A crise de gestão que assola a capital do RN transmuda-se em decepção e fúria não apenas contra a prefeita, mas contra toda a atividade política. Entre os mais pobres, a revolta se confunde com um vivo sentimento de traição. Já os setores de classe média, especialmente os mais jovens e plugados nas chamadas redes sociais, encontraram no “Fora Micarla” uma forma de extravasar a sua insatisfação não apenas com a administração da cidade, mas também de colocar para fora o seu estranhamento com uma cidade que se queda paralisada ante as consequências ambientais, de mobilidade urbana e de vida cultural secretadas pela dominação, quase sem contrapontos, dos potentados da incorporação imobiliária.
Esses mundos, entretanto, não se conectam. Os decepcionados com Micarla não assomam na frente do Midway para happenings políticos. Fermentam as suas dores nas bacias apolíticas do ressentimento. Também na hora de dizer não a uma gestão claudicante, Natal é uma cidade, como diria em fantástico livro Soraya Vidal, dividida por uma ponte (agora, duas).
O que há de comum, nos dois universos sociais, é, em que pese os happenings acima mencionados, um desencanto com a vida pública. Pobres, remediados e endinheirados sonham com soluções privadas. Da moradia à mobilidade. Da saúde à educação. E essa busca invade até as relações sociais. Apenas as relações íntimas são refúgios seguros para o recosto das sensibilidades maltratadas pelo abandono dos espaços públicos. E pela transformação do debate político local em uma rebaixada luta de bucaneiros pelo abocanhamento da maior parte do butim (os cofres públicos).
Quem quiser intervir com responsabilidade cívica em Natal, terá a difícil tarefa de conjugar a sensibilidade da paixão pela política cidadã com a busca criativa de meios de se conectar com as torrentes de cidadania que (ainda) podem emergir debaixo da crosta de apatia e melancolia que cobre de cinzas essa que sempre foi uma cidade do sol.
Não, não está dado que a saída do labirinto será para um amanhã mais luminoso. Ressentimento, apatia e sentimento de traição não deságuam sempre em iniciativas críticas e criativas. Pelo contrário! É nesses momentos que emergem nas disputas eleitorais os cacarecos e as suas escatológicas promessas.
Há que se reinventar a paixão pública em Natal. Os atores políticos, com raras exceções, contribuem muito pouco para isso. O debate sucessório municipal de 2012, cuja movimentação já começa a dar sinais, é exemplar. Não temos homens com ideias se mobilizando para uma disputa. Temos, isso sim, homens se mobilizando para uma disputa (a prefeitura de Natal) e catando, na rés do chão, onde vicejam a empulhação e o marketing, alguma ideia para ser vendida em 2012 ao distinto público.
O Deputado Fernando Mineiro, reconhecido como um dos melhores vereadores que Natal já teve e um parlamentar estadual competente, está tocando a sua pré-campanha. O PT parece que já se unificou formalmente em torno do seu nome, o que é alguma coisa. Mas isso é pouco. Muito pouco, na verdade. Para fazer frente ao momento político que a cidade vive, Mineiro precisa ser mais ele mesmo do que aquilo em que está se transformando, nesses dias, um político petista. Explico-me: Mineiro é um ator político singular, sério, competente e comprometido, mas também um homem sem papas na língua e sem nenhuma preocupação em fazer salamaleques e rapapés. É, nesse sentido, como alguém já falou por aí, um político muito pouco mineiro... Para alguns, é um defeito crasso; para mim, uma virtude que pode fazer a diferença.
Como assim não ser um “político petista”? Sim, é isso mesmo. Na média, como tipo ideal, o político petista é alguém que se adaptou às regras do campo político brasileiro. A mesma estrutura mental (para economizar o meu sociologuês, fiquemos com “isso”) une o petista de hoje ao seu adversário do DEM: “política é para profissionaiso”, repetem. E, no que diz respeito à gestão da vida pública, em todos os seus mínimos detalhes, há mais pontes do que muros os separando. Das formas de condução de uma campanha até a montagem da equipe de governo, pensam da mesma forma.
Mineiro é um dos poucos políticos de Natal que ainda pode se insurgir contra o que um poeta denominou “a força das coisas”. Não vai ser fácil, concordo. Ainda outro dia, conversando com um colega, petista defensor da candidatura de Mineiro, ele me dizia, lépido e fagueiro, com uma linguagem que fala por si só, o seguinte: “o deputado tem que deixar de frescura e ir lá dizer para os caras da construção civil que, com ele, o setor não vai ter os problemas que tiveram com o Carlos Eduardo”. Fiquei a pensar no que o gajo dizia. Como matuto que sou, fico matutando vagarosamente, e, tal qual certo personagem de um programa de humor, só consigo responder muito tempo depois. Quando o meu interlocutor já se foi, na maioria das vezes. Pois bem, matutando, matutando, eu pensei: “bom, mas, seguindo esse caminho, haverá algum ganho político real para a cidade e para a cidadania?”. Quem conhece Mineiro, e muitos o conhecem, sabe que ele não é disso. Mas é preocupante saber que tem gente, com alguma influência no universo petista natalense, que pensa assim.
Por isso, Mineiro precisa segurar a companheirada, atolada no pragmatismo, e deixar claro, desde já, que a sua campanha tem um sentido bem maior do que fazer mais um “governo de reconstrução”. Passar quatro anos consertando um desastre administrativo, com o orçamento público municipal engessado por empréstimos irresponsáveis por conta do conto do vigário da Copa, eis aí uma tarefa que só tem alguma justificativa se inserir em algo maior e mais substancial: o resgate do respeito próprio e da autoestima de Natal. Sim, é isso mesmo: respeito e autoestima. Sem isso, meus caros, não há como se falar em cidadania, projetos coletivos, bens públicos e tudo o mais que, em algum momento da caminhada, iluminou a alma de muitos de nós.
Mineiro não pode se apequenar e ficar restrito ao universo mental petista. Precisa ir além e dialogar com a cidade. Ouvir é fundamental. Levar a sério os interlocutores é não apenas escutá-los em silêncio, mas fazê-los perceber-se como produtores de narrativas e proposições que podem e devem ser incorporadas pelo candidato. Para tanto, Mineiro precisa deixar claro não apenas que vai “governar para toda a cidade”, mas também que o exercício de um governo do tipo que Natal exige e precisa só será possível se se resgatar a confiança da população com os seus quadros dirigentes. E é aí que se dará o seu rompimento com a mentalidade petista (geralmente, carregada de um viés instrumental do Estado e das instituições): o candidato deverá anunciar que incorporará em sua gestão quadros técnicos locais qualificados, mesmo oriundos de forças políticas que não o apoiaram.
A abertura para a diversidade de uma cidade que se tornou metropolitana sem ter nunca levado a cabo um ajuste cultural com essa mudança, essa uma postura que deve marcar, desde o começo, uma campanha que se oriente pela reinvenção da paixão pública nestas plagas.
Natal está a exigir um ator político que enfrente desafios hercúleos. Obviamente, esse ator não é um indivíduo. Mas um indivíduo pode articular forças e energias que deem vida a esse ator. Mineiro reúne essas condições. Ele tem caráter, coragem e competência para isso. Mas, sozinho, não irá muito longe. Precisa de braços e mentes que alimentem esse projeto.
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5 comentários:
Belo texto e reflexões, professor Edmilson,
O sentimento generalizado de indignação provocado pela gestão de Micarla amplificou os já fortes desencanto e ceticismo com a política. Como o professor parece sugerir, me parece acertado que a resposta a esse desencantamento não deve se pautar pelo par incompetência administrativa/discurso da competência. A racionalidade instrumental não reaviva a paixão pública capaz de sacudir o desencanto.
Se a aposta num decisionismo alá Weber seja, talvez, a melhor alternativa para movimentar uma vida política desgastada e minada em seus vínculos mais substantivos, tal não vem sem os conhecidos riscos. O certo é que Natal precisa urgentemente refazer suas possibilidades de condução política num sentido amplo.
Opâ, acabei postando estando logado na conta do google do meu irmão,
ass. Alyson Freire
boa ed! como as coisas andam e que nao andam, estão... só um mineiro mesmo pra se enfiar nessa mina e voltar da escuridão vivo. o cara é um dos poucos casos de profisional politico no sentido estrito do termo, pois ele faz muito mais boa politica que marketing e fortuna. ou isso ou as especulaçoes farão da cidade uma metropole fantasma de cabresto.
É meu caro Edmilson parece que o sentimento é generalizado mesmo, mas não apenas contra os gestores locais, mas com toda essa inversão de valores que parece pairar sobre nosso imenso rincão!!! Às vezes, até me questiono se não estamos vivendo um estado de anomia social. Talvez, em tempos idos vivêssemos esses mesmos problemas, ou até piores, mas em face do Estado de exceção, poucos tivessem essa percepção. Ainda mais agora que nossos heróis e heroínas são outros!! Que o diga Jaqueline Roriz!!!Comento um pouco sobre isso no meu blog:http://jbsbrown.blogspot.com/
Je t'embrasse moi amis!!!
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