quarta-feira, 23 de junho de 2010

"Na forma da lei" ou "a cabeça do brasileiro"

“Na forma da lei” é a nova mini-série da Rede Globo. Dividida em quatro episódio, a minissérie, exibida às terças após o Casseta & Planeta, conta com um elenco acima da média. Ontem foi exibido o segundo episódio. O primeiro foi uma, digamos, citação de Law & Order. Mas já ali se insinuava o que ontem se confirmou: bons atores encenando um enredo pobre e caricatural. Os personagens têm a densidade de um pires de leite: bons de um lado (juízes, promotores, advogados e jornalistas, todos jovens e bonitos, obviamente); maus (mas bote maldade aí), do outro. E os maus, quem são? Of course, políticos. Melhor ainda, senadores e deputados.


E é um filho de um Senador, representado pelo Márcio Garcia, o pivô de tudo. Assassina friamente, e na frente dos futuros advogados, promotores, juízes e delegados federais, um estudante de direito. O motivo? Ciúmes. Ciúmes de uma estudante, que, passados alguns anos, é agora promotora de justiça. Cumpre à sempre ótima Ana Paula Arósio representar esse papel. E ela o faz com competência, em que pese a fraqueza estrutural do enredo.

O personagem do Márcio Garcia, como diriam os meus alunos, alopra. Manda matar desafetos e amantes pentelhas, além de comandar o esquema de recolhimento do caixa dois do pai...

Os atores do MAU, políticos corruptos e policiais venais, são bem melhores. Claro! Para chegar à essa conclusão você já deve ter abandonado a intenção de levar à sério a patuscada. O Senador parece imitação de alguém. Bueno, mas eu não tenho costas largas, e não agüento mais um processo judicial na minha vida, por isso, calminha aí, que eu não vou citar ninguém...

No episódio de ontem, a PF, ancorada em mandado judicial (of course!), faz escuta telefônica na casa de um deputado. Este, interpretado com genialidade, pelo Osmar Prado, é um comparsa meio patético do grande gênio da corrupção que é.., O SENADOR (pai do playboy assassino). No final, o deputado é morto a mando do filho do Senador, em uma ação orquestrada por um delegado da Polícia Civil. Coitada da Civil! Enquanto a FEDERAL é a base referente para os mocinhos, a Cível aparece como aliada do MAU...

Mas o maniqueísmo acima referido ainda não é o pior. O ruim mesmo é o sub-texto (será tão sub assim?): para enfrentar políticos corruptos, só a honestidade e a ética de jovens de classe média alta oriundas de uma tradicional faculdade de direito. É contra eles que, caricatural, discursa histriônico O SENADOR (Viegas, o nome da figura...). E, lá da tribuna, imitando certamente uma fala de alguém de esquerda, espinafra o “Quarto Poder”, a imprensa. Pronto! O cerco se fecha: a “imprensa livre” brasileira, sempre perseguida pela ânsia de controle e censura (da esquerda, vejam só!), é a aliada dos nossos heróis.

Sei não! Nos créditos, aparece um outro nome (Antônio Calmon?) assinando o roteiro. Cá no meu cantão provinciano, encharcado pelas chuvas que teimam em desabar sobre a esquina do Atlântico Sul, fico a pensar se o verdadeiro autor do enredo não é o sociólogo Alberto Carlos Almeida, o autor daquele petardo tão ruidosamente apropriado pela VEJA, cujo título cândido é “A cabeça do brasileiro”.

3 comentários:

Unknown disse...

Lendo seu comentário sobre o maniqueísmo existente na construção dos personagens da mini-série global, me veio a memória aquele interessante texto de Ralph Miliband – “Análise de classes” - publicado na obra “Teoria Social Hoje”, organizada por Giddens e Turner. De acordo com Miliband, a “classe dominante” é composta de elementos da chamada “elite do poder (grande empresariado e políticos profissionais) e de elementos de burguesia (classe empresarial de médio porte e a classe de profissionais liberais). A partir dessa análise de Miliband, eu fico sempre pensando sobre a leitura de Almeida sobre os males do Brasil (destaque para a corrupção dos “políticos”). Almeida e uma fração da classe média educada brasileira vive nomeando os “políticos” como o atraso de vida dos nossos trópicos. Mas nunca problematizam sobre os vínculos de classe desses supostos “capetas” da noção nação. De repente, o “político brasileiro” é um tipo humano único, sem “raiz” ou origem social. “Coisa-ruim” já nasce pronto, não é mesmo?! Ora, o que é Miliband vai nos dizer sobre os políticos profissionais? Primeiro que compõe a camada superior da classe dominante; e segundo, mais importante, é RECRUTADA da burguesia (para Miliband, a classe média também faz parte da burguesia); Ora, a mesma burguesia que se acha e é descrita por Almeida como portadora de valores éticos elevados e nobres como “honestidade”. Novamente insisto, agora sem recorrer a grandes abstrações teóricas: que tal reconstruirmos a trajetória de classe dos políticos e agentes administrativos envolvidos em grandes escândalos de corrupção do Estado. Ou melhor, qual classe ou fração de classe é responsável em sua maioria pelo fornecimento do corpo de especialistas na administração estatal mesmo? Um doce pra quem souber a resposta. Uma pista: é a mesma classe que faz e habita a cabeça de Almeida!

ps:É "Carlos Alberto Almeida"

Anônimo disse...

A mini-série é uma versão abrasileirada do Lei e Ordem. Achei muito legal sua associação com o Almeida. O seriado só falta terminar com uma palestra do midiático intelectual Roberto Damatta e a questão do jeitinho.

Abs

Daniel

Edmilson Lopes Júnior disse...

Caros,

vocês indicam elementos importantes para a discussão. Realmemte, é necessário manter acesa a chama da crítica. D contrário, resvalamos para essa vala comum das elaborações rente ao senso comum, mas com pretensões de verdade científicas.

Edmilson.