segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Mais um capítulo da luta de classes nas escolas de Natal

Sexta-feira passada, na abertura oficial dos Jogos Estudantis do RN (JERNs), novos confrontos envolvendo estudantes de escolas públicas de Natal. Havia postado, dias antes, um comentário sobre esse tipo de evento (confira aqui). Prometo voltar logo que tiver mais. Por enquanto, convido-te a ler o texto abaixo, escrito por Alysson Thiago, bolsista do PET de Ciências Sociais da UFRN.

Vândalos?
Alysson Thiago

Mais uma vez, hoje, em virtude das já esperadas confusões na abertura dos JERN’s, a imprensa local aproveitou para destilar o pânico da desordem, provocada por grupos de adolescentes “descontrolados” à procura de baderna.

Em sua breve
análise, você apontou coisas interessantes que, na maior parte das vezes, escapam aos analistas e apresentadores da imprensa norte-rio-grandense. Pelo fato destes - talvez pelo ímpeto de emitir juízos e a obrigatoriedade de elaborar opiniões rápidas e de fácil e imediata absorção – tenderem a olhar para a realidade como algo imediatamente apreensível, óbvio, que basta bater os olhos em alguma reportagem, ouvir alguns relatos oculares e, pronto; o mundo, seus eventos e questões estão devidamente compreendidos pelo “conhecimento imediato”.

Deixando de lado a epistemologia de botequim. O que me parece curioso nessa tida “onda de baderna” é confrontar a compreensão imediata e apressada da imprensa com uma compreensão mais paciente e minimamente orientada do ponto de vista teórico.

Em nome da defesa da integridade da boa sociedade, dos bons valores amistosos do esporte e da escola e da crença na racionalidade destes últimos, a primeira coisa que alguns analistas fazem, é enquadrar as torcidas organizadas ou as gangues colegiais como irracionais, semi-bárbaras, isto é, como o “outro” da racionalidade do Estado, dos cidadãos comportados e etc.

Porém,nada me parece mais falso do que avaliar as T.O., ou essas “gangues escolares” como irracionais. Ora, as relações de agressividade e de inimizades que esses grupos estabelecem são orientadas, reflexivamente, por códigos, signos e “repertórios culturais”, como você bem assinalou, mas que, a meu ver, não só mediam suas reinvidicações por “um lugar no mundo”. Esses esquemas definem também os que são amigos e os inimigos - qualquer semelhança com a noção do político de Carl Schmmitt não é um abuso. Isto significa que, em vez da violência ser o resultado dos impulsos de uma horda juvenil descontrolada que ameaça a integridade do laço social e do poder das autoridades paternas. Na verdade, ela é orientada, dirigida e racionalizada pelas relações que os envolvidos estabelecem entre si, com suas insatisfações e expectativas, com o território, com as roupas e seus corpos, com os eventos de visibilidade local e etc.

Obviamente, que a recorrência dessas brigas entre adolescentes, em nossa cidade, está relacionada a um contexto de insegurança social e precariedade. Mais isso não explica tudo. A exigência de visibilidade, de sucesso e de se destacar, cada vez mais explícita e ofensiva, que nossa sociedade intima, sedutoramente, a todos, tem suas conseqüências não intencionais. Ora, como as brigas nos estádios diminuíram, em virtude do maior policiamento e do trabalho das próprias Organizadas, o foco do conflito se deslocou e se recompôs em sua visibilidade. Os adolescentes encontraram um novo espaço e cenário para suas performances.

As T. O. entram como uma forma de justificação, classificação e orientação para a ação. Pois, para o “Floca” ser inimigo do Ateneu é preciso uma razão que justifique para os agentes os motivos da inimizade e do porquê “eles devem apanhar”. As T.O. fornecem os esquemas de construção desses sentidos para a violência através da definição da política de amizade e de inimigos. A relação com as torcidas organizadas é, a um só tempo, um simulacro e uma relação com o "pré-reflexivo" que organiza os consensos, as condutas e etc.

Acabei me alongando por demais, porém, ainda cabe uma provocação; e se os jovens envolvidos fossem alunos do Marista, do Salesiano ou do CEI, será que os nossos jornalistas, estes advogados da gorda civilidade, os chamariam de bandidos e bárbaros? Será que a idéia de jovens pobres juntos não assusta mais, como que invocasse aquele pavor primitivo dos bandos? Bem, o que parece é que alguns adjetivos são mais corretos quando aplicados sobre determinadas classes.

Um comentário:

Daniel Menezes disse...

Muito legal o texto...

Daniel Menezes