segunda-feira, 29 de agosto de 2011

A aproximação entre FHC e Dilma

Qual o sentido da aproximação da Presidenta com o ex-presidente? Ou, melhor, qual a lógica? Na matéria abaixo, publicada no VALOR ECONÔMICO, esse enigma é decifrado. Vale a pena conferir!


Interesses convergentes aproximam Dilma e Fernando Henrique


Por Raymundo Costa | De Brasília



Trata-se de uma operação política bem calculada a aproximação da presidente Dilma Rousseff do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Subestimada pelos tucanos e mal vista pelo PT lulista, o entendimento entre a presidente e FHC é tácito e atende aos interesses dos dois. Para Dilma, o ex-presidente é um interlocutor na oposição sem agenda eleitoral, o que facilita qualquer conversa; para FHC, a boa receptividade a políticas de Dilma serve para demarcar as diferenças entre os dois governantes do PT, especialmente no que se refere à tolerância com a corrupção.


A mudança de estilo no Palácio do Planalto contribuiu decisivamente para a mudança de cenário. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva transformou a disputa política com o PSDB quase num embate pessoal com Fernando Henrique. Não foram poucas as vezes em que fez o elogio da ignorância, ao dizer que outros, antes dele, haviam estudado muito mas não mudaram para melhor o país.


Dilma estudou na Universidade de Campinas (Unicamp) numa época em que FHC era uma referência para a intelectualidade de esquerda. Há muito de admiração pessoal, também, nessa aproximação. Pessoalmente, Fernando Henrique é atendido à medida que a presidente, ao reconhecer seu papel na história do país, permite que sua passagem pelo Palácio do Planalto seja revisada por um olhar do PT diferente do viés que tinha Lula, um presidente que passou os oito anos de mandato atribuindo à "herança maldita" recebida do antecessor os problemas que surgiam em seu governo.



Desde a transição Dilma falava em diálogo com a oposição. Em seu discurso de posse no Congresso, a presidente Dilma pediu à oposição que deixasse para trás a rivalidade da campanha eleitoral e prometeu não fazer um governo baseado em afinidades partidárias. "Não haverá no meu governo discriminação, privilégios ou compadrio. Sou, neste momento, presidenta de todos os brasileiros", declarou.


Dilma, porém, tinha um problema: o candidato derrotado da oposição, José Serra, deveria ser uma espécie de candidato natural à interlocução da presidente com as oposições. Antes da campanha, Dilma e Serra mantinham relações cordiais. Os dois estiveram na linha de frente de combate ao regime militar. O tucano, desde os primórdios do golpe de 1964, quando presidia a União Nacional dos Estudantes (UNE); a presidente, na luta armada, nos chamados anos de chumbo. Mas as afinidades desmoronaram na campanha - Dilma não perdoa Serra pela exploração que o assunto aborto teve na eleição. Os dois tratam-se educadamente, mas a relação - que também nunca foi de amizade muito próxima - não é mais a mesma.


A opção à vista para Dilma era o ex-governador e senador eleito por Minas Gerais, Aécio Neves, tucano como Serra - não há notícia de que a presidente eventualmente tenha pensado em criar essa interlocução com o Democratas (DEM). Aécio, na avaliação de Dilma e de quem a ajudou nessa estratégia, como o ex-ministro Antonio Palocci (Casa Civil), era um político com senso dos problemas que enfrenta um governo de coalizão, mas tinha contra si o fato de ter se tornado o potencial candidato do PSDB às eleições presidenciais de 2014. Enfim, um político com uma agenda eleitoral conflitante.


Havia FHC, uma conjugação mais que perfeita para atender os interesses políticos e pessoais da presidente e de um ex-presidente condenado ao purgatório por um presidente com o carisma e a popularidade de Lula. Fernando Henrique culpa Lula por sua demonização junto ao povão. Além da admiração intelectual, e ao contrário de seu antecessor, Dilma até acha que FHC fez um bom governo. O tucano, por seu turno, compreendeu de imediato a sinalização de Dilma: a presidente não pretendia ficar refém dos partidos políticos.


Em conversa semana passada com um amigo, FHC disse que havia dois ou três brasileiros capazes de entender o dilema da presidente. Um deles era ele próprio, FHC, que sabia melhor que ninguém a importância de um grupo de dez deputados na Câmara. No governo, FHC (1995-2003) chegou a criar um ministério jocosamente chamado de Mirin (Ministério das Relações Institucionais) para compor o que se chama de base de sustentação do governo. "Eu passei por essa chantagem e sei o que é", disse Fernando Henrique ao amigo. "Quantos brasileiros vivos passaram por isso?"


FHC lembrou ao amigo que contou pelo que passou em "A Arte da Política - A História Que Vivi", o livro no qual conta sua trajetória na Presidência da República. "O maior engano do Presidente (refiro-me simbolicamente, pois não se trata apenas de uma pessoa, mas do grupo vencedor) é imaginar que sozinho tudo pode e que o Congresso é um tigre de papel". Cita as crises que levaram à renúncia de Jânio Quadros e ao impeachment de Fernando Collor. "Nesses casos, o menosprezo ao Congresso levou os governos à paralisia e depois à ruína", escreveu. "Por outro lado, se o presidente 'se entrega' ao Congresso, está perdido".


Outro trecho do livro: "Quantas vezes, na ânsia de buscar mudanças, somos obrigados a pactuar com o oposto? Trata-se, como no caso do Fausto, não diria de vender, mas de alugar a alma ao diabo. Se o aluguel se prolonga e o demo não ganha pelo menos contornos do anjo, quem faz o pacto se perde."


Isso foi o que escreveu o sociólogo ex-presidente. Na prática, FHC não esconde dos amigos que considera um erro o PSDB insistir na proposta de criação de uma CPI para apurar a corrupção no governo Dilma. E erra duplamente. Primeiro, porque a presidente ganhou a bandeira da faxina ética. Ela é quem está fazendo a limpeza do governo. E o PSDB pode parecer contrário à moralização da atividade pública. Em segundo lugar, erra porque perde a oportunidade de mostrar a diferença existente entre Dilma e Lula e marcar o ex-presidente e seu desafeto político como alguém leniente com a corrupção. "Na hora em que você estende a mão para Dilma, estabelece a diferença", disse a um interlocutor.


Arte difícil esta, a da política, como diz FHC em seu livro: ao insistir na estratégia de criação da CPI, segundo falou com amigos, Fernando Henrique acha que o PSDB apenas aumenta o valor de mercado do chantagista, daquele deputado ou senador que assina requerimento de criação da Comissão Parlamentar de Inquérito para, depois, negociar com o governo a retirada da assinatura. "É aumentar o poder de fogo dos pilantras. O PSDB não olha para a sociedade", diz, segundo relato ao Valor feito por este amigo do ex-presidente.


O fato é que FHC falou contra a CPI, depois da reunião da presidente Dilma Rousseff com os governadores da região Sudeste, há pouco mais de uma semana, num Palácio dos Bandeirantes recheado de tucanos. Aliás, Fernando Henrique não foi convidado formalmente pelo cerimonial do Palácio do Planalto. Mas já na véspera avisara o tucano José Serra que iria à reunião. FHC destila ironia quando é confrontado com a impressão de que Lula não vê com bons olhos a aproximação do tucano com a presidente.


Na reunião do Bandeirantes, FHC beijou Dilma na face. Sérgio Cabral, governador do Rio, brincou: "O Lula vai ficar com ciúmes". O ex-presidente reagiu prontamente, rindo: "Diz que eu forcei, diz que eu forcei". Arte difícil esta, a da política: ninguém no Palácio do Planalto esquece que Cabral patrocinou uma reunião no Palácio Guanabara do tipo "Lula 2014", um assunto que teima rondar e causar desgosto no gabinete presidencial. Outro governador aliado identificado como saudoso do lulismo: Eduardo Campos (PE). O ministro Paulo Bernardo (Comunicações) entrou na lista depois de dar declaração falando que Lula e Dilma ainda conversariam sobre quem será o candidato na eleição presidencial de 2014.


FHC não tem a menor ilusão de que Lula e Dilma possam brigar ou romper. Para ele é conveniente política e pessoalmente a aproximação com Dilma Rousseff. A presidente, além de um interlocutor na oposição, também ganha ao manter boa relação com alguém que é ouvido pelo PIB brasileiro, especialmente o paulista. Desde a demissão de Palocci, não há ninguém com esse perfil no Palácio do Planalto. Antes da saída do executivo Fábio Barbosa do Santander, houve uma tentativa de avisar a presidente em primeiro lugar. Não havia um interlocutor. O primeiro a saber foi o vice Michel Temer.


Lula, desde a primeira manifestação de Dilma em direção a FHC, demonstrou contrariedade: o convite a todos os ex-presidentes da República para o almoço oferecido pelo governo brasileiro ao presidente dos EUA, Barack Obama. Lula alegou que já havia agendado uma viagem para a data marcada. Mas o incômodo do ex-presidente só chegou a Dilma depois que ela postou uma carta em blog na internet criado para comemorar os 80 anos de FHC. Na carta, Dilma chamou FHC de "acadêmico inovador", "político habilidoso" e "o presidente que contribuiu decisivamente para a consolidação da estabilidade econômica". Por meio de Gilberto Carvalho, seu antigo chefe de gabinete agora secretário-geral das Presidência, Lula mandou o recado: "Também não precisa exagerar".


No coquetel de comemoração dos seis primeiros meses de governo, com a base aliada, Dilma voltou ao tema de posse: "Temos que sempre dar espaço para a oposição". Um improviso no discurso feito por escrito.

Nenhum comentário: