sexta-feira, 29 de abril de 2011

A sociologia da educação e a globalização

O artigo abaixo, publicado no último número da revista EDUCAÇÃO & SOCIEDADE, merece a atenção de todos quantos se preocupam com o ensino de sociologia.

A sociologia da educação e o Estado após a globalização*

Roger Dale

Professor da Universidade de Bristol (ESRC LLAKES Centre). E-mail: r.dale@bristol.ac.uk

Minha meta aqui é examinar tanto a relação entre a globalização e o Estado quanto à relação entre a globalização e a sociologia da educação. Sendo a primeira claramente mais importante, quero propor que os modos como a entendemos estão vinculados às ferramentas teóricas e metodológicas que usamos para chegar a tal compreensão. A questão fundamental é saber se a globalização representa "alguma coisa nova, distinta e diferente", uma quebra ou ruptura com o que veio antes, ou se se trata de uma continuidade, embora com diferenças bem drásticas em relação ao que conhecíamos antes. Para tratar essa questão, vou revisitar o meu livro The State and education policy (O Estado e as políticas educacionais), publicado 20 anos atrás (Dale, 1989), indagando o quanto a abordagem então adotada ainda é válida nas atuais circunstâncias, alteradas pela globalização, e que mudanças poderiam ser necessárias para ajudar o nosso entendimento sobre a relação entre globalização e educação.

Em The State and education policy, a essência do argumento era que o capitalismo não conseguia providenciar suas condições de existência extraeconômicas com os próprios recursos e, portanto, precisava do Estado para isso. Mais particularmente, enfrentava três "problemas centrais": garantir uma infraestrutura para a acumulação contínua e o desenvolvimento econômico, tal como a disponibilização de uma mão de obra diversamente qualificada; assegurar um nível de ordem e coesão sociais; legitimar as desigualdades inerentes ao sistema. Sempre argumentei que as soluções para esses problemas eram, provavelmente, tão mutuamente contraditórias quanto complementares (a maneira como os estudantes são separados em função das suas habilidades [streaming] é um bom exemplo disso: alega-se que melhora a identificação e o desenvolvimento da força acadêmica e, assim, contribui para o objetivo de acumulação, mas, ao mesmo tempo, é amplamente considerada como injusta e, portanto, como uma ameaça contra o objetivo de legitimação) e que as tentativas para resolver essas contradições constituem o fulcro das políticas educacionais. Essencialmente, esses problemas podem ser vistos como definindo os limites do possível para os sistemas educacionais, não no sentido de que exigem currículos particulares (o capitalismo mostrou que pode muito bem conviver com um leque de diferentes preferências e movimentos sociais, como o feminismo, por exemplo, e com uma ampla gama de sistemas educacionais distintos), mas no sentido de que estipulam o que não é do interesse do capital. Esses limites são dificilmente previsíveis e costumam ser reconhecidos apenas quando são rompidos, mas a sua realidade é reforçada pela crescente mobilidade do capital, a qual permite mudar rapidamente de regime educativo, caso se considere que este não oferece apoio suficiente.

Começarei afirmando que, na sociologia da educação, a maioria das respostas à globalização adota abordagens que veem uma "continuidade", não uma "ruptura". Nelas, a globalização é considerada como mais um efeito externo, possivelmente mais expressivo, sobre os sistemas educacionais nacionais. Existem dois problemas importantes com essas abordagens. Primeiro, o status explicativo da "globalização" lembra o do "fordismo", por exemplo, quando nos perguntávamos que mudanças acarretara para as escolas. Além do mais, existe, nessas abordagens, uma tendência a teorizar a globalização de modo muito frouxo, pois não faz distinções entre a sua representação como discurso: "é tudo globalização"; como processo (e geralmente como processo sem agente); como situação, como a "Mcdonaldização"; como convergência envolvente (mesmo se convergência do que e em que período é raramente especificado); ou, muito menos, como processo político, impulsionado por interesses particulares.

O segundo problema é o foco principal, nesses trabalhos, sobre os "efeitos" da globalização nos sistemas educacionais e nas escolas nacionais internas. Esta é obviamente uma questão importante, mas que, de modo algum, esgota as possibilidades da relação entre globalização e educação. Poderia, por exemplo, ser tomada como algo que implica uma relação exclusivamente "de cima para baixo" ou unidirecional entre a globalização e os Estados-nações. Contudo, esta não é, sem dúvida alguma, a única forma de relação; desvia, por exemplo, a atenção da possibilidade de efeitos em níveis outros que não o nacional (o que é estranho para uma abordagem intrinsecamente extranacional). Além disso, os próprios Estados (pelo menos os ocidentais), longe de serem vítimas mais ou menos indefesas da globalização, estão entre seus agentes mais fortes e são participantes condescendentes e conscientes ou parceiros na relação com os outros agentes da globalização (especialmente outros Estados, com os quais celebram acordos que a impulsionam). Além disso, existem outros quatro argumentos a respeito das questões teóricas e metodológicas envolvidas na abordagem "efeitos sobre". Primeiro, os próprios "efeitos" são muito mais amplos do que se costuma pensar. Em essência, limitam-se à primeira dimensão de poder de Lukes e influenciam as decisões a serem tomadas, tendo muito pouco a dizer sobre poder de agenda ou formação da preferência. Segundo, pode-se esperar que qualquer "efeito" seja diferente em Estados diferentes, e seja interpretado de acordo tanto com a concepção do supranacional vigente quanto com as próprias interpretações das agendas estabelecidas naquele nível; em outras palavras, o "nacional" e o "supranacional" devem ser problematizados. Terceiro, a relação entre escalas não se limita a "efeitos" de uma sobre a outra, mas pode mais efetivamente ser abordada como uma divisão de trabalho funcional, escalar e setorial (ver a seguir). E quarto: a abordagem tende a levar a tentativas de quantificação dos efeitos da globalização. De novo, nada há de errado nisso, mas, como sabemos, existe uma tendência, nessas abordagens, a ignorar qualquer coisa que não se possa quantificar.

A base do argumento da "ruptura" pode ser formulada muito brevemente: o estado atual da educação, como de outras instituições da modernidade, é fundamentalmente um reflexo de e uma resposta à natureza variável da relação entre capitalismo e modernidade. Ao desenvolver o argumento fundamental, sigo Boaventura de Sousa Santos, pois sugiro ser crucial, para entender os atuais predicamentos globais, distinguir as trajetórias do capitalismo (que se apresentam atualmente na forma da globalização neoliberal) e da modernidade e examinar as relações entre ambas. Como diz Santos,

A modernidade ocidental e o capitalismo são dois processos históricos diferentes e autônomos... [que] converteram-se e entrecruzaram-se (...). Estamos vivendo um momento de transição paradigmática e, consequentemente, o paradigma sociocultural da modernidade (...) desaparecerá provavelmente antes de o capitalismo perder a sua posição dominante (...). Esse desaparecimento (...) é simultaneamente um processo de superação e um processo de obsolescência. É superação na medida em que a modernidade cumpriu algumas das suas promessas, nalguns casos até em excesso. É obsolescência na medida em que a modernidade já não consegue cumprir outras das suas promessas. (2002, p. 1-2)

E continua o autor: "A modernidade baseia-se em uma tensão dinâmica entre o pilar da regulação (o qual garante a ordem numa sociedade existente em um determinado momento e lugar) e o da emancipação: a aspiração por uma boa ordem em uma boa sociedade, no futuro" (idem, p. 2). A regulação moderna é "o conjunto de normas, instituições e práticas que garante a estabilidade das expectativas" (ibid.); o pilar de regulação é constituído pelos princípios do Estado, o mercado e a comunidade (tipicamente considerados como os três agentes-chave da governança (ver Dale, 1997). A emancipação moderna é o "conjunto de aspirações e tendências opositivas que visam aumentar a discrepância entre as experiências e as expectativas" (ibid.). É constituída por "três lógicas de racionalidade (...): a racionalidade estético-expressiva da arte e da literatura; a racionalidade moral-prática da ética e do direito; e a racionalidade cognitivo-instrumental da ciência e da técnica" (p. 3). Contudo,

(...) o que caracteriza mais fortemente a condição sociocultural no início do século é o colapso do pilar da emancipação no pilar da regulação, fruto da gestão reconstrutiva dos excessos e dos déficits da modernidade, que (...) foram considerados (...) como deficiências temporárias, qualquer deles resolúvel através de uma maior e melhor utilização dos crescentes recursos materiais, intelectuais e institucionais da modernidade (...) [e] que tem sido confiada à ciência moderna e, em segundo lugar, ao direito moderno. (p. 4-5, 7)

Além do mais, esses dois pilares, hoje em dia, deixaram de estar em tensão e estão quase fundidos, como resultado da "redução da emancipação moderna à racionalidade cognitivo-instrumental da ciência e a redução da regulação moderna ao princípio do mercado" (p. 9). Podemos resumir esses argumentos propondo que significam que a modernidade não é mais o melhor invólucro possível para o capitalismo, em sua forma neoliberal global.

Além do mais, e igualmente crucial para o Estado, temos o desenvolvimento da forma política do neoliberalismo, geralmente chamada de Nova Gestão Pública, que tem como uma das suas características-chave o fato de, em conformidade com o neoliberalismo, não funcionar contra o Estado, mas através dele. Isso foi chamado de constitucionalização do neoliberal, por meio do "movimento para construir dispositivos legais ou constitucionais que ocultem ou isolem consideravelmente as novas instituições econômicas do exame popular minucioso ou da responsabilidade democrática" (Gill, 1992, p. 165).

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