Mais abaixo, como tem ocorrido sempre, transcrevo o artigo que o jornalista Alon Feuerwerker publica semanalmente no Correio Brasiliense (e disponibiliza no seu blog).
A liberdade dos adversários (18/06)
As pessoas adoram a internet, desde que ela sirva aos seus propósitos. Já quando pode ser usada pelos adversários, ela é odiada. É uma contradição curiosa, mas previsívelEm meio a contestações sobre o recente resultado eleitoral, o governo do Irã vem cerceando o trabalho da imprensa e tentando limitar o fluxo de informações pela internet. O mundo mudou com as novas tecnologias da informação, mas ainda é possível em algum grau estabelecer restrições à atuação do jornalismo dito empresarial. Mais difícil de conter, entretanto, é a atividade jornalística difusa, pulverizada, exercida pelo cidadão comum. Graças exatamente à popularização da internet.
A principal novidade introduzida pela rede global digital é a redução do custo de distribuir informação. Essa queda levou ao colapso a tradicional unidirecionalidade ensinada nas escolas. Na prática, é possível dizer que todo mundo hoje em dia pode ser um jornalista. Inclusive para criticar os jornalistas e o jornalismo. Somos profissionais que ao longo do tempo nos acostumamos a dar a última palavra sobre tudo. Agora, devemos nos adaptar ao fato de que nosso veredito, além de não mais ser o último, está, com a internet, a anos-luz de ser o único.
A nova realidade vem sendo recebida com satisfação por quem habita o polo da contra-hegemonia. Quem está por baixo, quem se sente esmagado pelo pensamento único dominante, esse adora a internet. Já quem tem o domínio dos canais ditos hegemônicos, esse a vê com desconfiança. Dia sim outro também tem gente falando mal dos blogs. E no Senado Federal está para ser votado um texto com restrições ao uso da rede. A proposta, do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), é draconiana, completamente inadaptada aos novos tempos. Por isso mesmo tem chance de passar. Ainda mais no Senado que aí está.
Comum é a posição do sujeito oscilar de acordo com as conveniências. Ele adora a internet, desde que sirva aos seus propósitos. Já quando pode ser usada pelos inimigos, ele a odeia. É uma contradição curiosa, mas previsível. O difícil na democracia é aceitar e reconhecer a legitimidade do oposto, do adversário. Um caso emblemático são os direitos humanos. O que mais se vê é gente inchando a veia do pescoço para defender os direitos humanos dos amigos, enquanto relativiza os de quem circunstancialmente está na trincheira oposta.
Daí a importância de uma Justiça realmente dotada de independência, e de termos leis democráticas, a começar da Constituição. A Carta de 1988 pode ter vários defeitos, mas vem garantindo ao Brasil o mais longo e mais estável período de democracia na nossa História. Não é pouca coisa. Por isso, sempre que se fala em reformar a Constituição para lhe dar "mais funcionalidade" é preciso olhar com lupa e tentar enxergar os interesses envolvidos. Num país de tradição autoritária, é medida sempre prudente.
Ontem, o Supremo Tribunal Federal decidiu por 8 votos a 1 que é livre o exercício da profissão de jornalista, independente de o profissional ser portador de diploma universitário de jornalismo. No caso deste colunista, a decisão do STF tem pelo menos uma consequência prática: poderei exercer com tranquilidade, e alma leve, a atividade que escolhi (ou pela qual fui escolhido) há quase três décadas. Aqui, faço uma referência a meus colegas que, mesmo sem o diploma, têm ao longo destes anos procurado exercer com dignidade e competência a profissão.
Como parte interessada, sou suspeito para opinar. Mas que o Brasil está melhor depois da sessão de ontem do Supremo, isso está.
Começar pelos números
Saltitando no óleo quente, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), afirmou que vai dar publicidade à lista dos salários dos funcionários da Casa. Espera-se que sejam os vencimentos brutos. Vamos ver se ele terá força para cumprir o prometido. Em São Paulo, o prefeito Gilberto Kassab (DEM) já fez o que Sarney promete. Kassab enfrenta resistências na Justiça, mas tomara que tenha sucesso na empreitada.
Para evitar protelações, o presidente do Senado poderia começar com uma medida mais modesta. Divulgar só a relação dos vencimentos brutos, sem os nomes. Seria bom saber qual o maior salário do Senado, qual é a média salarial, qual é a concentração de renda entre os servidores. Não atingiria a privacidade de ninguém e serviria para lançar alguma luz sobre o assunto.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje no Correio Braziliense.
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