo Nogueira Neto (1973-1985)

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Acácio e o CCHLA

O Conselheiro Acácio, impagável criação de Eça de Queiroz em O Primo Basílio, com os seus chavões e frases de efeitos duvidosos, pode nos salvar em muitos momentos. Como, por exemplo, nos embates eleitorais.

Lembrei-me do personagem quando recebi, a respeito de post sobre as eleições do CCHLA, um comentário do Daniel, que me honra sempre com a sua visita neste espaço. Leia antes o comentário, depois a resposta.

Caro Prof Edmilson,

há uma clara contradição em sua argumentação. O Sr criticou a paridade por entender que o professor apresenta maior nível de imersão e aproximação com relação aos desafios da universidade.
O Sr, inclusive, mencionou que um projeto acadêmico, na condição específica que uma organização como a universidade apresenta, difere de um projeto burocrático, conforme texto seu anteriormente publicado no seu blog.
Agora, gerando um certo antagonismo com o que defendeste no passado, você fala no poder de escolha dos "trabalhadores" da academia.
Num primeiro momento é o (correto) cuidado com a separação entre as escolhas numa democracia em uma perspectiva mais ampla com as disputas de uma org. como é a universidade. Na outra afirma que todos podem administrar o Centro. Então, a eleição, nessa sua nova perspectiva, deveria aceitar chapa, inclusive, de alunos e funcionários.
Penso que o texto apresenta críticas positivas. No entanto, cai na mesma confusão de defender a suposta "democracia" que foi levantada por aqueles que se apresentaram como "democráticos" quando argumentaram em favor da paridade.
A mobilização política do conceito de "homem cordial" produzida pelo Sr poderia, perfeitamente, ser utilizada para criticar seus textos anteriores.
O raciocínio não se encaixa.

abs

Daniel

MINHA RESPOSTA

Voltando ao Conselheiro, responderia que "uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa". Não confundamos alhos com bugalhos! Não mudo uma vírgula do que escrevi a respeito do peso do voto. Aquela era uma discussão sobre RESPONSABILIDADE, FUNÇÃO E PESO DO VOTO, não sobre COMPETÊNCIA. Penso que as justificativas sobre o peso diferenciado do voto, em uma universidade, não devem se assentar pressuposições de competência, mas em critérios abertos à interpelação a partir de referentes objetivos, como o são RESPONSABILIDADE e FUNÇÃO.

Confundir as duas coisas é desrespeitar os funcionários e estudantes, deixemos isso claro. Muito embora gente irresponsável tenha feito essa mistura, com o fito de açular ressentimentos, o que eu escrevi ou falei não autoriza em nada essas construções.

Não fiz uso da "ideologia da competência" para desqualificar atores em um processo político. Mas é o que andam a fazer para desqualificar Herculano. Tá, faz parte do jogo. Mas, não é coisa muito coerente de ser feita por quem, ontem, criticava o HOMO LATTES. Foi isso, em suma, o que eu quis chamar a atenção.

É isso... E não se abespinhe e nem deixe de vir aqui.


Minha coluna no TERRA MAGAZINE

Acesse aqui a minha coluna de hoje no TERRA MAGAZINE.

sábado, 21 de maio de 2011

Homofobia e liberdade de pensamento

Feuerwerker é uma das penas (coisa de velho isso de pena, não?) mais lúcidas da imprensa brasileira. Não se rende aos modismos. Assume posições e as defende com tranquilidade e racionalidade. Gosto disso. De verdade. Nem sempre concordo com as suas posições, mas, por reconhecer nelas uma embasamente honesto e uma abertura generosa para o debate, sempre que posso reproduzo aqui os seus artigos. Por isso, quando o debate sobre a criminalização da homofobia ascende à condição de tema importante do debate político, é interessante levar em conta a posição desse jornalista. Confira abaixo e pense você por você mesmo!

Equilíbrio cuidadoso (20/05)
Alon Feuerwerker

A homofobia deve ser combatida, a preferência sexual é assunto de cada um. Complementando, ninguém pode ser impedido de opinar sobre o que considera mais adequado, mesmo que não haja esse "mais adequado"

Em boa hora a senadora Marta Suplicy (PT-SP) desarquivou o projeto de lei que procura defender os homossexuais de todo tipo de violência. E a senadora parece seguir por uma trilha cuidadosa, busca formas de evitar que a lei escorregue e atinja os direitos dos grupos religiosos cujas convicções condenam a homossexualidade.

A tarefa da senadora e ex-prefeita do PT em São Paulo é complexa porque a liberdade de culto supõe a liberdade de cada igreja estabelecer sua própria fronteira entre o certo e o errado.

Assim, se é verdade que a separação entre o Estado e as igrejas impede, por exemplo, que alguém seja preso por transgredir determinada regra religiosa, é também verdade que o Estado não tem o direito de suprimir manifestações de fé.

A não ser que estas transbordem contra direitos e garantias constitucionais.

Fácil de falar, difícil de executar, de colocar no papel com clareza. Mas suas excelências que fazem as leis, no Congresso, e que executam o controle de constitucionalidade, no Judiciário, recebem também para resolver os problemas difíceis. Então, mãos à obra.

Como em toda ruptura, é provável que haja vetores de exagero. A defesa dos direitos dos homossexuais corre o risco de escorregar para a demonização da heterossexualidade, ou para a tentação de o Estado, na contracorrente, promover ativamente certas práticas sexuais como “boas”, em oposição às “más”.

Mas é realista acreditar na possibilidade de um equilíbrio. Pois a base desse equilíbrio está colocada, foi cristalinamente posta na sessão em que o Supremo Tribunal Federal decidiu pela legalidade da união civil entre pessoas nascidas com o mesmo sexo.

A preferência sexual é assunto de cada um, o Estado não pode restringir direitos de ninguém por causa disso.

Em oposição a isso, mas complementando, ninguém pode ser impedido de opinar sobre o que considera mais adequado, mesmo que não haja esse “mais adequado”.

Eleições

Uma eleição me deixa inquieto. Nela, eu não voto. Não, não é a eleição do CCHLA. É eleição para a escolha do póximo presidente do Peru. Devo ser uma das únicas pessoas dessas bandas que está se ligando na eleição peruana.

A filha do Fujimori, ditador que derrotou o terrorista Sendero Luminosos ao custo de um pacote de corrupção, violência e desrespeito aos direitos humanos, ameaça ganhar as eleições presidenciais. Isso mesmo! As últimas pesquisas dão Keiko Fujimori na frente.

Eu, seguindo o escritor Mário Vargas Llosa, acredito que a melhor opção é a candidatura do nacionalista Ollanta Humala. Só ele fala em distribuição de renda e políticas sociais. A Keiko, com um populismo de direita que lembra o Maluf, quer prender e arrebentar. Prega pena de morte e prisão perpétua. O de sempre.

Vamos esperar...

sexta-feira, 20 de maio de 2011

A disputa eleitoral no CCHLA

Uma eleição, qualquer eleição, é sempre um momento de aprendizado. Especialmente em uma sociedade na qual a existência de instituições democráticas não traduz uma democratização da vida social. O nosso cotidiano é marcado, não raramente, pela negação do reconhecimento ao OUTRO. Nada de novo nisso, não é? Sérgio Buarque de Holanda, em inspirada obra (“Raízes do Brasil”), na década de 1930, já nos alertava a respeito da cordialidade com os achegados e a hostilidade para com os "distantes" como uma espécie de marca das nossas relações públicas. Um traço do espiritual brasileiro. Expressões do brasileiro, esse "homem cordial".

A ausência de reconhecimento e o estreitamento do espaço público são desdobramentos do “homem cordial”. Claro! Sei que muita água já passou debaixo da ponte desde que o “pai do Chico” lançou ao mundo o seu petardo weberiano. Jessé Sousa, em obras sofisticadas, acerta as contas com as limitações epistemológicas e políticas da interpretação de Buarque. Mas essas críticas só reforçam a importância e a centralidade dessa obra na constituição de um olhar crítico sobre nós mesmos.

Qual o sentido do escrito acima? Acercar-me, cuidadosamente, claro!, do processo eleitoral que ocorre no CCHLA. Pois não é que, analisando cuidadosamente, o “homem cordial”, esse tipo-ideal de Buarque, emerge com força inesperada no processo eleitoral do centro? A lógica é a de sempre: contra os “adversários”, tudo. Nenhum limite! Do açulamento de ressentimentos contra a hierarquia acadêmica a uma graciosa confusão entre currículo lattes (uma tradução enviesada do famigerado “Você sabe com quem está falando?”) e capacidade de gestão de um centro acadêmico são ostensivamente mobilizados.

Gesta-se na atual disputa pela direção do CCHLA um tipo de discurso muito usado contra o Lula nas eleições que disputou: o "discurso da competência". Competência administrativa? Não! Trata-se de algo mais insidioso, díficil de ser facilmente identificado. Uma coisa meio sem clareza, sabe como é?

Bueno, como todos estão em pé de igualdade no que diz respeito aos títulos acadêmicos, o HOMO LATTES renasce na boca de quem, há poucos dias, o submetia a impiedoso ataque. Com qual objetivo? Desqualificar e negar RECONHECIMENTO aos adversários. Lembrei-me de memorável artigo de Marilena Chauí a respeito do caldo conservador subjacente a esse discurso da competência. Alhures, os doutores usam-no para desqualificar os trabalhadores. Quem já não ouviu diatribes contra o MST, alicerçadas no argumento de que os seus militantes, ao contrário dos homens do agro-negócio, não teriam a “competência” devida (ou seja, o LATTES necessário) para a condução da atividade agrícola moderna?

Mas deixemos de lado as coisinhas miúdas. Negatividade, prá lá!

Em que pese o clima da disputa, que tende ao acirramento quanto mais nos aproximarmos do dia da eleição, muito estamos a aprender com o processo. Inclusive o equívoco crasso que foi discutir peso de voto quando as chapas já estavam quase definidas.

Em meio ao clima tenso, é sempre bom manter um pouco de cabeça fria. Pessoalmente, com franqueza, não acho que venha a ser um desastre a vitória de qualquer uma das chapas. Todas as chapas são formadas por professores compromissados e com forte atuação acadêmica no CCHLA. Mas, dado que temos opções, deveremos fazer escolhas, não é? Como escolher? Temos muitas de fazê-lo. Há colegas que fizeram a sua opção levando em conta o cálculo de qual a chapa lhes possibilitaria fazer avançar as suas posições políticas. Nada mais legítimo! Outros, não poucos, alicerçam as escolhas levando em conta a consistência dos discursos proferidos. Há ainda aqueles que confrontam os discursos dos candidatos com as suas práticas.

Pessoalmente, confesso, situo-me entre os últimos. O domínio da retórica não torna ninguém melhor para a condução da coisa pública. Sói ocorrer com freqüência exatamente o contrário. Tanto é assim que em alguns modelos democráticos antigos, para evitar o domínio da Ágora pelos mais traquejados na retórica, faziam-se sorteios para os cargos de mando. Nós, não. Nós escolhemos. E viveremos com as conseqüências de nossas escolhas. Por isso, teremos que levar em conta como os discursos, na atual eleição sempre tão plenos de apelos pluralidade e ao respeito, encaixam-se nas posturas pessoais dos candidatos. É aí, nesse pantanoso terreno, que a disputa deixa de ser um jogo performático e ganha vida, carne, projeto...

É por aí...

Voltarei ao assunto. Tão logo tenha tempo, disposição e tesão.

Dominação masculina

O vídeo abaixo, produzido na Argentina, bem que poderia ser usados em uma sala de aula. Ajudaria a provocar uma boa discussão sobre questões relacionadas a dominação masculina e aos papéis de gênero. Como não utiliza linguagem falada, ele poderia ser usado em qualquer sala, no ensino médio ou na Universidade.

Após discutir o livro de Bourdieu, que tal passar o vídeo para os alunos.


Livro sobre imaginário da violência no Brasil será lançado na França

O Professor Vanderlan Francisco da Silva, professor de sociologia na UFCG, tera a sua tese de doutorado, defendida em uma universidade francesa (não me lembro qual), transformada em livro. Trata-se de uma alentada pesquisa sobre o imaginário da violência no Brasil.
O título do livro será:

Dissonances tropicales : la violence dans l'imaginaire brésilien

Logo, logo, você poderá aquiri-lo. Com a rede, tudo é possível.

PIAUÍ, uma leitura obrigatória

A edição número 56 da revista PIAUÍ já se encontra nas bancas. É, de longe, mas bem de longe mesmo, o melhor produto da imprensa nacional. Reportagens bem feitas, artigos de opinião cuidadosamente escritos, quadrinhos provocativos e crônicas instigantes. Tudo isso e um cadinho mais você encontra na revista.

Na nova edição, destaco uma matéria sobre entidades que acolhem viciados em crack e uma reportagem sobre a situação dos trabalhadores que estão construindo a Usina de Jirau, na qual iniciou a revolta operária de março. Corra prá banca mais próxima e adquira o seu exemplar, antes que acabe.

Humor e política: um comentário em destaque

Destaco aqui comentário mais abaixo, de autoria de Guru, a respeito de artigo do jornalista Marcelo Coelho sobre o politicamente incorreto no nosso humor.

A comédia tem umas peculiaridades políticas... Mas acho mesmo que atualmente comediantes tendem a ser mais conservadores.

O CQC começou com uma coisinha interessante de expor reivindicações políticas, mas virou um Pânico na TV metido a besta, que aposta na prepotência dos comediantes ao invés dos corpos das panicats.

Professora do RN detona os Mubaraks da vida...

A Professora Amanda Gurgel, em vídeo que coloco mais abaixo e que já circula em todas as redes sociais, detonou a gestão da educação do Rio Grande do Norte e no Brasil. A construção social desse caos, que conta com o silêncio cumplíce de tantos, não é obra de um, mas de vários Mubaraks. Quando percebemos como são gastos os recursos da educação nos estados é que temos a dimensão da construção desse desastre.

Betânia Ramalho é uma técnica qualificada e bem intencionada. O cargo de secretária de educação é mais do que um abacaxi a ser descascado. Ela seguirá em frente, mas, agora, precisa redefinir a relação com os educadores do Rio Grande do Norte. O vídeo é um petardo. Cala fundo na nossa alma. E nada pode continuar seguindo da mesma forma após a sua exposição na internet. Nem Betânia, nem Rosalba e nem os deputados estaduais podem agir como Mubaraks.

Amanda Gurgel, queira ela ou não, tornou-se, assim como o tunisiano que se imolou em Praça Pública e detonou as revoltas que estão varrendo as plutocracias do mundo árabe, em um símbolo. Símbolo de uma situação que não pode mais perdurar e diante da qual, hoje, nenhuma força política do RN pode se dizer isenta de alguma responsabilidade pela sua emergência.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

UM DEBATE QUE VOCÊ NÃO PODE PERDER

Caso esteja pela UFRN no dia 23 de maio, segunda-proxima, espera cair a noitinha e vá ocupar um lugar no Auditório da Biblioteca Zila Mamede, pois, teremos lá um debate sobre a pertinência ou não da legalização da maconha. Eis os dados do evento:

Projeto Simulação de Tribunais:
Maconha: é hora de legalizar? Aprofundando o debate sobre a proibição da maconha no Brasil
Palestrantes:
Pedro Siqueira (Marcha da Maconha / RN)
Dep.Federal Protógenes Queiroz (PC do B/SP), delegado da PF

Dia: 23.05 (segunda-feira)
Hora: 18:45
Local: Biblioteca Central Zila Mamede /UFRN

As piadas de gosto duvidoso se aproximam, não raro, do fascismo...

Marcelo Coelho, jornalista da Folha, escreve uma das melhores colunas de nossa imprensa. Transcrevo abaixo um texto memorável de sua autoria. Vale a pena conferir!

Politicamente fascista

MARCELO COELHO – FOLHA SP
Todo pateta com pretensões à originalidade e à ironia toma a iniciativa de se dizer “incorreto”

O COMEDIANTE Danilo Gentili pediu desculpas pela piada antissemita que divulgou no Twitter. A saber, a de que os velhos de Higienópolis temem o metrô no bairro porque “a última vez que eles chegaram perto de um vagão foram parar em Auschwitz”.

Aceitar suas desculpas pode ser fácil ou difícil, conforme a disposição de cada um. O difícil é imaginar que, com isso, ele venha a dizer menos cretinices no futuro.

Não aguentei mais do que alguns minutos do programa “CQC”, na TV Bandeirantes, do qual é ele uma das estrelas mais festejadas. Mas há um vídeo no YouTube, reproduzindo uma apresentação em Brasília do seu show “Politicamente Incorreto”, em outubro de 2010.

Dá para desculpar muita coisa, mas não a falta de graça. O nome oficial do Palácio do Planalto é Palácio dos Despachos, diz ele. “Deve ser por isso que tem tanto encosto lá.” Quem o construiu foi Oscar Niemeyer, continua o humorista. E construiu muitas outras coisas, como as pirâmides do Egito.

A plateia tenta rir, mas só fica feliz mesmo quando ouve que Lula é cachaceiro, ou que (rá, rá) o nome real de Sarney é Ribamar. Prossegue citando os políticos que Sarney apoiou; encerra a lista dizendo que ele só não apoiou o próprio câncer porque “o câncer era benigno”.
Os aplausos e risadas, pode-se acreditar, vêm menos da qualidade das piadas e mais da vontade de manifestação política do público. Detestam-se, com razão, os abusos dos congressistas brasileiros. Só por isso, imagino, alguém ri quando Gentili diz preferir que a capital do país ficasse no Rio: “Lá pelo menos tem bala perdida para acertar deputado”.
Melhor parar antes que eu fique sem respiração de tanto rir. Como se vê, em todo caso, o título do show não é bem o que parece. “Politicamente incorreto”, no caso, faz referência às coisas erradas feitas pelos políticos, mais do que ao que há de chocante em piadas sobre negros ou homossexuais.

A questão é que o rótulo vende. Ser “politicamente incorreto”, no Brasil de hoje, é motivo de orgulho. Todo pateta com pretensões à originalidade e à ironia toma a iniciativa de se dizer “incorreto” -e com isso se vê autorizado a abrir seu destampatório contra as mulheres, os gays, os negros, os índios e quem mais ele conseguir.

Não nego que o “politicamente correto”, em suas versões mais extremadas, seja uma interdição ao pensamento, uma polícia ideológica.

Mas o “politicamente incorreto”, em sua suposta heresia, na maior parte das vezes não passa de banalidade e estupidez.

Reproduz preconceitos antiquíssimos como se fossem novidades cintilantes. “Mulheres são burras!” “Ser contra a guerra é viadagem!” “Polícia tem de dar porrada!” “Bolsa Família serve para engordar vagabundo!” “Nordestino é atrasado!” “Criança só endireita no couro!”
Diz ou escreve tudo isso, e não disfarça um sorrisinho: “Viram como sou inteligente?”.
“Como sou verdadeiro?” “Como sou corajoso?” “Como sou trágico?” “Como sou politicamente incorreto?”

O problema é que “politicamente incorreto”, na verdade, é um rótulo enganoso. Quem diz essas coisas não é, para falar com todas as letras, “politicamente incorreto”. Quem diz essas coisas é politicamente fascista.

Só que a palavra “fascista”, hoje em dia, virou um termo… politicamente incorreto. Chegamos a um paradoxo, a uma contradição.

O rótulo “politicamente incorreto” acaba sendo uma forma eufemística, bem-educada e aceitável (isto é, “politicamente correta”) de se dizer reacionário, direitista, fascistoide.
A babaquice, claro, não é monopólio da direita nem da esquerda. Foi a partir de uma perspectiva “de esquerda” que Danilo Gentili resolveu criticar “os velhos de Higienópolis” que não querem metrô perto de casa.

Uma ou outra manifestação de preconceito contra “gente diferenciada”, destacada no jornal, alimentou a fantasia mais cara à elite brasileira: a de que “elite” são os outros, não nós mesmos. Para limpar a própria imagem, nada melhor do que culpar nossos vizinhos.

Os vizinhos judeus, por exemplo. É este um dos mecanismos, e não o vagão de um metrô, que ajudam a levar até Auschwitz.

Carlos Escóssia!

Grande Carlos! Que bom tê-lo por aqui! O Carlos é uma das grande figuras humanas de Mossoró. Um velho amigo.

Ollanta lá!

Tá chegando o dia. Eu, que não voto, sigo Llosa e apoio (um apoio que não pesa nada, eu sei) o Ollanta para presidente do Peru. Para manter o equilíbrio de poder na América Latina.

terça-feira, 17 de maio de 2011

El Sueno del Celta

Acabei de ler o mais novo livro de Mário Vargas LLosa. Sabe aquela obra que, conforme as páginas vão passando você vai sendo tomando pela angústia da proximidade do fim, é assim que você se sente lendo o novo livro do ganhador (mais do que merecido, se vocês querem a minha modesta opinião) do último Nobel de literatura. Após a leitura em espanhol, em uma passada na Livraria Cultura (Sampa), na sexta-feira, descobri que já há uma tradução para o português. Então, sem pejo, aconselho: corra a uma livraria e vá degustar O SONHO DO CELTA...

Ô Bóris, quem é o autor do texto?

O Bóris me enviou um comentário prá lá de bacana a respeito do livro EL HOMBRE QUE AMABA LOS PERROS, do grande Leonardo Padura. Legal! O problema é que eu queria dividir o texto com vocês, mas o bóris não identificou o autor. Manda o nome do autor, cara!

Heidegger e a democracia digital

O gajo precisa ter competência para, como diria minha prima, fazer uma ponte levando Heidegger a pisar no terreno inseguro da democracia digital. Jônatas Ferreira, professor de sociologia da UFPE, é capaz dessa diabrarura e de outras tantas. Por isso, largue as leiturinhas menores e enfrente o texto do cara, pô! Vai lá! Dê uma sapeada aí embaixo!

Eu continua com a minha campanha
ricuperiana : "o que é bom a gente mostra...".

A ideia de democracia digital na obra de Heidegger

Jonatas Ferreira*

* Universidade Federal de Pernambuco, Rua Ourém, 175, apto 403 — bloco Jacobina; San Martin — Recife — PE Brasil; CEP 50.761-340. e-mail: ferreirajonatas@uol.com.br

Introdução

Em Março de 2009, o Comité Gestor da Internet no Brasil publicou os primeiros resultados da Pesquisa sobre o Uso de Tecnologias de Informação e Comunicação no Brasil realizada no ano de 2008. Esses primeiros resultados indicam que continuamos a avançar na difusão de tecnologias de informação e comunicação (TICs), embora os problemas apresentados nas avaliações anuais anteriores ainda não tenham sido suficientemente equacionados: (i) “o custo elevado continua a ser a principal barreira para a posse do computador e da conexão à internet nos domicílios”; (ii) “a falta de disponibilidade de internet passa também a figurar como um dos principais desafios para a inclusão digital em todo o país”; (iii) a “posse do computador nos domicílios cresceu mais rapidamente do que a posse da conexão à internet; a diferença entre domicílios com computador e domicílios com conexão à internet era de 4 p. p. em 2005 e passou para 8 p. p. em 2008”; (iv) o acesso à telefonia móvel apresenta uma penetração consideravelmente superior à da telefonia fixa em todo o país; (v) a “falta de habilidade foi, mais uma vez, apontada como a principal barreira para o uso da internet”; vi) as lan houses[1] ainda são a única possibilidade de acesso à internet para uma parte considerável da população (pobre) brasileira, o que significa pagar mais pelo acesso à internet quem menos pode pagar[2]. Além de tudo isto, a velocidade de transmissão continua lenta, o que restringe fortemente o acesso a conteúdos que exijam uma maior largura de banda.

Este quadro ajuda-nos, sem dúvida, a traçar os contornos mais gerais daquilo a que se convencionou chamar exclusão digital e dos resultados das políticas de inclusão tentadas até o momento no Brasil. Evidentemente, este panorama requer uma análise ampla das políticas governamentais neste campo, do modo como os estados vêm assumindo os compromissos da Federação no que toca ao ingresso de largas parcelas da população na sociedade da informação, do modo como entidades da sociedade civil e organizações não governamentais se têm dedicado a atenuar as desigualdades no acesso às TICs. No que se refere à necessidade de analisar os obstáculos que se colocam à inclusão digital, em particular nas regiões de maior pobreza e entre as parcelas mais pobres da população, acredito que pensar a desigualdade a partir da perspectiva da inclusão/exclusão digital é insuficiente (Warschauer, 2003). A desigualdade nesse, como noutros casos, não deve ser tratada apenas do ponto de vista da restrição ao acesso, mas da possibilidade de apropriação criativa que essas tecnologias demandam (Maciel e Albagli, 2007). Apropriação é uma chave importante para que possamos reflectir criticamente acerca do significado daquilo que se convencionou chamar inclusão digital, ou, mais propriamente, para que possamos tratar a questão política implicada na democratização da tecnologia. Dessa perspectiva, o que garantiria exactamente a democratização das tecnologias de informação e comunicação na sociedade brasileira? A resposta parece óbvia, mas não é.

Primeiro, reafirmo, a questão da democracia não pode ser reduzida à questão da inclusão. Incluir significa tirar alguém de um lugar de falta para outro de plenitude e cidadania. Num ensaio dedicado a esta questão tivemos a oportunidade de propor uma crítica ao conceito de inclusão digital a partir da constatação do seu débito para com as noções de justiça distributiva (que vem orientando o tratamento da questão da desigualdade no mundo moderno, ao menos desde Adam Smith) e de informação (tal como o conceito é definido pela teoria da informação a partir da década de 40). Nesse outro texto afirmámos:

A redução dos conceitos de informação e de comunicação a uma dimensão francamente performativa, tal como encontramos nas ciências da informação desde seus primórdios [...] apresenta uma considerável “afinidade eletiva” com a idéia de inclusão digital. Nos dois casos, trata-se de garantir o fluxo seguro e veloz de signos sem que as questões do sentido das mensagens, de sua apropriação, da orientação da arquitetura que permite este fluxo, constituam uma preocupação primeira — ou cuja resposta seja democraticamente produzida. A eficiência no transporte de informação é nos dois casos um princípio que se impõe às demais preocupações. Acreditamos que a idéia de inclusão digital não possibilita uma compreensão crítica desse movimento técnico e de seu sentido político [Ferreira e Rocha, 2009].

Já ali falávamos da necessidade de apropriar as TICs como condição fundamental para a sua democratização. Neste contexto, democratizar significa muito claramente propiciar as condições para que uma tecnologia aberta no que respeita às suas finalidades — essa parece ser a marca das tecnologias digitais — possa levar a um exercício radical de reflexão acerca do mundo em que vivemos e do mundo que desejamos. Saber em que medida as políticas públicas que objectivam a popularização dessas matrizes tecnológicas permitem e estimulam esse tipo de reflexão, e práticas que lhes sejam compatíveis, assim, permitiria uma apreciação do limite e profundidade dessa apropriação. Por isso mesmo, uma questão inevitável para aqueles que se comprometem com tal projecto político há-de ser: o que são a tecnologias de informação e comunicação contemporâneas para que desejemos democratizá-las, para que possamos pensar na sua apropriação como um postulado ético e político da contemporaneidade? Sem que uma resposta a essa questão seja formulada, como podemos verdadeiramente falar de apropriação nos nossos programas de democratização das TICs? Embora entendamos que a pergunta acima formulada é fundamental, a sua resposta não é de modo algum fácil. Tentar uma resposta implica que o nosso compromisso com uma democracia radical requer um exercício crítico acerca dos nossos envolvimentos tecnológicos, dificilmente compatível com a necessidade de respostas rápidas, com a busca de performance a todo custo, com a inovação como princípio. Em alguma medida, o artigo citado acima esboça uma resposta a essas questões ao procurar entender as transformações produzidas pela teoria da informação no que tange à própria compreensão do que é a informação, a comunicação e a linguagem. O artigo que se segue dá continuidade a essas reflexões, procurando aprofundá-las a partir do pensamento heideggeriano, particularmente por intermédio dos seus textos da década de 60 do século xx acerca da linguagem cibernética e dos grandes perigos que ela representava:

LEIA O ARTIGO COMPLETO. CLIQUE AQUI.

Ambições, promessas e limites: a teoria do Ator-Rede

Dar conta do que ocorre de novo no campo, especialmente quando este se complexifica e as disputa de posições se sobrepõem às disputas teóricas, não é tarefa das mais fáceis. Mas, devemos tentar, não é mesmo?

Bueno, a teoria do ator-rede, que é, como diria um tia minha, uma "coqueluche" em alguns campis d'além mar merece, ao menos, ser compreendida. Suas apostas, como sói ocorrer sempre com as teorias, são fenomenais. Seus resultados, nem tanto. Mas ainda há muito o que correr debaixo da ponte...

Daí que, hoje, aí em embaixo, transcrevo parte de artigo publicado na revista portuguesa ANÁLISE SOCIAL. O autor do artigo, José Manuel de Oliveira Mendes, do CES (Universidade de Coimbra), domina bem a teoria e nos convida para alguns questionamentos interessantes. Confira!

Pessoas sem voz, redes indizíveis e grupos descartáveis: os limites da teoria do actor-rede[**]
José Manuel de Oliveira Mendes

Introdução

Neste artigo procuro estabelecer um diálogo crítico com alguns dos pressupostos da teoria do actor-rede (TAR) e, de forma mais lata, com os estudos sociais de ciência e de tecnologia. Argumento que estas correntes analíticas, ao enfatizarem a componente sociomaterial, a simetria dos actantes e a lógica reticular do poder, subestimam a importância da ordenação dos factos pelas narrativas e o papel da imaginação emocional[1]. Seguir os actores ou incorporar as entidades materiais, princípios basilares da TAR, implica a inclusão num tipo qualquer de associação ou de rede. Colocar em ordem implica escolhas epistemológicas e uma epistemologia política (Latour, 2005, pp. 249-253), não atendendo aos que ficam fora das redes-actores. As estratégias analíticas e de narração da TAR, baseadas em positividades, omitem ou esquecem os não-ditos, os silêncios, as ausências, o trabalho urdido nos interstícios das redes para ser e fazer valer, um trabalho baseado no cuidado e na gestão das emoções, para além das redes e da lógicas de poder.

Partindo do exemplo de dois acontecimentos extremos, o furacão Katrina, em 2005, e a onda de calor em França em 2003, procurarei mostrar como os indivíduos e grupos descartáveis são colocados no exterior das redes e dos agenciamentos sociotécnicos e, dado que esses indivíduos e grupos são vistos como não-produtores de valor, não são construídos socialmente como portadores de direitos, tornando-se invisíveis e difíceis de incluir nas análises convencionais da TAR. Mostrarei que os princípios de agnosticismo, simetria e livre associação propostos por Michel Callon (1986) parecem recomendações difíceis ou impossíveis de aplicar no caso da onda de calor de 2003 ou no caso do furacão Katrina.

Como bem mostrou Boaventura de Sousa Santos (2006, p. 97), a razão metonímica produziu e legitimou cinco formas de não-existência: o ignorante, o residual, o inferior, o local e o improdutivo. Poderá a sociologia, como conhecimento social humilde e produtor de conexões parciais e situadas, trazer de volta esses indivíduos e grupos descartáveis? A resposta de Boaventura de Sousa Santos é positiva quando afirma que “[a] sociologia das ausências visa identificar o âmbito dessa subtracção e dessa contracção de modo a que as experiências produzidas como ausentes sejam libertadas dessas relações de produção e, por essa via, se tornem presentes”.

Ao analisar os princípios e a metodologia da TAR apresentados por Michel Callon e Bruno Latour, apoio-me em Carlo Ginzburg (2003, p. 34), quando propõe que estudemos as implicações cognitivas das escolhas narrativas que simultaneamente abrem e proíbem explicações alternativas possíveis. Isto é, o hors-texte, o fora-do-texto está totalmente imerso no texto, acoplado nas suas dobras, e vale a pena procurar e confrontar o fora-do-texto e fazê-lo falar (Guinzburg, 2003, p. 32)[2].

(Acesse a revista e leia o artigo completo. Clique aqui).

[**] O artigo insere-se no âmbito do projecto de investigação “Risco, cidadania e o papel do Estado num mundo globalizado” (ref.ª PTDC/SDE/64369/2006), financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia e a decorrer no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Uma primeira versão deste artigo foi apresentada no colóquio Experimenter, éprouver, assembler, realizado no Centre Sociologie de l’Innovation (École des Mines), Paris, 27 e 28 de Setembro de 2007.




segunda-feira, 16 de maio de 2011

MInha coluna no TERRA MAGAZINE

Leia aqui a minha coluna de hoje no TERRA MAGAZINE.

Sobre Poulantzas

Ivonaldo Leite, amizade lapidada nos anos em que trabalhei na UERN, é um dos caras mais talentosos que eu conheço, além de ser um profissional sério e comprometido com a defesa, prática e não retórica, da Universidade Pública. Hoje, ao abrir o e-mail, dei-me de cara com um artigo do gajo a respeito de Poulantzas. Que marravilha, non?

Então, aí vai, para todo mundo ler, o referido artigo. Não deixe de conferir!

Um inquietante silêncio: Poulantzas e o ocaso da penumbra incontida

Poulantzas 1968 in Paris

Poulantzas, ao microfone, numa das manifestações universitárias de 1968 em Paris

Por Ivonaldo Leite


Conhecido como um intelectual marxista de marcante inteligência, com uma ponta de rigidez provocadora, elegante e ferina no seu staccato argumentativo, Nicos Poulantzas nasceu na Grécia, mas, exilado em França, foi em Paris que alcançou notoriedade com trabalhos de significativa originalidade, construídos com finura e imponência teórica. Para aqueles que, como eu, em algum momento, foram tocados pelo modo de ser intelectual do autor de L'Etat, le Pouvoir et le Socialisme, a sua influência transcendeu os limites estritos da esfera acadêmica. Poulantzas, contudo, era um ser frágil, perseguido por uma exigência absoluta de serenidade, utopia e generosidade. Tomado, de quando em quando, por um imenso sentimento de tristeza, dele serviu-se e descortinou uma via singular nos corredores e cafés da rive gauche. Em 03 de outubro de 1979, cometeu suicídio, lançando-se do vigésimo-segundo andar de uma torre no 13º arrondissement, na capital francesa. Últimas lágrimas choradas diante de uma situação sem esperança e nem recurso.

Teria sido ele acometido por aquela desesperada idéia de que “o futuro dura muito tempo”, idéia que, após a tragédia com a qual Althusser se envolveu no ano seguinte, serviu-lhe de título para as suas desesperançosas notas autobiográficas (L’avenir dure longtemps)? Não sabemos, não sabemos. Talvez nunca saibamos.

Do que nos é dados a saber é que Poulantzas enfrentou muitos e temerários desafios, em alguns momentos com ferocidade, em outros tantos cedendo à vertigem da aversão e do horror a si próprio. Na introspecção que o acompanhava, uma inquietação intelectual permanente. Da sua opção inicial pelo existencialismo, aportou no estruturalismo que brotou na rua d’Ulm, onde um intermitente Althusser animava jovens cabeças com a tese do corte epistemológico, alegadamente operado por Marx, e tecia considerações sobre o nebuloso mundo da ideologia. Por lá, muitos passaram, mesmo que depois tenham tomado outros caminhos. Dentre eles, podem ser contados Michel Pécheux, Bourdieu, Foucault, Alain Badiou, Roger Establet e Étiene Balibar. Seja como for, da rua d’Ulm partiu porventura uma das mais extensas correntes do chamado marxismo ocidental, para a qual Poulantzas contribuiu de modo significativo.

Contudo, diferente do que apregoam determinadas críticas que lhe foram dirigidas, rotulando-o como mero reprodutor do estruturalismo althusseriano, Poulantzas não ficou por aí. Naquilo que pode ser definido como uma terceira fase do seu pensamento, os seus escritos buscaram dialogar criticamente, por exemplo, com a obra de Foucault.

O pensador do “tempo fora dos eixos”, como tem sido dito. De uma prosa genial e intempestiva. Por quê?

Ora, ele teve a ousadia de assumir que a teoria possui desvios não acompanháveis pela prática. Ao dizer assim, fazendo uma desvinculação entre instâncias de correspondência da teoria do conhecimento, Poulantzas funda um novo modo, no marxismo, de abordagem dos fenômenos, levando-o a descer da sempre presente garupa da imposição empírica. Pôs então o tempo fora dos eixos, com laços de intempestiva genialidade. Da minha parte, a lição é clara: o tempo está fora dos eixos porque o discurso poderia ser recolocado em novas bases, mas, por alguma razão, a recuperação desta linha discursiva cansa os ouvidos, pois se sente que o tempo passou. Esta descoincidência entre a instância lógica e a instância empírica, no entanto, não terá que necessariamente invalidar a teoria.

O diálogo do pensador do “tempo fora dos eixos” com Foucault ocorre em duplo movimento, isto é, ora na intensa divergência, ora na convergência com formulações suas. Conforme tem sido bastante repisado, em seu diagrama do poder, Foucault - a partir de elaborações como micropoderes e saber/poder - assinala que o poder não está localizado num único lugar, mas existe de forma capilar no conjunto da sociedade, pelo que ele se coloca então para além da esfera do Estado. Poulantzas aponta a fragilidade da teoria do poder de Foucault, e atribui isso ao fato de ela subestimar o papel da lei na organização do poder e negligenciar o papel da violência no funcionamento do Estado contemporâneo. Porém, a démarche poulantzasiana assimila elaborações do autor de Microfísica do Poder, no sentido de estruturar uma definição da materialidade do Estado, donde resulta o conceito de Estado entendido como condensação material de forças, permeado de conflitos, contradições e de micropoderes.

Três décadas se passaram daquele dia 03 de outubro de 1979. Sobre despojos e ruínas, o turvo travo do tempo. Um imenso silêncio, desde então, se fez sobre a obra de Nicos Poulantzas. Silêncio inexplicável, quando se considera, por exemplo, a pertinência do diálogo crítico que ele mantém com as teses de Foucault sobre o poder, teses estas sempre tão recorrentes na retórica acadêmica. Mas, quando é inexplicável, o silêncio torna-se inquietante. Resistência da penumbra ao ocaso. A meia-luz que não se contém. O lume volta a se intensificar a busca de fazer claro sobre o que se passa.

Por assim ser, nos últimos tempos, na literatura estrangeira, Poulantzas voltou à cena. Da pena de Aranowitz e Bratsis, por exemplo, saiu o Paradigm Lost: State Theory Reconsidered, enquanto da escrita de James Martin surgiu The Poulantzas Leader: Marxism, Law and the State. Durante anos, o pensador do “tempo fora dos eixos” foi ora infundadamente atacado, ora sistematicamente desconsiderado. Tranquilidade, agora, ao descanso do Nicos. Shanti, shanti, shanti. A sua memória reaviva-se como fonte de iluminação perante o sofrimento abrigado na grande insônia do mundo.

domingo, 15 de maio de 2011

Leonardo Padura e Bóris

Alguém que se identifica como Bóris postou um comentário sobre nota que publiquei a respeito de Leonardo Padura. Pede o meu e-mail. Ai vai: edmilsonlj23@yahoo.com

E as eleições no CCHLA?

Bueno, pelo que me dizem, não sei se em tom de chacota, quem eu apoiar vai perder votos. Isso devido às minhas posições. Será?

Bueno, vou, devagar, marcando aqui a minha posição.

Espero que vença quem agregue, não quem desarticula. Quem tenha cabeça fria para conviver com os contrários e tenha, na prática e não no discurso, compromissos com a pluralidade.

Mas, questiona-me um pentelho, e se a candidatura que você defende perder? Ué, faz parte do jogo, não? Prá mim, não tem desespero, não.

Também não ando amedrontado com a vitória de A ou B. Diretor de centro, se começar a, como direi?, "botar boneco", irá sofrer uma espécie de impeachment. Ninguém o(a) levará a sério. Que poder sobrevive a isso? Isso quando é poder...

FIQUEI FORA DO AR

Olá!

Fora do ar por quanto tempo? Nem sei mais. A frase não é original, mas é a única que me ocorre agora: "isso nunca me aconteceu antes". Pois é, pessoal, a coisa anda díficil prá cacete nos últimos dias. Muita coisa prá dar conta. Para completar, a CLARO está me dando cano. A banda larga, que é bem estreita aqui em Parnamirim, deixou de funcionar. Vou buscar uma alternativa e logo, logo, volto ao ritmo de centro.

A partir de amanhã, assim espero, voltarei ao rame-rame. Tá díficil, mas vai sair. E amanã, no TERRA MAGAZINE, tem coluna nova.

Big abraço,

Edmilson Lopes

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Insight Inteligência

A revista eletrônica Insight Inteligência é uma das melhores publicações sobre política e cultura disponíveis na grande rede. O último número, então, está, como se dizia outrora, do balacubaco. Duvidas? Então, confira aqui.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Qual o significado da morte de Bin Laden?

Muito se especulará sobre isso nos próximos dias. Em meio aos acontecimentos, geralmente, é díficil articular uma elaboração mais objetiva e racional. No momento, vale a pena refletirmos sobre o que tem significado a emergência da AL QAEDA como uma espécie de ator político global, a partir do 11 de setembro de 2001.

Por isso, vale a pena levar em conta o artigo escrito por JOSÉ MARÍA IRUJO para a edição de hoje do sempre muito bom EL PAÍS. Confira abaixo!

ANÁLISIS
Un sueño de terror cumplido
Bin Laden ha cumplido su objetivo de internacionalizar la yihad en todo el mundo
JOSÉ MARÍA IRUJO


Diez años ha tardado el Ejército de los Estados Unidos y una larga cohorte de agencias de inteligencia comandada por la CIA en localizar y asesinar a Osama Bin Laden, de 54 años, hasta hace unas horas el hombre más buscado del planeta. Ni la recompensa de 50 millones de dólares que se ofrecía en la página web del Federal Bureau of Investigation (FBI) sirvió para que el país más poderoso descubriera en un tiempo razonable al hombre que desde el ataque de Pearl Harbour, en diciembre de 1941, le había asestado el golpe más duro al derribar las Torres Gemelas y asesinar a casi 3.000 personas.

El terrorista saudí ha sido localizado en Abottabad, localidad al norte de Pakistán, a unos 80 kilómetros de Islamabad, en un lujoso barrio donde nadie hubiera imaginado que se ocultaba este hombre alto y desgarbado que durante veinte años y, según el testimonio de numerosos yihadistas detenidos, se alimentaba de verduras, yogur, sopa y pan afgano, sin probar jamás la carne. Su delicado estado de salud podría explicar porqué un hombre que durante sus largos en años Yemen y Afganistán dormía en el suelo, sin luz eléctrica ni muebles, se encontraba la pasada noche en una casa confortable en los alrededores de Islamabad. Cuando residía en Arabía Saudí y trabajaba para el imponente imperio familiar de la construcción que creó su padre sacaba los fines de semana a sus hijos de la lujosa vivienda familiar y le obligaba a dormir a la intemperie en la arena del desierto. Quería que se curtieran y alejaran de las comodidades.

El testimonio de su médico personal, el yemení y ex preso en Guantánamo Ayman Sabed Batarfi, de 41 años, asegura que Osama caminaba 30 kilómetros diarios en los montañas de Tora Bora cuando las tropas norteamericanas le rodearon en su refugio afgano semanas después de los atentados del 11-S en 2001 y que su salud se resintió por esas caminatas y por sus problemas de riñón debido a la su exposición a las armas químicas empleadas por los rusos en Afganistán. "Bin Laden sufría de baja presión sanguínea y tenía que tomar sal en todas sus comidas", señala la ficha personal secreta de este ex preso y médico del terrorista.

La captura del emir de Al Qaeda ha sido durante una década una auténtica obsesión no solo para EE UU y para sus agentes de la CIA, como Randall Benett, una de las antenas más cualificadas de la agencia durante años en Islamabad, sino también para países como Arabia Saudí que se sentían amenazados por el terrorista que en sus arengas hablaba una y otra vez de acabar con los "gobiernos árabes corruptos", los mismos que han ido cayendo en los últimos meses por las rebelión de sus jóvenes. Arabia Saudí, que se sentía objetivo prioritario de Bin Laden, propuso unir las fuerzas de seis países distintos para asesinarlo. La propuesta partió del príncipe saudí Turki al Faisal, de 65 años, ex director de los servicios secretos y uno de los hombres que mejor conocía al jefe de Al Qaeda y la realidad afgana, según revelan documentos del Departamento de Estado de EE UU que publicó EL PAÍS. Turki al Faisal, educado en universidades norteamericanas y ex embajador en Reino Unido y EE UU, planteó durante un encuentro con el embajador norteamericano James B. Smith, en febrero de 2010, que Arabia Saudí, EE UU, China, Rusia, Afganistán y Pakistán "podían unir fuerzas y compartir activos para capturar o matar" a Bin Laden y a su escudero, el egipcio Ayman Al Zawahiri. Seis países unidos para capturar a un solo hombre que caminaba apoyado en un bastón y colgaba de su hombro un rifle kalasnikov.

Bin Laden ha muerto, no ha cumplido su objetivo de crear un nuevo califato, aunque sabía que necesitaba décadas para lograrlo, pero sí ha cumplido su sueño de internacionalizar la yihad y extenderla desde los territorios tradicionales de conflicto musulmán como Bosnia, Chechenia, Afganistán, Pakistán, Indonesia, India etc a numerosos confines de la tierra. Ha logrado crear una ideología a la que se han sumado miles de adeptos en todo el planeta que simpatizan con sus propósitos terroristas y ha creado de forma natural y mediante la propaganda del terror un ejercito singular y desestructurado de numerosos grupos asociados a su organización que cuentan con células locales como la que protagonizó el 11-M en Madrid, el 7 J en Londres, los atentados de Bombay, el reciente ataque en Marraquech, o múltiples intentos de acciones terroristas frustradas por las policías y servicios secretos de todo el mundo.

Cuando en 1988 el saudí creó Al Qaeda Al Askariya (la base militar) la integraban solo 15 "hermanos" y, según las anotaciones del secretario, sus militantes debían ser atentos, obedientes, con buenos modales y recomendados por un fuente de confianza. Los muyahidines solteros cobraban 1.000 dólares mensuales y los casados 1.500. En junio de 2001, meses antes del 11-S, Al Qaeda absorbió Al Yihad, la organización egipcia de Al Zawahiri, y se creó Al Qaeda al Yihad, el grupo terrorista que se convirtió en una pesadilla para la mayoría de países occidentales. Entonces, el hombre que aseguraba que la música es "la flauta del diablo" no imaginó que su raquítica organización llegará a alcanzar objetivos tan osados y que llegara a ser tan temida.

Ahora, Al Qaeda atraviesa sus momentos más bajos, no solo por la muerte de Bin Laden sino por la de otros importantes cabecillas que han ido cayendo durante estos diez años de terror y guerra global. Al Zawahiri, el pediatra egipcio, que con solo 15 años creó su primera célula para derrocar al gobierno de su país, se convierte en la nueva pieza de caza mayor a la que dar caza. Se cree que se esconde en la zona tribal de Waziristán Norte, frontera con Afganistán, el nuevo feudo de las huestes de Al Qaeda al que solo llegan los aviones Predator, no tripulados de EE UU. Nadie sabe cuanto tardará en caer este médico al que sus amigos nombraron emir durante una reunión en la orilla del Nilo en la que todos los presentes juraron restaurar el califato.