A guerra contra (e entre) os cartéis de narcotraficantes mexicanos merece toda a nossa atenção. Podemos e devemos tirar algumas lições. Para não repetirmos os mesmos erros e a mesma tragédia. Por isso, assim que possível, posto alguma coisa sobre o México neste espaço.
Hoje, prá variar, sairei do jornalismo e postarei um texto mais acadêmico. Publicado na revista NOVOS ESTUDOS CEBRAP. Confira abaixo!
Notas para entender a realidade mexicana
Víctor Manuel Durand Ponte
tradução: Luciana Pudenzi
A imagem que os meios de comunicação de massa apresentam do México, para o exterior e para o interior do país, é a de uma sociedade em crise e em franco processo de deterioração.
A crise social tem como indicador mais perceptível e divulgado a violência do crime organizado, seja internamente (luta entre diferentes cartéis ou organizações), seja nos confrontos com as instituições do Estado (forças armadas e polícia), seja, ainda, na violência contra a sociedade, que acomete especialmente jornalistas e vítimas inocentes dos conflitos armados. A violência cada vez mais intensa1, brutal e sangrenta gera a impressão de que o Estado é incapaz de conter e punir os culpados. Afirma-se, inclusive, que o Estado mexicano seria um Estado falido.
À imagem da violência acrescenta-se ainda outro elemento, também muito noticiado, menos conjuntural e mais permanente: a migração ilegal de mexicanos para os Estados Unidos. Calcula-se que cerca de 400 mil migrantes cruzam a fronteira anualmente, em busca da oportunidade de trabalho que não encontram no México ou para reunir-se com seus familiares já radicados nos Estados Unidos. Sem dúvida, isso é um indicador da falta de dinamismo do mercado de trabalho interno, que encontra sua solução parcial no trânsito migratório. Sem essa válvula de escape, a miséria, o desemprego e a informalidade no México seriam muito maiores, e os conflitos sociais a eles associados ainda mais intensos2.
Estes dois temas também constituem os pontos críticos das relações entre o México e os Estados Unidos. Felizmente, há um espírito de cooperação entre os governos, mas a questão não deixa de ser um fator de tensão política e diplomática, especialmente com os setores conservadores do país do norte.
A crise possui também uma expressão econômica, talvez menos divulgada, mas igualmente grave. A última demonstração disso foi a recessão enfrentada pela economia mexicana em 2009, a maior entre os países da América Latina (com queda de 6, 5% no PIB). No entanto, o problema é maior, como demonstra o fraco crescimento econômico dos últimos trinta anos (média anual de 2% de crescimento do PIB)3. Paradoxalmente, a crise contrasta com a estabilidade macroeconômica que o país manteve na última década.
Por fim, outra imagem da realidade mexicana que preocupa os observadores é o espectro de uma espécie de fracasso do regime democrático, fracasso que se expressa no "inevitável" retorno do Partido Revolucionário Institucional (PRI) à presidência4. Não há como deixar de pensar que isso significa a volta do velho autoritarismo, sobretudo porque, nos últimos anos, o PRI não se reformulou, persistindo com os mesmos dirigentes do período autoritário, com suas velhas ideias e hábitos.
Como explicar essa situação? Como entender que, embora outros países da região tenham desenvolvimento econômico e social muito significativos (como o Brasil e o Chile, mas também o Peru ou a Colômbia), o México esteja vivenciando, aparentemente, uma dinâmica muito diferente? Como explicar a fragilidade da democracia mexicana?
Neste breve ensaio, pretendo apenas assinalar alguns elementos que possam ajudar a compreensão, de maneira geral, do que está ocorrendo.
Para se compreender a realidade mexicana, é necessário levar em consideração dois grandes processos. Em primeiro lugar, a mudança na economia mexicana, que passou do modelo de desenvolvimento voltado para dentro (por meio da substituição de importações) a uma economia mundial aberta, com ênfase no mercado mundial. O segundo processo são as transformações do sistema político, a crise do velho sistema autoritário centrado no presidencialismo, no nacionalismo revolucionário, e a criação de uma democracia eleitoral, com importantes modificações nas instituições políticas. Estes processos, que constituíram dois círculos viciosos, dificultam a solução da violência gerada pelo crime organizado e pelas migrações ilegais, assim como por toda a dinâmica do país.
Parto da hipótese de que os processos se deram por decisões governamentais que geraram verdadeiros círculos viciosos e introduziram a sociedade mexicana em um movimento de franca decadência. Isso implica que havia alternativas, mediante outras decisões; não houve, nem há , nada predeterminado.
Na próxima seção, apresentarei uma descrição da violência associada ao crime organizado e recordarei os fatores básicos do fenômeno migratório. Em seguida, abordarei o processo que desembocou no círculo vicioso da economia mexicana. Prosseguirei tratando das mudanças no sistema político e seu desdobramento na frágil democracia eleitoral. Por fim, algumas conclusões.
A CRISE SOCIAL
A atividade mais divulgada do crime organizado é o narcotráfico, mas não é a única - a ele, unem-se o tráfico de armas5 e o tráfico de pessoas, tanto o relativo à migração para os Estados Unidos, como o tráfico ligado à prostituição nacional e internacional. A isso somam-se, ainda, o sequestro de pessoas para a exigência de resgates, o roubo de veículos e sua venda, inclusive em solo estrangeiro, o roubo em grande escala de combustíveis da empresa Pemex6 etc.
No caso do narcotráfico, seu início remonta aos anos da Segunda Guerra Mundial, quando se cultivou maconha no estado de Sinaloa (sede do cartel mais poderoso) para consumo do exército norte-americano em combate. A presença dos grupos que cultivavam e comercializavam as drogas não se interrompeu; pelo contrário, tornou-se cada vez mais complexa à medida que o consumo na sociedade norte-americana aumentou e que o cultivo em outros países da América do Sul requeria, para que a droga chegasse aos Estados Unidos, a intermediação de organizações mexicanas. Assim, os cartéis da droga fortaleceram-se e internacionalizaram-se, enquanto os volumes de drogas e de dinheiro cresceram exponencialmente.
Durante muitos anos, as organizações criminosas mantiveram-se na obscuridade - embora se soubesse de sua existência e de suas relações com os governos locais e até com o governo nacional. Seu aparecimento no espaço público na última década deveu-se a muitos fatores, mas cabe assinalar os seguintes como os mais relevantes: (1) as organi-zações criminosas7 tinham territórios bem definidos e havia um acordo de não interferir nas áreas controladas por outro cartel. Esse acordo foi rompido quando certas rotas de tráfego foram fechadas por intervenção do Estado, obrigando as organizações a entrar em territórios já ocupados. Em alguns casos houve alianças, em outros, guerra. (2) O consumo de narcóticos no país aumentou, formando-se um mercado interno que era abastecido por intrincadas redes de narcotraficantes até a chegada ao consumidor final. Esses mercados também passaram a ser áreas de disputa por parte das organizações. (3) A cumplicidade entre as organizações e os governantes, a polícia e o poder Judiciário foram crescendo e ameaçando a autonomia do Estado, em especial em alguns estados da República e em determinados municípios em que o controle do crime organizado era intolerável. As disputas entre os cartéis envolviam funcionários do governo, dividindo-os e enfrentando-os. No final do século passado e nos primeiros anos do atual, a presença e a atividade do narcotráfico e das organizações criminosas tornou-se inaceitável para o governo federal.
(...)
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segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011
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