sexta-feira, 4 de junho de 2010

Dois navios...




Símbolos de momentos políticos distintos. E dos limites da política... Leia abaixo uma opinião diferente daquela que postei mais abaixo, de autoria do jornalista Sérgio Malberg, a respeito do que está ocorrendo em Israel. Discordo um pouco do tom da escritora israelense, mas, já que tenho a oportunidade, vou praticar um cadinho de pluralismo acá.
Ataque ao Êxodo, barrado com 4.500 sobreviventes do Holocausto em 1947, mudou a opinião do mundo
Linda Grant – O Estado de S.Paulo
THE GUARDIAN

No verão de 1947, o navio quase reduzido a sucata com 4.500 sobreviventes do Holocausto a bordo, rebatizado de “Êxodo”, partiu da França com o objetivo de romper o bloqueio britânico na Palestina. Até então, os sobreviventes apodreciam em campos de refugiados desde o fim da guerra à espera de um país que os aceitasse.

Os organizadores, pertencentes ao movimento sionista, adotavam a política da imigração ilegal como uma operação de resgate humanitário e uma medida calculada para fixar de maneira politicamente arbitrária a população judia do país. Eles não esperavam aportar, mas sabiam que o barco caindo aos pedaços com sua dolorosa carga humana de refugiados denunciaria os britânicos como patrões colonialistas desalmados. O Êxodo poderia chamar-se “Fim do Império”.
Quando o navio se aproximava de Haifa, o comandante recebeu um sinal de rádio de líderes sionistas para não colocar em risco a vida dos passageiros em um confronto. O comandante polonês, porém, recusou-se a voltar. Cercados por três destróieres britânicos, tripulação e passageiros foram abordados e revidaram com qualquer arma à mão – até com uma remessa de carne enlatada. Os britânicos mataram três pessoas.

Dias mais tarde, os passageiros foram transferidos para outro navio e enviados de volta para a Alemanha, para os campos de refugiados, com manchetes fulminantes nos jornais: “Regresso ao país da morte”, dizia uma delas.

Os acontecimentos no Mediterrâneo, mostrados pelos noticiários cinematográficos de então, suscitaram enorme simpatia do público, particularmente nos EUA, onde a Grã-Bretanha era considerada o antigo regime colonial. A cobertura da imprensa foi uma catástrofe para Londres.
Para o comandante do navio, Ike Aronowitz, a decisão de Ernest Bevin de repelir o Êxodo foi um presente de Deus – “que nos enviou Ernest Bevin para criar um Estado judeu”.

Contra a imagem de um navio repleto de sobreviventes do Holocausto sendo espancados por soldados, a Grã-Bretanha teve de bolar uma complexa história, muito complicada para um público que queria um relato simples de vítimas e opressores.

Os britânicos falaram das necessidades da população árabe da Palestina. Um Estado judeu no Oriente Médio, feito contra a vontade dos habitantes nativos, não seria o final feliz para a trágica história dos judeus. Entretanto, o Êxodo foi fundamental para cimentar o respaldo, dado mais tarde, com a votação na ONU sobre a partilha da Palestina. A imagem do navio foi mais poderosa do que as advertências da chancelaria britânica ou dos apelos dos líderes árabes.

O ataque ao grupo de navios que transportava ajuda humanitária para Gaza deve ter despertado as memórias dos líderes de Israel e de seus militares. A visão dos políticos, diplomatas e das Forças Armadas tentando divulgar uma história mais complicada do que a de civis inocentes brutalmente assassinados por um ato de pirataria não impressionou o público.
Por mais que mostrem vídeos de ativistas atacando os soldados israelenses que abordavam os navios, não responderão à pergunta: o que os soldados estavam fazendo lá e por que os passageiros não deveriam se defender de quem os atacavam, exatamente como fizeram os refugiados em 1947?

Os argumentos políticos de Israel, de que a Faixa de Gaza é controlada pelo Hamas, da ameaça constante que paira sobre Israel, representada por Gaza, no sul, e pelo Hezbollah, no norte, apoiados pelo Irã, que ambiciona a bomba nuclear, caíram em ouvidos surdos.
Os argumentos de especialistas em leis marítimas, de que Israel estava em seu pleno direito de atacar o barco em águas internacionais, perdem diante da presença de peso, em outro dos barcos, do romancista sueco Henning Mankell, que arriscou sua vida para ajudar Gaza.
Os movimentos de solidariedade palestinos, até o momento, não atingiram a massa crítica da campanha contra a África do Sul do apartheid. Talvez, como o Êxodo, em 1947, os barcos de ajuda a Gaza possam atingir o ponto crítico da longa agonia do povo palestino quando a opinião pública indecisa finalmente se voltar contra Israel e todo o projeto sionista de uma pátria para os judeus.

Quando a simpatia do público é ultrajada por um ato definido, como um massacre, a solução das reivindicações rivais de árabes e judeus sobre a mesma parte do território não vêm ao caso.
Olhamos para trás, para o Êxodo, e pensamos se nossos pais e avós não deveriam ter agido de maneira menos emocional. Emoções são incontroláveis. A empatia pelos encarcerados em uma imensa prisão ao ar livre, submetidos a punições coletivas, derrotará as advertências dos especialistas. A imagem dos barcos rumando para Gaza ficará gravada na mente, quaisquer que sejam as consequências do ultraje coletivo.
TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
É AUTORA DE “AS PESSOAS COMUNS: VISÃO DE ISRAEL POR UMA ESCRITORA”Tags:

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