segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Leitura de carnaval



De molho, em casa, e longe do carnaval, tentando enfrentar uma faringite demolidora e uma sinusite atroz, aproveito para ler por prazer. Sim, por prazer. Quem é professor sabe bem do que eu estou falando. A gente leva um bom tempo lendo sem prazer: trabalhos de segunda categoria, plágios descarados, dissertações feitas com preguiça e documentos burocráticos carregados de nulidades... Mas, de vez em quando, a vida nos “brinda” situações como essa. Então, ficamos livres para ler, com liberdade e sem culpa, obras que não estão integradas – infelizmente! – às nossas “obrigações”.

Tudo isso para dizer que, em menos de dois dias, devorei um excepcional livro do escritor português Mário de Carvalho. A edição brasileira mantém, até no título, a forma de escrita original (no português de Portugal, como dizem os meus alunos). Ler alguém que escreve – talvez fosse mais correto escrever “brinca e manipula” – o português é um prazer redobrado. O título é singular: “Era bom que trocássemos umas idéias sobre o assunto”. O “idéias” é sem assento, forma como se escreve em Portugal, mas o meu computador ainda não incorporou o novo acordo ortográfico.

Mas de que trata o livro? Da trajetória de um cinqüentão, burocrata fracassado de uma obscura fundação, que, após aquele inevitável balanço existencial que fazem todos os que chegam ao meio século de existência, dá-se conta do seu acúmulo de fracassos e da sua nulidade. Derrotado no trabalho, onde vai ser rebaixado a simples bibliotecário, e na frente doméstica, onde tem de encarar o fato de o seu único filho estar preso por envolvimento com o tráfico de drogas, Joel Strosse, o impagável anti-herói, toma uma decisão: vai entrar para o PCP, o partido comunista português. Para tanto, busca a ajuda de um militante, meio desiludido, que fora seu colega de faculdade antes da Revolução dos Cravos (1975). A forma como Mário de Carvalho narra o encontro dos dois cinqüentões é magistral.

À primeira vista, o livro pareceria uma narrativa sobre o universo social e político português das últimas décadas. Isso é verdade apenas parcialmente. Trata-se, de fato, de uma estória universal sobre as expectativas, sonhos e desilusões de homens e mulheres que sonharam em mudar o mundo no último quarto de século.

Ironia, humor corrosivo e uma escrita que brilha com luz própria. Isso e muito mais, com certeza, você vai encontrar em “Era bom que trocássemos umas idéias sobre o assunto”. Ah, no Brasil, o livro foi publicado pela Companhia das Letras.

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