sexta-feira, 20 de maio de 2011

A disputa eleitoral no CCHLA

Uma eleição, qualquer eleição, é sempre um momento de aprendizado. Especialmente em uma sociedade na qual a existência de instituições democráticas não traduz uma democratização da vida social. O nosso cotidiano é marcado, não raramente, pela negação do reconhecimento ao OUTRO. Nada de novo nisso, não é? Sérgio Buarque de Holanda, em inspirada obra (“Raízes do Brasil”), na década de 1930, já nos alertava a respeito da cordialidade com os achegados e a hostilidade para com os "distantes" como uma espécie de marca das nossas relações públicas. Um traço do espiritual brasileiro. Expressões do brasileiro, esse "homem cordial".

A ausência de reconhecimento e o estreitamento do espaço público são desdobramentos do “homem cordial”. Claro! Sei que muita água já passou debaixo da ponte desde que o “pai do Chico” lançou ao mundo o seu petardo weberiano. Jessé Sousa, em obras sofisticadas, acerta as contas com as limitações epistemológicas e políticas da interpretação de Buarque. Mas essas críticas só reforçam a importância e a centralidade dessa obra na constituição de um olhar crítico sobre nós mesmos.

Qual o sentido do escrito acima? Acercar-me, cuidadosamente, claro!, do processo eleitoral que ocorre no CCHLA. Pois não é que, analisando cuidadosamente, o “homem cordial”, esse tipo-ideal de Buarque, emerge com força inesperada no processo eleitoral do centro? A lógica é a de sempre: contra os “adversários”, tudo. Nenhum limite! Do açulamento de ressentimentos contra a hierarquia acadêmica a uma graciosa confusão entre currículo lattes (uma tradução enviesada do famigerado “Você sabe com quem está falando?”) e capacidade de gestão de um centro acadêmico são ostensivamente mobilizados.

Gesta-se na atual disputa pela direção do CCHLA um tipo de discurso muito usado contra o Lula nas eleições que disputou: o "discurso da competência". Competência administrativa? Não! Trata-se de algo mais insidioso, díficil de ser facilmente identificado. Uma coisa meio sem clareza, sabe como é?

Bueno, como todos estão em pé de igualdade no que diz respeito aos títulos acadêmicos, o HOMO LATTES renasce na boca de quem, há poucos dias, o submetia a impiedoso ataque. Com qual objetivo? Desqualificar e negar RECONHECIMENTO aos adversários. Lembrei-me de memorável artigo de Marilena Chauí a respeito do caldo conservador subjacente a esse discurso da competência. Alhures, os doutores usam-no para desqualificar os trabalhadores. Quem já não ouviu diatribes contra o MST, alicerçadas no argumento de que os seus militantes, ao contrário dos homens do agro-negócio, não teriam a “competência” devida (ou seja, o LATTES necessário) para a condução da atividade agrícola moderna?

Mas deixemos de lado as coisinhas miúdas. Negatividade, prá lá!

Em que pese o clima da disputa, que tende ao acirramento quanto mais nos aproximarmos do dia da eleição, muito estamos a aprender com o processo. Inclusive o equívoco crasso que foi discutir peso de voto quando as chapas já estavam quase definidas.

Em meio ao clima tenso, é sempre bom manter um pouco de cabeça fria. Pessoalmente, com franqueza, não acho que venha a ser um desastre a vitória de qualquer uma das chapas. Todas as chapas são formadas por professores compromissados e com forte atuação acadêmica no CCHLA. Mas, dado que temos opções, deveremos fazer escolhas, não é? Como escolher? Temos muitas de fazê-lo. Há colegas que fizeram a sua opção levando em conta o cálculo de qual a chapa lhes possibilitaria fazer avançar as suas posições políticas. Nada mais legítimo! Outros, não poucos, alicerçam as escolhas levando em conta a consistência dos discursos proferidos. Há ainda aqueles que confrontam os discursos dos candidatos com as suas práticas.

Pessoalmente, confesso, situo-me entre os últimos. O domínio da retórica não torna ninguém melhor para a condução da coisa pública. Sói ocorrer com freqüência exatamente o contrário. Tanto é assim que em alguns modelos democráticos antigos, para evitar o domínio da Ágora pelos mais traquejados na retórica, faziam-se sorteios para os cargos de mando. Nós, não. Nós escolhemos. E viveremos com as conseqüências de nossas escolhas. Por isso, teremos que levar em conta como os discursos, na atual eleição sempre tão plenos de apelos pluralidade e ao respeito, encaixam-se nas posturas pessoais dos candidatos. É aí, nesse pantanoso terreno, que a disputa deixa de ser um jogo performático e ganha vida, carne, projeto...

É por aí...

Voltarei ao assunto. Tão logo tenha tempo, disposição e tesão.

Um comentário:

Anônimo disse...

Caro Prof Edmilson,

há uma clara contradição em sua argumentação. O Sr criticou a paridade por entender que o professor apresenta maior nível de imersão e aproximação com relação aos desafios da universidade.
O Sr, inclusive, mencionou que um projeto acadêmico, na condição específica que uma organização como a universidade apresenta, difere de um projeto burocrático, conforme texto seu anteriormente publicado no seu blog.
Agora, gerando um certo antagonismo com o que defendeste no passado, você fala no poder de escolha dos "trabalhadores" da academia.
Num primeiro momento é o (correto) cuidado com a separação entre as escolhas numa democracia em uma perspectiva mais ampla com as disputas de uma org. como é a universidade. Na outra afirma que todos podem administrar o Centro. Então, a eleição, nessa sua nova perspectiva, deveria aceitar chapa, inclusive, de alunos e funcionários.
Penso que o texto apresenta críticas positivas. No entanto, cai na mesma confusão de defender a suposta "democracia" que foi levantada por aqueles que se apresentaram como "democráticos" quando argumentaram em favor da paridade.
A mobilização política do conceito de "homem cordial" produzida pelo Sr poderia, perfeitamente, ser utilizada para criticar seus textos anteriores.
O raciocínio não se encaixa.

abs

Daniel