sexta-feira, 5 de agosto de 2011

A derrocada do império?

Paulo Linhares, jurista reconhecido não apenas nestas plagas, possui uma capacidade de análise invejável. No artigo desta semana, abaixo, ele traça, com fina ironia, um retrato da decadência do império americano. Vale a pena conferir!


O FALIDO TIO SAM

PAULO AFONSO LINHARES*

Se um rosto puder personificar todo um povo, aquele velho da barbicha (de bode) branca, nariz e olhos aquilinos, cartola e fraque nas cores azul-vermelho-branco além de estrelas e listas, conhecido como Tio Sam, é a personificação dos Estados Unidos da América. O nome de uma personagem ficcional que representaria o homo medius norte-americano, chamada de Uncle Sam, foi usado pela primeira vez na guerra anglo-americana de 1812 (War of 1812), em que apelava para o orgulho e o sacrifício dos cidadãos na luta contra os invasores britânicos. Deu certo: a grande arrancada do desenvolvimento daquele país se deu a partir do fim dessa guerra, com a celebração do Treaty de Ghent (Tratado de Gand), de 1814, e o crescimento do sentimento nacionalista norte-americano. Em 1852 o Tio Sam ganhou a imagem que se tornou tão conhecida no mundo, porém, foi melhor estilizada em 1917, pelo artista James Flagg, com aquele dedo em riste e a frase "I want you for U.S.Army" ("Eu quero você para o Exército dos EUA").

No entanto, para que essa imagem representasse, neste momento, os EUA, seguramente seria outra: o mesmo velho, porém, sem os gestos arrogantes de águia, de olhos penetrantes de quem não aceitaria receber um "não" como resposta; no lugar do ameaçador dedo em riste, haveria uma mão de súplica de quem pede uma esmola. E as roupas? Claro, estaria vestido como as mesmas cores e elementos da bandeira do Estados Unidos da América, mas bem ao estilo tramp (morador de rua, um sem-teto), com o tampo da famosa cartola rasgado e o paletó de feições molambentas, sujo e roto. Fato é que o Estado norte-americano, personificado pela figura do Tio Sam, a despeito de ostentar a posição de mais poderosa superpotência do planeta, está literalmente falido.

Uma política de superendividamento com abissais gastos militares, com armamentos e operações de guerra absurdas, exauriram as reservas do país. Somente para se ter uma pálida ideia disso, de segundo a National Priorities Project, organização não-governamental cuja atividade é a de medir os gastos governamentais em diversas áreas, os conflitos consumiram até o ano 2008 mais de US$ 504 bilhões [R$ 859,82 bilhões] dos cofres públicos americanos. O prêmio Nobel de Economia Joseph E. Stiglitz e a professora Linda J. Bilmes, autores do livro "The Three Trillion Dollar War" ( A Guerra de Três Trilhões de Dólares", em tradução livre). Sim, um número absurdo, mas, verdadeiro: US$ 3 trilhões. Bem comparando, nos 12 anos da sangrenta Guerra do Vietnã, o Tio Sam desembolsou US$ 670 bilhões. Em 20 de março de 2011, os EUA lançaram 110 mísseis Tomahawk na Líbia, a um custo unitário de US$ 572 mil, custando a brincadeira U$ 57,2 milhões, isto sem falar nos outros gastos que envolvem um missão dessa natureza.

Os números revelados pelo Departamento do Tesouro, mostram uma dívida pendente dos EUA que somava, no último dia 30 de junho, US$ 14,3 trilhões, dos quais US$ 4,6 trilhões eram "pastas intergovernamentais" e US$ 9,7 trilhões eram dívidas nas mãos do público. Aliás, os EUA devem somente ao Brasil a quantia de US$ 187 bilhões. Contudo, o seu maior credor é a China, com US$ 1,1 trilhão, seguida pelo Japão com US$ 882,3 bilhões, o Reino Unido com US$ 272,1 bilhões e os exportadores de petróleo com US$ 211,9 bilhões. Os EUA vivem perdulariamente, com seus desperdícios de toda ordem, às custas de outros países. A situação chegou no limite do razoável: o presidente Obama teve que "ir a Canossa" para conseguir dos Congresso permissão para um endividamento do tesouro norte-americano em mais US$ 400 bilhões. Caminhou no fio da navalha, pois se não houvesse um acordo, não haveria saída para o governo dos EUA senão aplicar uma mega-calote naqueles detentores de títulos do Tesouro, inclusive o Brasil.

E a notícia mais surpreendente, no final de julho de 2011, foi que a Apple, aquela empresa da maçã meio comida que fabrica bugigangas eletrônicas (I-Pod, I-Pad, I-Phone, I-Mac etc): Steve Jobs pode ir ao banco sacar mais dinheiro que Barack Obama. Os últimos resultados financeiros da Apple mostram que a companhia de Jobs tem um total de US$ 76,2 bilhões em reserva de capital, enquanto o governo americano tem “apenas” US$ 73,8. O Tio Sam está na lata, velho pobretão. De lascar os tamancos!



* Jurista. Doutor em Direito pela UFPE e Professor de Direito na UERN.

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