quarta-feira, 18 de agosto de 2010

O horário eleitoral

Leia abaixo a análise do jornalista Alon Feuerwerker a respeito do primeiro dia de propanda eleitoral na TV.

Atributos e benefícios (18/08)
Alon Feuerwerker

A arte está também na construção do elo entre os dois pontos. Não basta só o cara ser bacana, tem que entregar a mercadoria. Mas um cara bacana desperta mais esperança de entregar a mercadoria

O horário eleitoral foi inaugurado no previsível, com cada candidato buscando principalmente enfatizar atributos, especialmente em facetas que possam ser atacadas pelos adversários. Para vacinar ou blindar. E a campanha começou razoavelmente positiva, afinal haverá ainda tempo suficiente para começar a despejar chumbo grosso sobre os outros. Ninguém chega na casa do telespectador, assim de primeira, já chutando a canela. Seria desagradável. Não ficaria bem.

Uma curiosidade nas campanhas eleitorais brasileiras é a propaganda regulamentar radiofônica e televisiva dirigir-se apenas a certo país, que não necessariamente é o Brasil. No rádio e na tevê os postulantes falam a quem — imaginam eles — forma opinião a partir desses dois meios. Costuma funcionar, especialmente quando a primeira etapa deve ser usada para tornar alguém conhecido.

Mas incomoda que a tevê e o rádio pratiquem a infantilização de modo algo excessivo. Compare com os debates e notará a assimetria.

Nesta largada, a arma do PT é Luiz Inácio Lula da Silva, ainda que no subliminar. Sem surpresas. A dúvida é como vão agir (e quantos são) os eleitores que ainda não sabem da preferência de Lula por Dilma Rousseff. Mas esse dado é relativo, pois a presença forte do presidente na tela poderá, quem sabe?, até converter quem estava inclinado a escolher outro caminho, mesmo sabendo da opção presidencial.

No campo de José Serra, aparentemente a estratégia é alcançar incrementos graduais. Deu certo com Geraldo Alckmin em 2006 e o tucano conseguiu levar a contenda para o segundo turno. Depois perdeu-se, mas aí foi menos culpa da estratégia que da tática. Da sofreguidão e da falta de medida. Fazer a disputa com Lula exige know-how, profissionalismo, e Alckmin era estreante no jogo.

Na área de Dilma, calculam-se as medidas necessárias para liquidar a fatura já, não dando margem para grandes riscos. Mas se Lula não conseguiu vencer de cara nas duas vezes em que se elegeu, por que Dilma conseguiria? A pergunta faz sentido, mas na comparação, por exemplo, com 2006, a dúvida omite um fato: a situação econômica vai melhor que quatro anos atrás.

A análise jornalística tende a reduzir, a simplificar. É da nossa natureza. Se precisássemos destrinchar todas as variáveis até o limite do erro zero nunca chegaríamos a concluir um texto e estaríamos todos desempregados. É fácil dizer que o eleitor satisfeito com Lula tende a votar em Dilma, mas ela estar no patamar dos 40% sendo a candidata de um governo com mais de 70% de aprovação deveria dizer algo sobre a relatividade da conclusão.

Quem é o eleitor satisfeito com Lula mas menos disposto a votar na candidata dele? Por que essa separação entre juízos e consequências? Quem souber dissecar melhor o enigma estará em vantagem.

De volta à campanha, há uma curiosidade no ar sobre como serão as críticas mútuas, quando vierem para valer. O que vai colar e o que não? Ainda está por ser verificado o resultado do investimento na tese da suposta incompetência de Dilma para a função que pleiteia. Bem como a tentativa de pintar Serra como um elitista insensível.

Meu palpite é que foram desperdícios. Como nem Dilma é a incompetente que pinta a oposição nem Serra poderá ser facilmente desconstruído a partir do rótulo de “candidato dos ricos”, resultará em soma zero de vetores.

É o óbvio e o banal, mas a disputa deve decidir-se na reflexão de “quem é melhor para o Brasil”, a versão açucarada da mensagem real: o “quem é melhor para mim”. Novidade? Não, mas nem sempre a notícia é sinônimo de novidade, com o perdão dos dicionários.

Ou seja, se estamos na fase dos atributos, ela é apenas o aquecimento para a etapa decisiva, a dos benefícios, como se aprende em qualquer curso básico de vendas. Mas seria um erro imaginar a existência de uma muralha chinesa entre as duas variáveis. Capacidade de trazer benefícios tem a ver com atributos.

A arte está também na construção do elo entre os dois. Não basta só o cara ser bacana, tem que entregar a mercadoria. Mas um cara bacana desperta mais esperança de entregar a mercadoria.

Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta quarta (18) no Correio Braziliense.

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