domingo, 6 de setembro de 2009

MUDANÇA DEMOGRÁFICA

Na edição do jornal Folha de São Paulo deste domingo, uma notícia chama a atenção. Trata de uma significativa mudança no padrão demográfico na cidade de São Paulo

NASCIMENTOS NÃO REPÕEM MAIS A POPULAÇÃO
Média de filhos por mulher em São Paulo cai de 2,3 em 1997 para 1,9 em 2007, segundo estudo feito pela Fundação Seade

Só Butantã, Mooca e Perus superavam a taxa de 2,1 filhos por mulher em 2007, taxa que indica a manutenção da população sem migração
JOSÉ ERNESTO CREDENDIO
MÁRCIO PINHO
DA REPORTAGEM LOCAL
A cada ano, menos crianças são vistas nas ruas, parquinhos e playgrounds de condomínios de São Paulo, reflexo da tendência de queda na fecundidade que coloca regiões de maior renda, como Vila Mariana e Pinheiros-em que o número de filhos por mulher caiu a 1,4 e 1,3, respectivamente- em padrões do Japão e dos países mais ricos da Europa.
Diante de um quadro de envelhecimento acelerado e até queda da população, países europeus têm buscado, sem sucesso, implantar políticas de incentivo à maternidade.
A realidade que se vê nas ruas foi colocada em números em um estudo da Fundação Seade, concluído em maio, que analisou registros de nascimentos em todas as 31 subprefeituras da cidade entre 1997 e 2007.
A pesquisa constatou que, em 2007, apenas Butantã, Mooca e Perus ainda superavam a taxa de 2,1 filhos por mulher -índice que indica a manutenção da população sem a necessidade de migração. Dez anos antes, 20 subprefeituras batiam essa marca. A média de São Paulo é de 1,9 filho, contra 2,3 em 1997.
A mudança na fecundidade começou em países ricos e se espalha no planeta, com exceção de regiões mais pobres da África. Essa tendência de redução também é verificada em todo o Brasil, onde o índice de fecundidade é de 1,95 filho por mulher, segundo mostrou o IBGE na última semana.
Contribuem para isso o aumento da escolaridade, maior participação feminina no mercado de trabalho, uso de métodos anticoncepcionais, restrições financeiras e mudanças nos valores e modelos culturais em relação ao número de filhos.
A nova realidade demográfica também leva a mudanças em políticas de saúde, transporte e a uma reavaliação de um novo perfil de demanda nas escolas, de consumo e até mesmo habitação. Com menos crianças, prédios com áreas de lazer voltada a elas acabam sendo menos atrativos do que antes.
Como a migração vem caindo, também graças a programas como o Bolsa-Família, que ajuda a fixar a população pobre em sua região de origem, já é possível dizer que São Paulo estará menor nos próximos anos?
"Sim", responde a geógrafa Amalia Ines de Lemos, professora do Departamento de Geografia da USP. "É possível fazer muito pouco. Mesmo em Portugal, onde o governo ajuda pais a criar os filhos, há escolas fechando vagas."
O estudo do Seade específico para Pinheiros também apontou como deve ser a nova configuração da mãe paulistana de classe média-alta. São poucos filhos antes dos 24 anos, um número crescente nas idades seguintes e os maiores valores na faixa dos 30 aos 35 anos.
"É a mulher se ajustando ao seu novo perfil. Busca-se primeiro a satisfação pessoal, o emprego, a segurança econômica. Filhos vêm depois", diz.
Há um componente econômico que também sofrerá os efeitos da baixa fecundidade: a concentração de patrimônio, por conta de menos herdeiros, nas mãos de menos pessoas.

Periferia
Em São Paulo, bairros de periferia apresentaram as maiores mudanças na taxa de fecundidade. Socorro, na zona sul, por exemplo, tinha índice de fecundidade de 2,6 em 1997. Em 2007, a taxa havia baixado para 1,8 filho por mulher. Também tiveram mudanças expressivas Ermelino Matarazzo e São Miguel Paulista, na zona leste.

ANÁLISE

BRASIL FEZ EM DÉCADAS O QUE A EUROPA LEVOU SÉCULOS PARA FAZER
Queda da taxa de fecundidade mostra guinada da sociedade; garotos pequenos são menos úteis em ambientes onde não é necessário carregar água nem procurar lenha
HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
Não há justiça neste mundo. O demógrafo mais célebre do planeta é Thomas Robert Malthus (1766-1834), que errou redondamente em suas catastróficas previsões sobre o futuro da humanidade. Já Warren Thompson, cujo Modelo de Transição Demográfica (MTD), proposto em 1929, funciona bastante bem até hoje, é conhecido apenas por um punhado de especialistas.
E o que o MTD basicamente faz é explicar como o processo de desenvolvimento econômico faz com que países passam de altas taxas de natalidade e mortalidade para situações em que se registram poucos óbitos e ainda menos nascimentos.
Durante a maior parte da história humana, sobreviviam apenas os povos que conseguiam reproduzir-se pelo menos na mesma velocidade com diarreias e outros flagelos que matavam seus membros, em especial os bebês. O resultado eram populações jovens, cujo tamanho variava ao sabor de eventos naturais, como secas e epidemias. Essa é a fase 1 do MTD de Thompson.
O estágio 2, que, na Europa, se iniciou com a Revolução Agrícola, no século 18, caracteriza-se pela redução da mortalidade, inicialmente por conta da maior oferta de alimentos. Esse processo intensificou-se dramaticamente no século 20, com a introdução de políticas de saúde pública, como tratamento de água e esgotos e, um pouco mais tarde, vacinações em massa e antibióticos.
Como a redução nas mortes não se faz acompanhar imediatamente de diminuição nos nascimentos, a fase 2 é marcada pela explosão populacional. Dado que os óbitos evitados ocorrem principalmente entre crianças, é a base da pirâmide populacional que se alarga.
Já o estágio 3 do MTD caracteriza-se pela redução nas taxas de fecundidade. São vários os fatores que a explicam. Um dos mais poderosos é a urbanização. Se, em zonas rurais, crianças são sempre uma mão a mais para ajudar, além da "aposentadoria" dos pais, nas cidades a coisa não funciona bem assim.
Para começar, garotos pequenos são menos úteis em ambientes onde não é necessário carregar água nem procurar lenha. Também deixam de representar o futuro de pais que tenham acesso a sistemas de previdência. Alimentá-los, acomodá-los e enviá-los à escola significa, na verdade, um custo.
Some-se isso à escolarização das mulheres, que descobrem os meios e os motivos para evitar filhos, e a fecundidade pode cair bastante drasticamente. Foi o que ocorreu no Brasil, que completou em poucas décadas o percurso que a Europa levou séculos para percorrer.
Reduções para baixo do 2,1 filhos por mulher (taxa de reposição) não implicam queda abrupta da população. Como a expectativa de vida aumenta e a população envelhece, cria-se uma situação em que convivem três, até quatro gerações.
Nessa fase, também ocorre o que os especialistas chamam de janela demográfica, na qual a proporção de trabalhadores na ativa é mais alta, produzindo o enriquecimento da sociedade. Essa janela se fecha quando a coorte de idosos que já não trabalham ganha preponderância.
No estágio 4, fecundidade e mortalidade são baixos e a população para de crescer, mas não necessariamente de envelhecer. Alguns autores propuseram a criação de uma fase 5, que não integrava o MTD original, no qual as mortes já superam os nascimentos. É nessa situação que se encontram alguns países europeus.
Os desafios aqui são tentar manter a viabilidade dos sistemas de previdência e de saúde, bem como a riqueza material da sociedade. A resposta mais óbvia é a imigração estrangeira. O problema é que ela implica mudanças culturais com as quais nem todos estão dispostos a arcar. O resultado têm sido conflitos e xenofobia.

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