Republico artigo de autoria do Marcos Rolim. Se você freqüenta este blog, o Rolim dispensa apresentação. Se não, e é a primeira vez que nos honra com a sua visita, saiba que o Marcos Rolim é um ex-político (sim, é isso mesmo) e um analista do social e especialista em segurança pública. Além de ser professor universitário e jornalista.
GUERREIROS DA CERVEJA
Marcos Rolim
Jornalista
marcos@rolim.com.br
Este endereço de e-mail está sendo protegido de spam, você precisa de Javascript habilitado para vê-lo
Dunga tem recebido muitas críticas na crônica esportiva. Diante delas, fico sempre com a impressão de que não se trata do técnico, nem das partidas de futebol, mas da ideia que cada um tem sobre o futebol e sobre os modelos – sempre idealizados – do que seja “jogar bem”. Sim, é claro, Dunga poderia ter levado Ganso e Neymar, ao invés de, digamos, Josué e Grafite. Mas, convenhamos, isso não deveria importar muito diante do fato incontestável de que temos um time competitivo com o qual podemos ser campeões. Nem deveria obscurecer os méritos de Dunga na formação de um conceito que se desloca - até aqui vitoriosamente – em campo. Bem, mas esta não é uma crônica sobre futebol. Antes, penso que seja uma crônica sobre o silêncio.
O maior erro de Dunga não foi objeto de atenção dos comentaristas, nem produziu debate na imprensa brasileira. Refiro-me ao fato do técnico da seleção estar alugando sua merecida e respeitável imagem de “guerreiro” à venda de uma cerveja. Como se sabe, alguns dos titulares da seleção brasileira também foram contratados para este papel de garotos-propaganda de bebida alcoólica. Tivemos, aqui e ali, uma ou outra observação sobre o fato, mas nenhum debate. Tudo se passa como se fosse um episódio “normal”. Será? Penso que não. Ilana Pinsky, em artigo na Folha de São Paulo, chamou atenção para o fato de que 87% do merchandising e mais de 70% das propagandas da TV aberta de bebidas alcoólicas são veiculadas nos intervalos ou durante os programas esportivos. Só isso já seria preocupante quando se sabe, segundo estudos da Organização Mundial de Saúde, que os custos derivados do consumo de bebidas alcoólicas na América do Sul representam de 8% a 15% do total dos gastos com saúde pública, o que contrasta com o comprometimento médio de 4% dos orçamentos na área no resto do mundo. Bebe-se muito por aqui, então. Muito mais do que seria razoável. Mas quando associamos o consumo de bebidas alcoólicas à prática esportiva – e, especialmente, quando vinculamos simbolicamente nossas maiores conquistas e nossos ídolos no futebol ao hábito de beber – o que fazemos é aumentar o problema.
O consumo de bebidas alcoólicas no Brasil é um hábito firmado no público jovem – entre 18 e 29 anos – e se concentra muito entre os homens (78%). Não por acaso, então, as estratégias de marketing envolvem mensagens apelativas com mulheres (o que permite a associação entre desejo sexual masculino e bebidas) e esportes (destacadamente o futebol). A ironia é que o álcool deprecia as possibilidades de qualquer atleta e tende a transformar os mais ardentes sonhos sexuais masculinos em pesadelos patéticos. Mais do que isso, o consumo de bebidas alcoólicas está correlacionado fortemente à violência, ao sexo desprotegido e aos acidentes de trânsito. Tratamos, então, queiramos ou não, dos estímulos que a propaganda pode oferecer à morte. Mas o que é a morte diante de lucros bilionários e milhões em verbas publicitárias? Um brinde ao silêncio, então.
terça-feira, 22 de junho de 2010
Assinar:
Postar comentários (Atom)
2 comentários:
Acho que Rolim - e Pinsky também, aliás seu artigo foi publicado no blog de Kfouri e provavelmente lido por algumas centenas de milhares de pessoas - deram excessiva ênfase ao imaginário e não mencionoram a situação social em questão. Começando pelo dado bastante primário: os dias de jogo de futebol são não apenas os que concentram mais comerciais de cerveja, mas tb aqueles em que mais se consome cerveja. Certamente isto se deve menos à vinculação simbólica de bebidas alcóolicas à prática esportiva e mais à sociabilidade proporcionada por assistir conjuntamente uma atividade lúdica por duas horas. Muito cuidado com as metonímias... Para além do futebol, há o hábito de se sentar com amigos, podendo xingar bem alto por duas horas o locutor, os comentaristas, o juiz, os jogadores do outro time e os jogadores do seu time, tomando cerveja. A vinculação da cerveja é com o futebol, mas falando assim tornamos desnecessariamente misteriosos todos esses aspectos tácitos do que é o futebol na vida da maioria: assistir as partidas. Objetivamente, não se poderia esperar que as pessoas façam tudo isso de maneira sóbria, e a cerveja pilsen é um psicotrópico legalizado e barato. Em relação às demais bebidas alcóolicas, também é fraco.
Vejo como tergiversos os problemas apontados no texto (bebe-se muito e se associa bebida com prática esportiva)... Centrais são os padrões de consumo. Felizmente, a OMS disponibiliza vários dados. Ao citar o gasto com saúde devido ao álcool na américa latina, poderia se atentar para que o consumo de álcool per capita na América Latina é inferior ao da América do Norte e ao da Europa. Mas somos contemplados com a "most detrimental avarage drinking pattern" do planeta. Coisas como beber em espaços públicos, dirigir embriagado, beber a qualquer hora etc. Então seria mais interessante, ainda que certamente insalubre, se debruçar sobre a vastíssima literatura de "brasil", "modernidade", "público e privado", "casa e a rua" e outras coisas que podem ajudar a entender melhor porque tanta gente na américa latina acaba prejudicada pelo consumo de etanol.
PS: Grafith > Neymar.
O Guru aponta elementos importantes para a discussão. Muito embora eu ache que o foco do Rolim está correto: o alcoolismo é uma questão de saúde pública das mais graves de nosso país.
Talvez, será?, o Rolim force a barra (coisa de jornalista passional, talvez...) e analise unilateralmente os dados, ele não deixa de apontar para um questão relevante.
Agora, do ponto de vista (coisa de mané esse negócio de "ponto de vista", não é?) da ciência da sociedade, isto é, de uma análise rigorosa dos dados (mesmo quando eles teimam em destruir nossas proposições e desejos), o Guru colocou o dedo na ferida.
Postar um comentário