domingo, 10 de outubro de 2010

Brincando com o fundamentalismo

E os ditos formadores de opinião começam a se chocar com a criatura que eles começaram a cevar. Refiro-me ao fundamentalismo religioso. Agora, no processo eleitoral, é conveninte açular carismáticos e evangélicos contra a Dilma. E, ao PT, faz-se necessário mostrar-se aliado dos eleitores religiosos. Mas, amanhã, a fatura dessa brincadeira pode ser mais alta do que ambos os lados pensam pagar.

Os jornalistas modernosos (ou pós-modernos da Folha) e os produtores culturais tucanos, tão avançados e contra a caretice petista, dão-se conta de que serão os seus amigos (ou eles próprios) as primeiras vítimas de um mundo no qual as regras morais sejam ditadas pelos pastores da Assembléia de Deus. Nesse admirável mundo novo, não tenho dúvidas, espaço nenhum haverá para performances desconstrucionistas. Parada Gay, Caderno "Mais", Segundo Caderno, dinheiro para programas de prevenção à AIDS e contra a violência homofôbica e similares desaparecerão. Como nos EUA da era Bush, o dinheiro público ira financiar campanhas de abstinência sexual. Pois, religiosos extremistas vêm nessas campanhas o caminho para enfrentar a AIDS...

Vejam o Afeganistão. Para escorraçar os russos de lá, os norte-americanos treinaram uma figurinha chamada Osama Bin Lader e deram dinheiro a rodo para a guerrilha islâmica. Pariu a Al Qaeda e o Talibã. E toda a vida social laica, que um dia fez do Afeganistão um país respirável para as mulheres, foi destruído. E o resto, você já sabe.

Quem goza com o gozo fariseu dos pastores e os seus vídeos escatológicos, como aquele de um proto-fascista curitibano, tem que se lembrar que, para os representantes políticos evengélicos, ainda ontem, quando da discussão sobre a nova Cosntituição brasileira, era inaceitável a tipificação de ato sexual forçado no casamento como estupro. Por quê? Ora, porque o casamento é sempre sagrado. Imaginem o retrocesso na discussão sobre a respeito da violência doméstica que vem embutido por trás desses discursos em defesa da família.

O PSDB, mais até do que o PT, tem os pés fincados na classe média. Parte dela se pensa ilustrada. Adora, em São Paulo, os programas culturais corretamente custeados pelo dinheiro público. Alguém pensa que no admirável mundo novo da Assembléia de Deus haverá dinheiro para coisas que não aquelas do "louvor"?

Quem brinca com fundamentalismo, podem apostar, paga um preço alto. E, nestas eleições, estamos indo além da conta.

5 comentários:

Guru disse...

Bastante pertinente a crítica, edmilson. Os artífices da campanha conseguiram adotar uma 'solução' extremamente reacionária ao próprio conservadorismo: estão empurrando uma discussão moral para o plano estritamente religioso. Isto sim é secularização às avessas como não se esperou ver.

Mas para que focalizar nos evangélicos/carismáticos? A população brasileira já apresentava conservadorismo diante do aborto e da sexualidade bem antes da disseminação desses movimentos.

Seria importante apontar para a ironia de que, após toda a movimentação para jogar sobre marina a pecha de candidata que mistura religião com política (baseada quase que exclusivamente numa boataria que se iniciou em março de 2009, qdo se lançava a idéia de sua candidatura), vejamos ambos os seus principais 'concorrentes' se prestando a este papel ridículo e pernicioso.

Marina Silva poderia dar a Dilma e a Serra grandes lições de laicidade.

Alyson Thiago F. Freire disse...

Excelente texto, Edmilson. Compartilho de sua preocupação quanto ao fundamentalismo que, nos últimos dias, tomou conta do debate eleitoral e das campanhas publicitárias dos candidatos como uma estratégia de convencimento. Essa disputa para ver quem é o “fiel mais reto” aos olhos Deus (Povo) é uma chatice perigosa que, momentaneamente, vem fazendo do Brasil uma espécie de Estado Confessional. Além do mais, como você salientou, pode nos trazer conseqüências imprevistas desagradáveis.

Uma delas já pode ser sentida como o reforço de nossa imaturidade política; as campanhas e debates eleitorais, neste 2º turno, caminham num sentido inverso ao fomento e a importância de cultivar uma postura de distanciamento face às convicções privadas ou, ao menos, de saber colocá-las entre parênteses, quando se trata de questões públicas que envolvem a vida de todos os cidadãos. As competências, idéias e projetos que deveriam constituir no coeficiente real de avaliação dos políticos estão sendo substituídos por um esquadrinhamento moralista e pastoral de suas opiniões e crenças pessoais.

Concordo com Guru sobre o foco um tanto quanto incisivo demais nos evangélicos sobre o aborto. Esse é um tema abertamente combatido pela igreja católica já há algum tempo. E, inclusive, um assunto que, no Brasil, independente da vinculação e participação ativa das pessoas em congregações religiosas, está incrustado negativamente nos brasileiros.

O pior é que o debate eleitoral e seus atores só tem contribuído mais ainda para permanência e solidificação desse crença irrefletida que trata a discussão pública e a postura do Estado sobre o aborto sob critérios religiosos.

Anônimo disse...

A lucidez da crítica, essa busca inatingível, deve ser ao menos colocada omo objetivo. É óbvio que, na excitação da escrita, terminamos por sobrepesar alguns aspectos. Tenho que aprender a maneirar. Sei bem o quanto há também de preoconceito contra os evangélicos no Brasil. Cultuado à direita e à esquerda.
O nosso desafio é fazer uma crítica orientada por valores - Estado laico, por exemplo - sem nos deixarmos levar pela possível revanche anti-evangélicos que pode vir por aí.

Edmilson Lopes

Alyson Thiago F. Freire disse...

Como dizia Max Weber: "Meu ofício é exagerar!" Quando escrevemos sempre sobrepesamos alguns aspectos para causar alguns efeitos no leitor e no próprio texto.

Diego Fernandes disse...

Ótima análise. Aposto que muita gente da Direita nem se dá conta do risco que a democracia corre com essa "união" com setores religiosos.