terça-feira, 17 de maio de 2011

Heidegger e a democracia digital

O gajo precisa ter competência para, como diria minha prima, fazer uma ponte levando Heidegger a pisar no terreno inseguro da democracia digital. Jônatas Ferreira, professor de sociologia da UFPE, é capaz dessa diabrarura e de outras tantas. Por isso, largue as leiturinhas menores e enfrente o texto do cara, pô! Vai lá! Dê uma sapeada aí embaixo!

Eu continua com a minha campanha
ricuperiana : "o que é bom a gente mostra...".

A ideia de democracia digital na obra de Heidegger

Jonatas Ferreira*

* Universidade Federal de Pernambuco, Rua Ourém, 175, apto 403 — bloco Jacobina; San Martin — Recife — PE Brasil; CEP 50.761-340. e-mail: ferreirajonatas@uol.com.br

Introdução

Em Março de 2009, o Comité Gestor da Internet no Brasil publicou os primeiros resultados da Pesquisa sobre o Uso de Tecnologias de Informação e Comunicação no Brasil realizada no ano de 2008. Esses primeiros resultados indicam que continuamos a avançar na difusão de tecnologias de informação e comunicação (TICs), embora os problemas apresentados nas avaliações anuais anteriores ainda não tenham sido suficientemente equacionados: (i) “o custo elevado continua a ser a principal barreira para a posse do computador e da conexão à internet nos domicílios”; (ii) “a falta de disponibilidade de internet passa também a figurar como um dos principais desafios para a inclusão digital em todo o país”; (iii) a “posse do computador nos domicílios cresceu mais rapidamente do que a posse da conexão à internet; a diferença entre domicílios com computador e domicílios com conexão à internet era de 4 p. p. em 2005 e passou para 8 p. p. em 2008”; (iv) o acesso à telefonia móvel apresenta uma penetração consideravelmente superior à da telefonia fixa em todo o país; (v) a “falta de habilidade foi, mais uma vez, apontada como a principal barreira para o uso da internet”; vi) as lan houses[1] ainda são a única possibilidade de acesso à internet para uma parte considerável da população (pobre) brasileira, o que significa pagar mais pelo acesso à internet quem menos pode pagar[2]. Além de tudo isto, a velocidade de transmissão continua lenta, o que restringe fortemente o acesso a conteúdos que exijam uma maior largura de banda.

Este quadro ajuda-nos, sem dúvida, a traçar os contornos mais gerais daquilo a que se convencionou chamar exclusão digital e dos resultados das políticas de inclusão tentadas até o momento no Brasil. Evidentemente, este panorama requer uma análise ampla das políticas governamentais neste campo, do modo como os estados vêm assumindo os compromissos da Federação no que toca ao ingresso de largas parcelas da população na sociedade da informação, do modo como entidades da sociedade civil e organizações não governamentais se têm dedicado a atenuar as desigualdades no acesso às TICs. No que se refere à necessidade de analisar os obstáculos que se colocam à inclusão digital, em particular nas regiões de maior pobreza e entre as parcelas mais pobres da população, acredito que pensar a desigualdade a partir da perspectiva da inclusão/exclusão digital é insuficiente (Warschauer, 2003). A desigualdade nesse, como noutros casos, não deve ser tratada apenas do ponto de vista da restrição ao acesso, mas da possibilidade de apropriação criativa que essas tecnologias demandam (Maciel e Albagli, 2007). Apropriação é uma chave importante para que possamos reflectir criticamente acerca do significado daquilo que se convencionou chamar inclusão digital, ou, mais propriamente, para que possamos tratar a questão política implicada na democratização da tecnologia. Dessa perspectiva, o que garantiria exactamente a democratização das tecnologias de informação e comunicação na sociedade brasileira? A resposta parece óbvia, mas não é.

Primeiro, reafirmo, a questão da democracia não pode ser reduzida à questão da inclusão. Incluir significa tirar alguém de um lugar de falta para outro de plenitude e cidadania. Num ensaio dedicado a esta questão tivemos a oportunidade de propor uma crítica ao conceito de inclusão digital a partir da constatação do seu débito para com as noções de justiça distributiva (que vem orientando o tratamento da questão da desigualdade no mundo moderno, ao menos desde Adam Smith) e de informação (tal como o conceito é definido pela teoria da informação a partir da década de 40). Nesse outro texto afirmámos:

A redução dos conceitos de informação e de comunicação a uma dimensão francamente performativa, tal como encontramos nas ciências da informação desde seus primórdios [...] apresenta uma considerável “afinidade eletiva” com a idéia de inclusão digital. Nos dois casos, trata-se de garantir o fluxo seguro e veloz de signos sem que as questões do sentido das mensagens, de sua apropriação, da orientação da arquitetura que permite este fluxo, constituam uma preocupação primeira — ou cuja resposta seja democraticamente produzida. A eficiência no transporte de informação é nos dois casos um princípio que se impõe às demais preocupações. Acreditamos que a idéia de inclusão digital não possibilita uma compreensão crítica desse movimento técnico e de seu sentido político [Ferreira e Rocha, 2009].

Já ali falávamos da necessidade de apropriar as TICs como condição fundamental para a sua democratização. Neste contexto, democratizar significa muito claramente propiciar as condições para que uma tecnologia aberta no que respeita às suas finalidades — essa parece ser a marca das tecnologias digitais — possa levar a um exercício radical de reflexão acerca do mundo em que vivemos e do mundo que desejamos. Saber em que medida as políticas públicas que objectivam a popularização dessas matrizes tecnológicas permitem e estimulam esse tipo de reflexão, e práticas que lhes sejam compatíveis, assim, permitiria uma apreciação do limite e profundidade dessa apropriação. Por isso mesmo, uma questão inevitável para aqueles que se comprometem com tal projecto político há-de ser: o que são a tecnologias de informação e comunicação contemporâneas para que desejemos democratizá-las, para que possamos pensar na sua apropriação como um postulado ético e político da contemporaneidade? Sem que uma resposta a essa questão seja formulada, como podemos verdadeiramente falar de apropriação nos nossos programas de democratização das TICs? Embora entendamos que a pergunta acima formulada é fundamental, a sua resposta não é de modo algum fácil. Tentar uma resposta implica que o nosso compromisso com uma democracia radical requer um exercício crítico acerca dos nossos envolvimentos tecnológicos, dificilmente compatível com a necessidade de respostas rápidas, com a busca de performance a todo custo, com a inovação como princípio. Em alguma medida, o artigo citado acima esboça uma resposta a essas questões ao procurar entender as transformações produzidas pela teoria da informação no que tange à própria compreensão do que é a informação, a comunicação e a linguagem. O artigo que se segue dá continuidade a essas reflexões, procurando aprofundá-las a partir do pensamento heideggeriano, particularmente por intermédio dos seus textos da década de 60 do século xx acerca da linguagem cibernética e dos grandes perigos que ela representava:

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