quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Serra e o aborto: um tiro que pode sair pela culatra

Tivesse emigrado para os EUA o Professor Roberto Hugo Bielschowky poderia ter optado por ajuntar uma imersão profunda na sociologia e na ciência política sem ter que necessariamente tirar o pé de sua primeira pátria disciplinar, a matemática. Mas, como vive ao sul da linha do Equador, onde as fronteiras disciplinares são tão respeitadas, esse tipo de prática termina sendo pouco estimulada.

O Beto, como os amigos o chamamos, tem uma capacidade de análise das coisas do mundo da política bem acima da média daqueles que se auto-intitulam "cientistas políticas". Modesto, refugia-se na condição de matemático para não transformar em elaborações mais sistematizadas os insights analíticos com que nos brinda através dos seus e-mails. Perdemos todos com isso...

Bom, mas como ele não pediu sigilo, divido com vocês uma avaliação que ele faz sobre a emergência do tema do aborto na disputa eleitoral em curso.


Serra e o aborto: um tiro que pode sair pela culatra
Professor Roberto Hugo Bielschowky

Caríssimos,

já que eu tenho o privilégio de ter como amigos cientistas sociais e políticos tão sagazes como vocês, deixem-me checar um pouco como vocês avaliam minha impressão que a questão do aborto pode ser um tiro a sair pela culatra de Serra, a depender de como seja encaminhado o tema pela campanha de Dilma. Tudo bem que a campanha de Dilma se cerque de todos os cuidados com as diversas igrejas no pedaço, pois é bem provável mesmo que a virada de Dornelles em cima de Jandira nas eleições para o senado do RJ na última semana de 2006 tenha vindo por ali mesmo, daí que todo cuidado é pouco. Contudo, minha impressão é que talvez os votos que escorregaram de Dilma para Marina não são em sua maioria votos conquistados nas paróquias e igrejas, mas sim, majoritariamente, do tipo que expressam algum desgaste do PT nos setores médios, em parte natural, mas em boa parte impulsionado por denúncias tipo as que vinham lá da casa civil via Erenice Guerra, bem como uma boa performance de Marina na reta final da campanha... Tanto o mapa destes votos, quanto a última pesquisa DataFolha parecem indicar isto. Isto significa, talvez, que boa parte destes votos hoje indecisos sejam votos sensíveis a se tratar o tema do aborto também como uma questão de saude pública e não apenas como uma questão de natureza religiosa. O que acham? Se assim for, acho que saimos ganhando com o tema, se Dilma conseguir se manter na linha do último debate na televisão e partir para a ofensiva na caracterização do atraso que é o foco excessivo no tema e sem nenhum compromisso com a questão da saúde pública, como está sendo a posição de Serra, e se identificar, inclusive como mulher, embora de forma vaga, com uma preferência pessoal por atender a prender a mulher que praticou o aborto e sofreu alguma sequela, bem como tentando ser o mais verdadeira que puder ao fazer os devidos salamaleques às diversas igrejas e dar-lhes todas as garantias possíveis que não vai enviar nada ao Congresso na direção de descriminalizar o aborto. Afinal, ao que parece, uma entre cinco mulheres neste país praticaram o aborto...

Por outro lado, me parece que este tema do aborto tampouco é consensual na igreja, enquanto capacidade de mobilização na defesa da visão fundamentalista contra o aborto e por cima de todas as demais questões, principalmente tendo em vista as garantias que Dilma está explicitando de não enviar nada ao Congresso nesta direção, o fato que em 8 anos o governo Lula tampouco o fez, a posição muito correta e esperta, por sinal, de Marina de não tratar a questão como questão de princípio e remetê-la a um plebiscito, bem como a posição, beirando o cinismo, de Serra na questão. Minha dificuldade aí é que me parece muito difícil avaliar até onde podem ir as forças por trás das igrejas e paróquias na sua mobilização contra o aborto num formato fundamentalista, potencializadas pelas forças anti-Dilma que tentam explorar o tema e até onde as forças em contrário podem se contrapor a elas. Se o jogo por ali pelo lado da mobilização das forças das igrejas na questão do aborto for minimamente neutralizado, tenho a impressão que Serra sai perdendo ao explorar o tema, por conta dos eleitores de Plínio e do perfil dos que escorregaram de Dilma para Marina.

Que acham?

a[]s RHB

Um comentário:

Anderson disse...

Acho bobagem.

A campanha será muito dura. A única coisa capaz de fazer mudar o voto em grandes proporções é o aborto. 71% dos eleitores atestam isso (datafalha diz isso).

Ou seja, no fim das contas, foi o achismo que nos trouxe aqui. Coisas como "voto consolidado" (voto consolidado é o digitado na urna), ou que a internet não faria diferença nenhuma, ou ainda que pastores não influenciariam o voto do Brasil do século XXI, nos trouxeram para cá.

Acho também que o achismo é o resultado do esquecimento da empiria.

Ressaltando que o que eu acho é achismo também. Acho que o que eu acho não vale mais que um estudo.