quinta-feira, 20 de maio de 2010

Mobilidade urbana sustentável: um desafio em Natal

E um desafio também para as ciências sociais da UFRN. Abaixo, de forma um tanto quanto precária, anoto alguns aspectos devem ser levados na construção de um projeto de investigação sociológico sobre a temática.

O crescimento do mercado automobilístico nos últimos cinco anos tem se conjugado, na região urbana polarizada pela cidade de Natal, capital do Rio Grande do Norte, com a incorporação definitiva das paisagens da cidade no mercado imobiliário internacional. Assim, ao lado do crescimento da frota de veículos, temos aqui, como sói ocorrer em outras partes do país, um aumento vertiginoso do preço médio do solo urbano. Uma das traduções da dinâmica do mercado imobiliário local tem sido a rápida transformação territorial nesse espaço regional, como o confirmam, por exemplo, as imagens de satélite mais recentes. A ampliação da mancha urbana da Região Metropolitana de Natal, ao mesmo tempo em que indica a dinâmica do crescimento regional dos últimos anos, autoriza-nos a afirmar que um dos seus desdobramentos tem sido um significativo aumento dos custos individuais e coletivos da mobilidade urbana em seu interior.

O sistema de transporte coletivo da região, assentado em veículos como ônibus e vans, e, marginalmente no transporte ferroviário que liga algumas cidades da região, não se constitui em uma oferta atrativa de deslocamento para os moradores da região. E a opção predominante pelo transporte individual cria problemas importantes para o presente e potencialmente graves para o futuro. Nesse quadro, a análise rigorosa e cientificamente embasada os desafios colocados para a mobilidade urbana na Grande Natal nos dias de hoje pode vir a cumprir um papel estratégico no sentido de fornecer informações sistematizadas e subsídios para a consecução de uma proposta abrangente para a mobilidade urbana sustentável neste espaço metropolitano a curto e médio prazo.

Mas essa é uma empreitada de pesquisa que não pode ser realizada se não estiver encimada por uma perspectiva crítica. O que se traduz por uma ruptura com as noções rentes ao senso comum, que relacionam, ingenuamente, o predomínio da “cultura do automóvel” apenas a um conjunto de escolhas construídas por consumidores. Orientada também por uma preocupação em esboçar alternativas propositivas, a presente investigação não faz concessões a crítica moral e reducionista que deprecia o grande investimento material e simbólico, feito pelas classes populares e pelos estratos inferiores das classes médias, para a aquisição do seu primeiro automóvel.

A suposta elaboração crítica, mencionada mais acima, é, em verdade, uma produção discursiva muito comum nos ambientes ditos intelectualizados. Em realidade, trata-se de uma crítica farisaica, feita por pessoas pertencentes a famílias que ou possuem mais de um automóvel ou residem em áreas urbanas privilegiadas, próximas dos locais de trabalho e dos centros de oferta de serviços.

A crescente demanda por viagens no interior da Grande Natal, algo que, com a perspectiva de expansão da economia de serviços nos próximos anos, impulsionada pelas mudanças provocadas pela adaptação da capital do Rio Grande do Norte para ser uma das sedes da Copa do Mundo de 2014, tenderá a agravar os problemas de congestionamento, acidentes de trânsito e poluição ambiental. Essa demanda por viagens alimentará a demanda por automóveis individuais, inexoravelmente. Exortações morais contra o uso do carro individual podem muito pouco diante da força de escolhas individuais corroboradas por percepções culturais e sócio-psíquicas profundas, como é o caso da necessidade socialmente produzida do automóvel individual. Até porque, no que diz respeito ao transporte urbano, nem sempre as boas escolhas do ponto de vista sistêmico são boas e positivas escolhas individuais.

O que foi dito acima não implica a complacência com o quadro atual. Muito antes pelo contrário: expressa uma posição que procura não alimentar cândidas ilusões a respeito de um problema estrutural. Referimo-nos, em especial, àqueles discurso que apontam “boa vontade” e “decisão política” dos administradores locais como condições suficientes para a consecução de uma mobilidade urbana sustentável (mais adiante, em outra parte, trataremos mais detidamente este conceito). Por outro lado, há que se levar em conta uma obviedade sempre relegada para o segundo plano: se a mobilidade urbana é definida por condicionantes físicos, ambientais e tecnológicos, ela também o é pela estrutura social. E isso significa que, nessa dimensão fundamental da vida urbana contemporânea, a desigualdade social se superpõe à mobilidade.

Assumindo que a mobilidade urbana, de algum modo, reproduz as assimetrias de classe e gênero, buscamos, trata-se de analisar como a segurança pública impacta a mobilidade urbana na chamada Grande Natal e se constitui em óbice importante para a implantação de uma mobilidade urbana sustentável na região metropolitana. Na medida em que, como parece consensual entre os estudiosos da mobilidade urbana, há uma exposição diferenciada de condutores de veículos, passageiros de transportes coletivos, pedestres e condutores de veículos não-motorizados à acidentes, riscos e formas de violência nos seus deslocamentos no espaço urbano, assumimos, neste trabalho, a tarefa de mapear os medos e as vitimizações que estão subjacentes aos “projetos”* de mobilidade no espaço urbano que pretendemos estudar. Trata-se também de identificar os ambientes, distribuição espacial dos efetivos policiais e estruturas arquitetônicas e viárias que impactam negativamente na segurança pública dos agentes sociais acima identificados. Reforçando a dimensão sócio-antropológica do trabalho, propomo-nos ainda a empreender uma análise a respeito das necessidades e sentidos atribuídos pelas pessoas aos seus deslocamentos no espaço regional delimitado como lócus do projeto e de que como a segurança pública determina escolhas e projetos de mudança de formas de deslocamento (do transporte coletivo para o automóvel individual, por exemplo).

* Esses projetos, expressos nos primas de condutas diárias, são limitados tanto pelas posições sociais (de classe e de gênero, em especial) quanto por apreensões subjetivas, mas nem por infundadas, como a “sensação de segurança”.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom seu texto!

att, Cristiano Bodart
http://cafecomsociologia.blogspot.com/