Lula joga para levar tudo. Essa, nem sempre, é a melhor postura de um jogador. Mas Lula tem experiência e já demonstrou competência em garantir o seu projeto. Nem que, para isso, tenha que destroçar o PT. Leia abaixo a análise de Feuerwerker a respeito.
Escravo da ribalta (04/05)
Alon Feuerwerker.
Mais do que demonstração de força, a blitz do presidente nos últimos dias talvez seja sintoma de alguma fragilidade. Lula não quer só ganhar. Quer fazer barba, cabelo e bigode, para Dilma governar sem oposição efetiva. Terá força para tanto?A largada desta etapa da “pré-campanha” presidencial neutralizou o ambiente de euforia no campo governista que marcou os primeiros meses do ano. A oposição mostrou duas coisas não exibidas até então: disposição para o embate e capacidade de articular um discurso. Acostumados a jogarem sozinhos ao longo de muito tempo, o presidente da República e o PT dão sinais de, como se diz no boxe, terem sentido o golpe.
Um sintoma é o pronunciamento de Luiz Inácio Lula da Silva em rede nacional de TV por motivo do Dia do Trabalho. Questões procedimentais à parte, ele provoca pelo menos uma dúvida: por que o presidente precisa adotar comportamento algo heterodoxo agora, se daqui a pouquinho ele terá o gordo tempo de televisão de Dilma Rousseff na campanha, para se fartar de mandar o eleitor votar nela?
A resposta deve ser buscada na lógica das construções políticas. O presidente entrou em campo nos últimos dias menos para impressionar o público — ainda nem aí para a eleição — e mais para causar boa impressão aos aliados. O processo eleitoral entra agora na fase decisiva da costura de alianças, e Lula quis deixar claro aos amigos em potencial que ele tem sim um discurso para, como se diz nas entranhas do governo, desconstruir a oposição.
Isso para os potencialmente amigos não cederem à tentação de virarem inimigos. Um fenômeno sempre ameaçador em exércitos que, antes de tudo, estão juntos por interesses apenas materiais.
Assim, mais do que demonstração de força, a blitz do presidente nos últimos dias talvez seja sintoma de alguma fragilidade.
Lula tem objetivos ambiciosos em 2010. Além de eleger Dilma, pretende remover o PSDB do poder em São Paulo e Minas Gerais, e também encerrar a carreira política dos que lhe fizeram oposição cerrada no Congresso Nacional, com foco no Senado. Ali, Lula projeta construir para Dilma uma maioria folgada, deixando o futuro governo petista de mãos livres para as reformas constitucionais que bem entender.
Lula não quer só ganhar. Quer fazer barba, cabelo e bigode, para Dilma governar sem oposição efetiva. Terá força para tanto? Quais são os trunfos de Dilma e de Lula na eleição? A aliança dos maiores partidos, o maior tempo na tevê, a popularidade do presidente.
Tempo de TV é importante, mas a história das eleições brasileiras está cheia de exemplos de não ser tudo. As alianças são importantes, mas eleição presidencial embute bom grau de autonomia do eleitor na relação com os candidatos. E o apoio de Lula, qual será o peso efetivo dele na hora da decisão?
Há certezas e dúvidas sobre como o cidadão comum enxerga o presidente. Certezas? Ele o vê como alguém que faz um bom governo, de realizações reconhecidas. E valoriza sua trajetória. As dúvidas estão em outro lugar. Até que ponto Lula é um líder a quem a maioria seguirá incondicionalmente? Até que ponto o pragmatismo presidencial não acabou diluindo, no transcorrer do governo, uma certa relação afetiva que o eleitor não petista talvez mantivesse com o líder histórico do PT?
O filme sobre a vida de Lula, por exemplo, não foi um sucesso de bilheteria. Ao contrário. Uns dizem que a fita é simplesmente ruim, mas o insucesso não foi previsto quando ela estreou, ou pré-estreou. Muita gente boa que viu na época apostou na capacidade de a obra galvanizar emocionalmente o país, com óbvios efeitos no processo eleitoral. Simplesmente não aconteceu.
Num extremo, o entorno de Lula busca convencê-lo de que se transformou num guia condutor de almas, para além da simples racionalidade. No outro, a oposição gostaria de acreditar que Lula só transferirá a Dilma os votos que ela já teria por ser a candidata do PT. A verdade está em algum lugar no meio. Onde? Ninguém, no governo ou na oposição, tem certeza. Daí que Lula tenha precisado voltar à ribalta. De onde não consegue sair sem gerar na turma dele uma sensação chata de insegurança.
(...)
Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta terça (04) no Correio Braziliense.
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