terça-feira, 24 de maio de 2011

Crescimento econômico e crise urbana

O crescimento econômico dos últimos anos não arrefeceu a crise urbana no Brasil. Como explicar essa equação? Em excelente artigo, publicada na última edição do NOVOS ESTUDOS CEBRAP, Raquel RolniK e Jeroen Klink analisam esse aparente paradoxo. Confira!

Crescimento econômico e desenvolvimento urbano: por que nossas cidades continuam tão precárias?
Raquel Rolnik e Jeroen Klink



O Brasil tem vivido nos últimos anos um ciclo de crescimento econômico sólido. No período entre 1999 e 2009, o PIB cresceu a uma taxa anual de 3,27%, enquanto a população ocupada aumentou a uma taxa anual de 2,29%1. Além de significativo, este período foi marcado por uma mudança na condução da política econômica, que teve como uma das estratégias a expansão do mercado interno, incorporando parcelas maiores da população brasileira ao mercado, o que significou, particularmente a partir de 2005, que as variáveis mais relevantes para o crescimento passaram a ser o consumo interno e a formação bruta de capital fixo2. No âmbito das políticas socioeconômicas foram também implementados programas dirigidos à população mais miserável, com o objetivo de retirá-los do nível de subsistência precário em que se encontravam, mediante programas de transferência de renda (Bolsa Família) e um conjunto de políticas sociais destinadas a aumentar as oportunidades de empreendedorismo e desenvolvimento econômico3. Cabe também destacar a retomada do papel dos bancos e fundos públicos na provisão de crédito e na alavancagem dos investimentos públicos e privados, entre outros, por meio de programas como o PAC, Minha Casa, Minha Vida e o fomento a outros setores econômicos específicos (por exemplo, automóveis, construção naval etc.)4.

Do ponto de vista institucional, na década anterior, a partir de um intenso debate no seio da sociedade civil, nos partidos e entre governos acerca do papel dos cidadãos e suas organizações na gestão das cidades, foram anos de avanços no campo do direito à moradia e direito à cidade, com a incorporação à Constituição do país, em 1988, de um capítulo de política urbana estruturado em torno da noção de função social da cidade e da propriedade, do reconhecimento dos direitos de posse de milhões de moradores das favelas e periferias das cidades do país e da incorporação direta dos cidadãos aos processos decisórios sobre esta política5. Foi também no mesmo período que o processo de descentralização federativa, fortalecimento e autonomia dos poderes locais, propostos desde a Constituição de 1988, foram progressivamente implantados, processo limitado tanto pelos constrangimentos do ajuste macroeconômico como pela alta dose de continuidade política que o processo de redemocratização brasileira envolveu6.

Sinais e reflexos do crescimento econômico são visíveis em localidades, cidades e metrópoles brasileiras em várias regiões. A expansão e maior disponibilidade de subsídios públicos ao crédito para a produção habitacional, associada ao crescimento da economia, têm provocado um dos maiores ciclos de crescimento do setor imobiliário nas cidades já vividos no país7. As dinâmicas econômicas recentes têm desafiado as cidades a absorver esse crescimento, melhorando suas condições de urbanização de modo a sustentá-lo do ponto de vista territorial. Os desafios não são poucos, já que não se trata apenas de expandir a infraestrutura das cidades para absorver um crescimento futuro, uma vez que a base - financeira, política e de gestão - sobre a qual se constituiu o processo de urbanização consolidou um modelo marcado por disparidades socioespaciais, ineficiência e grande degradação ambiental8. Porém, apesar dos sucessos da política econômica entre eles, um aumento espetacular do gasto público no setor de desenvolvimento urbano - e as promessas da descentralização e do Estatuto das Cidades, as marcas desse modelo continuam presentes em várias dimensões do processo de urbanização.

Este ensaio busca discutir alguns dos limites e obstáculos que têm incidido sobre a capacidade da rede urbana brasileira responder ao desafio de ampliar o direito à moradia e à cidade para o conjunto de moradores e propiciar um suporte adequado e sustentável para a expansão da produção e do consumo nas cidades. Tendo como base os resultados preliminares do relatório das cidades no Brasil (1990-2008)9, o artigo procura apontar relações entre a dinâmica econômica recente e as condições de urbanização das cidades, levando em consideração o modelo atual de financiamento e gestão do desenvolvimento urbano no país.

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