Final de ano não significa abandonar as boas leituras. Antes pelo contrário. Nestes momentos, aceite ler somente o que é bom, de boa qualidade. Nada daquelas leituras obrigatórias e burocráticas. Por isso mesmo, aconselho-te a dedicar algum tempo ao texto abaixo. Esbanja qualidade analítica. Também com esses autores... Esperar o quê, não é? Vá, deixe de coisa, leia o texto. Foi publicado na REVISTA ESTUDOS FEMINISTAS.
Mulheres, negros e outros monstros: um ensaio sobre corpos não civilizados
Jonatas Ferreira e Cynthia Hamlin
Introdução
Na história do pensamento ocidental, mulheres, negros e monstros têm algo em comum: uma suposta proximidade com a natureza que configura a essência liminar de sua humanidade. Segundo tal forma de pensar, um espaço de civilização que se contraponha a essa proximidade deve ser forjado - um espaço em que, da segurança do mundo da cultura, seja possível objetivar e controlar esses seres fronteiriços. De fato, a constituição de um discurso civilizador abre-se em oposições fundamentadas na identificação de um hiato entre natureza e cultura: corpo versus mente, prazer versus razão, forma versus essência, matéria versus ideia etc. Assim, é comum que o discurso civilizador constitua as seguintes alternativas polares: a natureza alimenta, nutre e constitui nosso lugar dentro da existência; ao mesmo tempo, corrompe essa existência, sepulta-a, impõe-se ao homem1 civilizado como poder incontrolável, caótico, apavorante. A natureza é simultaneamente fecundidade e luto.
É importante considerar que o discurso civilizador não se estrutura exclusivamente em um dos polos dessa oposição, mas na arquitetura que coloca tais alternativas como algo inquestionável. Na prática, porém, tal discurso precisa excluir incluindo e incluir o outro sob o estigma da exclusão. É, portanto, da própria ambiguidade que deriva sua força, embora, paradoxalmente, seja tanto mais forte quanto menos ambíguo se mostre. É a constituição desses lugares que será investigado aqui. Em linhas gerais, nosso propósito é demonstrar como a ambiguidade diante da alteridade foi objeto de negociações distintas ao longo da história do Ocidente. Em particular, interessa-nos o modo como a constituição da sociedade moderna e de um discurso científico resultou em imagens monstruosas de alteridade, na produção discursiva de corpos considerados exóticos e, no limite, abjetos.
Inicialmente, consideraremos os elementos ambíguos que marcaram as representações culturais da mulher e do negro e que possibilitam sua caracterização como um/a Outro/ a monstruoso/a. Argumentaremos que o monstruoso aparece como o lugar da alteridade por excelência, um lugar que marca a fronteira entre criação e corrupção, ordem e caos, civilização e barbárie. Na sociedade medieval, em que a circulação dos corpos era restrita pela sua própria lógica econômica (o mercado tinha uma importância restrita, local),o monstruoso sempre esteve associado à ideia de circulação imprópria. Numa sociedade que se moderniza, a partir do comércio, da circulação de corpos e mercadorias, uma outra lógica civilizadora teve que ser concebida. Nesse sentido, argumentamos que o surgimento de um sistema de classificação taxonômico representou um primeiro passo legitimador do aumento da circulação de corpos e objetos transformados em mercadoria com o processo de expansão capitalista. Esse sistema de classificação, que constitui a baseda ciência moderna, representa uma ruptura. Para usarmos uma distinção semelhante àquela que Michel Foucault2 faz com respeito à loucura, diríamos que o monstruoso deixa de ser concebido, primordialmente, como objeto de julgamento moral e passa a ser explicado pela biologia.3 Distintamente do argumento foucaultiano, acreditamos que o elemento moralizante continuou claramente vivo, subjacente à explicação científica. Essa nova concepção do monstruoso, na exata medida em que se pretende científica, busca ocultar sua matriz valorativa, concebendo esses seres como espécimes naturais. A suposta isenção daquilo que se considera 'natural' é o ponto a partir do qual se essencializa uma explicação histórica e política. Tal naturalização é o equivalente moderno do ritual de exorcismo descrito no Martelo das feiticeiras: ao promover hierarquias raciais e de gênero e localizar o/a Outro/a do civilizado na base dessas hierarquias, a reflexão científica busca, ao mesmo tempo, neutralizar seus poderes, funcionando como o espelho que reflete a mirada do monstro sobre si mesmo. É justamente quando se percebe que esse olhar não é axiologicamente neutro que esse/a Outro/a monstruoso/a surge como um problema real cuja emergência e efeitos precisam ser explicados.
A fim de ilustrar nossos argumentos, efetuaremos um estudo de caso referente a Sara Baartman, mais conhecida como Vênus Hotentote. Baartman nos interessa porque representa uma convergência importante entre os principais pontos levantados aqui. Em primeiro lugar, além de mulher, é negra. Em segundo lugar, representa um caso extremo de constituição de identidade a partir do olhar do outro. Privada de sua própria voz e da perspectiva cultural de seu povo, sua identidade pessoal foi inteiramente subsumida à sua identidade social, fazendo dela uma espécie de significante vazio que reflete os valores dos grupos que a constituem como um tipo específico de sujeito. Por fim, ao ser submetida a três tipos de olhares distintos - a selvagem perigosa e amoral; o negro como raça biologicamente distinta e a heroína dos modernos movimentos sociais - a circulação de seu corpo, desde o século XIX, tem garantido a manutenção da lógica civilizatória europeia.
Corpos femininos, corpos negros, corpos ambíguos
Não é fortuito que algumas imagens culturais da mulher e do negro estejam ligadas à ideia de natureza como fecundidade e como luto. Por um lado, a mulher é vista como mãe santificada, mãe puríssima, caminho para a salvação. Seu corpo pode estar associado à fertilidade, àfecundidade, à virtude de possuir qualidades apotropaicas, isto é, capazes de afastar malefícios e desgraças. Esse é o caso, por exemplo, das Sheelas-na-Gig, imagens femininas esculpidas em igrejas e castelos medievais do Reino Unido e França, dotadas de certas qualidades mágicas, como promover a fecundidade e evitar a aproximação de maus espíritos mediante a exibição de suas genitálias.4 Ao mesmo tempo, a mulher é percebida como puta, agente do demônio, noturna, caminho para a perdição, 'vagina dentada', ausência de pênis. O corpo feminino é objeto de uma ansiedade fundamental e exemplos desse fenômeno são abundantes em várias culturas. Na Grécia clássica, Ulisses não teve de se defrontar com os encantos terríveis de Cila e de Caríbdis? Descrevendo a Roma de Nero, Petrônio, em Satiricon, não opôs os ternos cuidados maternos ao poder medonho de bruxas capazes de transformar com seu toque nefasto homens sãos em moribundos, crianças ternas em bonecos de palha?
Interessa-nos aqui não essas visões em sua parcialidade, mas a produtividade de sua ambiguidade, uma produtividade que se manifesta num misto de desejo, repulsa e necessidade de controle. E poucas representações do feminino encarnam essa ambiguidade de forma mais evidente do que a Vênus (Afrodite, para os gregos). A riqueza da imagem de Afrodite reside em suas representações múltiplas do feminino. Em sua origem, era uma deusa da fertilidade e sua ação se estendia a toda a natureza, plantas, animais e seres humanos. Em seguida, torna-se a deusa do amor, de suas formas mais nobres às mais degradantes. A Afrodite Urânia (ou Celeste) representa o amor puro, ideal; a Afrodite Genetriz (ou Nínfia) presidia os partos; a Afrodite Hetaíra (ou Porné, ou Pandemós) era a deusa da lubricidade, do amor venal, patronesse das prostitutas.5 Nas palavras de Jean Delumeau:
Essa ambiguidade fundamental da mulher que dá a vida e anuncia a morte foi sentida ao longo dos séculos, e especialmente expressa pelo culto das deusas-mães. A terra é o ventre nutridor, mas também o reino dos mortos sob o solo ou na água profunda. É cálice de vida e de morte.6
Com o negro ocorre algo semelhante. Se é comum encontrarmos discursos nos quais ele é apresentado como bom selvagem, força da natureza, alma dócil, pacífica, objeto de desejo, ele é, ao mesmo tempo, desregrado, macaco, lugar de vício, luxúria, repulsa. A docilidade e a intriga, por exemplo, amalgamam-se na descrição do caráter do africano que nos pinta Gilberto Freyre em Casa Grande e Senzala. De modo semelhante, o suicídio da negra Bertoleza, no Cortiço, de Aluísio Azevedo, é traduzido como a voz da natureza acuada, caos de sangue e tripas, escamas de peixe, a confirmação da legitimidade de sua condição subalterna, e, ao mesmo tempo, a negação radical dessa condição. Positiva ou negativamente avaliada, a proximidade que existiria entre negros, mulheres e a natureza é o que importa aqui. É a produção discursiva dessa proximidade que será objeto de desejo de controle e de ansiedade. Como lembra Homi Bhabha, a força ambígua do estereótipo, representada sobretudo pela necessidade de civilização e impossibilidade de civilização, merece nesses casos uma apreciação cuidadosa, já que
o estereótipo, que é sua [do discurso colonial] principal estratégia discursiva, é uma forma de conhecimento e identificação que vacila entre o que está "no lugar", já conhecido, e algo que deve ser ansiosamente repetido... como se a duplicidade essencial do asiático ou a bestial liberdade sexual do africano, que não precisam de prova, não pudessem na verdade jamais ser provadas no discurso.7
A ideia civilizadora no Ocidente implicou uma concepção idealizada do corpo e uma delimitação de espaços específicos de civilidade. Assim, o calor civilizado do corpo do jovem ateniense e a ágora complementam-se; um é extensão do outro. Para o ateniense bem-nascido, a "nudez simboliza um povo inteiramente à vontade na sua cidade, expostos e felizes, ao contrário dos bárbaros, que vagavam [cobertos] sem objetivo e sem a proteção da pedra".8 O corpo atlético do jovem guerreiro ateniense, símbolo de sua areté, situado dentro dos limites protetores da cidade, é capaz de desafiar a natureza. O homem grego busca exibir seu corpo como sinal pleno de distinção: o nu do atleta grego não é apenas uma ostentação cosmética, mas expressão de civilidade desse corpo. Em contraposição a isso, interessa-nos a frieza, a obscuridade, a lascívia como marcas de falta de civilidade dos corpos negros, femininos, monstruosos; interessa-nos os lugares ermos que eles ocupam.
Como mulher, negro ou monstro, o outro é aquilo que em princípio não deve circular, mas também aquilo que não pode deixar de circular, sob pena de privar o discurso civilizador da oposição que o funda: em sua feiura, desproporção, desordem, o monstro é o outro do civilizado. A estruturação de um discurso civilizador se opera no concreto dos corpos e nos caminhos traçados para a sua circulação. Civilizar significa aprender como os corpos devem trafegar e indicar esses caminhos - e por esse motivo o discurso civilizador não pode deixar de ser ambíguo, revelando um ocultamento fundamental: a possibilidade do retorno doolhar da natureza, da mulher, do negro, do monstro. Retorno que reflete a mirada civilizadora sobre si e que revela sua ansiedade essencial.
(...)
LEIA O TEXTO INTEGRAL AQUI.
quinta-feira, 29 de dezembro de 2011
A luta de Lula
Lula fará radioterapia a partir de janeiro. É a luta contra o câncer. Daqui, deste cantinho, toda a torcida do mundo para que o ex-presidente vença mais esta díficil batalha.
terça-feira, 27 de dezembro de 2011
De como a Prefeita Micarla derrotou Nelson Rodrigues
Todas as pesquisas de opinião indicam que a Prefeita de Natal, a verde Micarla de Sousa, teria, caso as eleições municipais ocorressem hoje, algo em torno de 2% das intenções de votos. Fico a indagar aos meus cansados botões sobre a identidade social desses raros eleitores da ex-borboletinha: qual a sua configuração? a que chão social estão vinculados?. Ou, mais aterrador ainda, será que eles existem mesmo?
Minha tese (pois é, Micarla merece tese!) é a de que, por caridade, algumas pessoas dizem que vão votar na borboletinha, apenas por compaixão. Há quem diga que os eleitores da borboletinha são os militantes do POR (Partido Operário Revolucionário). Pois é, os caras são tão de esquerda, mas tão de esquerda que foram contra o FORA MICARLA, pois, segundo as suas sofisticadas interpretações, tal movimento fortaleceria "forças conservadoras". Parece piada, mas não é...
Bom. Mas o interessante é que Micarla derrotou uma grande tese: a de que toda unanimidade é burra. Pobre Nelson Rodrigues! O grande jornalista não viveu para assistir a realidade derrotar sua mais cantada proposição. E, mais, a realidade que emerge de um fracasso político na esquina do Atlântico.
Minha tese (pois é, Micarla merece tese!) é a de que, por caridade, algumas pessoas dizem que vão votar na borboletinha, apenas por compaixão. Há quem diga que os eleitores da borboletinha são os militantes do POR (Partido Operário Revolucionário). Pois é, os caras são tão de esquerda, mas tão de esquerda que foram contra o FORA MICARLA, pois, segundo as suas sofisticadas interpretações, tal movimento fortaleceria "forças conservadoras". Parece piada, mas não é...
Bom. Mas o interessante é que Micarla derrotou uma grande tese: a de que toda unanimidade é burra. Pobre Nelson Rodrigues! O grande jornalista não viveu para assistir a realidade derrotar sua mais cantada proposição. E, mais, a realidade que emerge de um fracasso político na esquina do Atlântico.
segunda-feira, 26 de dezembro de 2011
As pessoas de quem eu gosto
LA GENTE QUE ME GUSTA…
Mario Benedetti – Uruguay
Me gusta la gente que vibra, que no hay que empujarla, que no hay que decirle que haga las cosas, sino que sabe lo que hay que hacer y que lo hace.
Me gusta la gente con capacidad para medir las consecuencias de sus acciones, la gente que no deja las soluciones al azar.
Me gusta la gente justa con su gente y consigo misma, pero que no pierda de vista que somos humanos y nos podemos equivocar.
Me gusta la gente que piensa que el trabajo en equipo entre amigos, produce más que los caóticos esfuerzos individuales.
Me gusta la gente que sabe la importancia de la alegría.
Me gusta la gente sincera y franca, capaz de oponerse con argumentos serenos y razonables a las decisiones de un jefe.
Me gusta la gente de criterio, la que no traga entero, la que no se avergüenza de reconocer que no sabe algo o que se equivocó.
Me gusta la gente que, al aceptar sus errores, se esfuerza genuinamente por no volver a cometerlos.
Me gusta la gente capaz de criticarme constructivamente y de frente, a éstos les llamo mis amigos.
Me gusta la gente fiel y persistente, que no desfallece cuando de alcanzar objetivos e ideas se trata.
Con gente como ésa, me comprometo a lo que sea, ya que con haber tenido esa gente a mi lado me doy por bien retribuido.
Mario Benedetti – Uruguay
Me gusta la gente que vibra, que no hay que empujarla, que no hay que decirle que haga las cosas, sino que sabe lo que hay que hacer y que lo hace.
Me gusta la gente con capacidad para medir las consecuencias de sus acciones, la gente que no deja las soluciones al azar.
Me gusta la gente justa con su gente y consigo misma, pero que no pierda de vista que somos humanos y nos podemos equivocar.
Me gusta la gente que piensa que el trabajo en equipo entre amigos, produce más que los caóticos esfuerzos individuales.
Me gusta la gente que sabe la importancia de la alegría.
Me gusta la gente sincera y franca, capaz de oponerse con argumentos serenos y razonables a las decisiones de un jefe.
Me gusta la gente de criterio, la que no traga entero, la que no se avergüenza de reconocer que no sabe algo o que se equivocó.
Me gusta la gente que, al aceptar sus errores, se esfuerza genuinamente por no volver a cometerlos.
Me gusta la gente capaz de criticarme constructivamente y de frente, a éstos les llamo mis amigos.
Me gusta la gente fiel y persistente, que no desfallece cuando de alcanzar objetivos e ideas se trata.
Con gente como ésa, me comprometo a lo que sea, ya que con haber tenido esa gente a mi lado me doy por bien retribuido.
Um artigo de Mauro Khoury
O Professor Mauro Khoury (UFPB) dispensa apresentações. É, como diriam os meus alunos, um JEDI. Por isso, quando ele publica um novo trabalho a gente corre atrás e socializa com vocês. Confira abaixo trechos de um texto publicado na revista portuguesa SOCIOLOGIA, PROBLEMAS E PRÁTICAS.
Protestos rurais em Pernambuco, Brasil: 1964 a 1968
Mauro Khoury
Introdução
Este artigo passa em revista os protestos sociais ocorridos na Zona da Mata pernambucana,[1] Brasil, entre os anos de 1964 a 1968. Tem o foco na reestruturação do movimento sindical rural no Brasil pós-1964. A análise incide em uma região, onde a agroindústria açucareira predomina desde a época da colonização no país, e onde o sindicalismo rural caracterizou-se, desde o início, como um dos mais importantes do país.
É um artigo descritivo que retrata os acontecimentos dos primeiros anos após o golpe militar, através da análise do sofrimento social dos trabalhadores rurais e dos mecanismos políticos, sociais e econômicos que levaram os trabalhadores a uma mobilização permanente e a protestos sociais. E como este clamor foi sentido, compartilhado ou rechaçado pelo movimento sindical rural, e como o próprio regime ditatorial reagiu a estes acontecimentos.
A repressão logo após o golpe esfacela os movimentos sociais e políticos no campo e na cidade brasileiros. Em Pernambuco, a repressão recai sobre dois movimentos sociais significativos, as ligas camponesas e os sindicatos rurais, que são desarticulados. As ligas camponesas postas na ilegalidade e destruídas, e os sindicatos, embora poupados enquanto instituição, repensados e repostos a funcionamento sob um rígido controle estatal.
A necessidade de poupar a instituição sindical provinha do fato de a estrutura sindical brasileira já conter em sua legislação as formas de sua submissão ao controle, fiscalização e condicionamento estatal. Precisando apenas de ajustes para tornar a legislação sindical brasileira em uma das mais arbitrárias do mundo.
A legislação sindical tornou-se um aparelho de coerção, e os sindicatos veículos manipuláveis para uma possível legitimação passiva, tanto quanto agenciadores da economia política do Estado junto aos trabalhadores. Aos sindicatos estaria destinado o papel de “agente mediador” entre Estado e trabalhadores.
A ação de mediação é exercida através dos mecanismos de persuasão, coerção e manipulação das reivindicações e lutas dos trabalhadores, cabendo aos sindicatos a busca de manutenção da ordem às bases. O que os fazia agir no sentido de esvaziar pressões coletivas, encobrindo sua função como órgão de representação dos trabalhadores. Em troca dessa mediação o Estado se comprometia a concretizar programas de ação de cunho assistencial destinados aos trabalhadores.
O Estado assumia algumas reivindicações caras ao movimento, através do controle da instituição sindical e pela ação de mediação a ela conferida nessa troca. Ao assumi-las e transformá-las, as remetia aos trabalhadores via sindicatos, de forma paternalista, como forma de amainar tensões sociais. A rede sindical servia como agente apaziguador de tensões e de um veio de ação estatal.
O Estado ao se comprometer com o movimento sindical conclamando a participarem juntos na reformulação de reformas sociais, entre elas a reforma agrária (Castelo Branco, 1966: 264), estabelece a contradição. O movimento sindical rural como colaborador e agente do Estado junto as suas bases, e como fonte de pressão para execução pelo Estado dos compromissos assumidos de reformas sociais.
Na Zona da Mata, esta contradição se esclarece pelo envolvimento do clero católico com o movimento sindical rural, nos anos pré-golpe, e pela participação do clero no conjunto de forças envolvidas no golpe.[2] Nesse enlace, o clero pôde desenvolver um movimento de reação às ligas camponesas e ao movimento sindical rural de esquerda, que se iniciava e se desenvolvia em Pernambuco.
A entrada do clero no campo foi equipada por estudos, assistência técnica e política no intento de possibilitar um projeto coerente e contrário aos movimentos presentes, e como uma alternativa a proposta política das ligas de uma “reforma agrária na lei ou na marra”. Os estudos sobre a questão agrária e a reforma agrária do IBAD (1961) e do IPES (1964), e a assistência técnica e monetária da CLUSA e da USAID-Aliança para o Progresso para o Cooperativismo e o Sindicalismo Rural foram reforços significativos à expansão do movimento sindical rural católico e de sua plataforma política em Pernambuco.
O principal eixo da construção política da plataforma sindical do clero se assentava na idéia de colaboração entre classes. Colaboração baseada em garantias junto ao patronato[3] e ao Estado de cumprimento e legalização dos direitos do trabalhador rural. Essa idéia de “direitos” permearia, após o golpe, toda a estratégia organizativa da estrutura sindical rural em Pernambuco, seja no apoio ao golpe, seja no processo de cisão e cobranças do sindicalismo e do clero ao Estado e ao patronato pelo não cumprimento do conjunto de garantias motivadoras da aliança e compromisso com o Estado autoritário no país (Koury, 1983; Sigaud, 2001; Rosa, 2006).
A aprovação do Estatuto do Trabalhador Rural em 1963 foi vista como um grande passo no processo de cidadania rural e na garantia dos direitos trabalhistas. Restava pressionar o patronato rural, através da lei, para que o mesmo cumprisse a exigência da lei e efetivasse a cidadania e os direitos do trabalho. O patronato na agroindústria açucareira era visto como um problema, talvez o principal, pelo clero, à garantia dos compromissos da aliança sindicalismo e Estado. Os atritos com o patronato durante os primeiros anos do golpe seriam avaliados em depoimentos e relatórios, pelo clero, como a causa principal da perda de confiança dos trabalhadores no papel do sindicato e das possibilidades de aliança com a legislação trabalhista e com o Estado em seu conjunto.
O patronato era acusado de mentalidade retrógada, que tornava turva sua visão da importância da ação sindical e do cumprimento da legislação trabalhista rural. Na avaliação do clero, o patronato, acostumado a ser dono dos seus trabalhadores e de suas famílias, dentro dos tradicionais e velhos laços do latifúndio, não conseguia enxergar em longo prazo e boicotava a organização sindical dos trabalhadores rurais e o trabalho dos sindicatos de pressão e garantia dos direitos para as suas bases… (Sorpe, 1965)
O que significava que os sindicatos rurais “católicos” se encontravam de mãos amarradas e tenderiam a perder terreno a qualquer outra tendência presente no movimento (depoimento do padre Crespo, em Tamer, 1968: 135-136). O padre Crespo se referia ao crescimento das esquerdas no campo nos primeiros anos da década de 1960, e de como o clero estreitou laços com setores que tramavam o golpe militar. Referia-se, também, aos acordos construídos na aliança e as dificuldades com o patronato na Zona da Mata. Dificuldades que só pioraram com o advento do golpe, pela violência nas relações com os sindicatos e em relação à ação pelos direitos dos trabalhadores.
A importância de uma contraproposta a proposta de reforma agrária das ligas não se reduzia unicamente à vontade de esvaziar politicamente o movimento, mas na procura de “modernizar” a estrutura agrária do país. A contraproposta de modernização agrária se colocava como uma das demandas urgentes à quebra dos redutos de conservadorismo e das barreiras à mudança cultural dos latifúndios (IBAD, 1961: 181). Entre 1961 a 1964, o IBAD e o IPES compuseram um programa de modernização do campo e de reforma agrária que deveria ser executado logo após a derrubada do regime constitucional do país.
A modernização da estrutura agrária era uma de suas principais metas, como contenção das áreas de tensão no campo, onde os movimentos sociais ganharam forte expressão política, e como possibilidade de refrear o bloco agrário no processo hierárquico de composição do poder político do Estado, consolidando a burguesia industrial associada como bloco hegemônico.
Após o golpe esta seria uma das áreas de atrito com o Estado, pelas dificuldades de programar as reformas necessárias à modernização das relações no campo, e pelo peso da aliança do Estado com os chamados latifundiários, impondo limites ao avanço da questão agrária no país. Para o clero, junto com setores remanescentes do IBAD-IPES que pensavam a questão agrária no país, a reformulação da estrutura agrária se fazia imperativo no processo de modernização do país.
Os setores de origem ibad-ipesiana envolvidos com a questão agrária, logo após o golpe militar, se organizaram como grupos de pressão junto ao governo federal para levar à prática o programa de reformulação da estrutura agrária por eles proposto. Junto a estes setores estava o clero católico: a CNBB no plano nacional e os setores ligados ao movimento sindical rural em Pernambuco. Como grupos de pressão conseguem, nos primeiros meses do golpe, o encaminhamento do projeto de lei que evidencia o “Estatuto da Terra” e sua posterior aprovação pelo Congresso Nacional, sendo transformado em lei, de número 4.504, em 30 de novembro de 1964. Esta lei engloba a reforma agrária e a política para o desenvolvimento rural.
O Estatuto da Terra encontrará forte reação do lado mais conservador agrário, também participante da aliança que tornou possível o golpe militar. Esta reação criou uma barreira eficaz à implantação do conteúdo da lei, e de todo e qualquer programa de reforma da estrutura agrária, mostrando o seu poder de influência junto ao Estado, e abrindo um leque de questionamentos dos setores de origem ibad-ipesiana e da igreja católica envolvidos com a questão agrária e a modernização do campo. O que causou tensões e, em alguns momentos, conflitos com o Estado.
Estas tensões e conflitos no interior da base aliada criaram arestas, compelindo o Estado a ampliar a rede sistêmica de coerção e controle. Esta ampliação da coerção objetivava a diminuição das pressões dos grupos aliados sem, contudo, se desfazer do apoio político deles. Segundo Silva (1971), o Estado autoritário no Brasil, após os primeiros atritos da base aliada, procurou manter a coalizão e apoio dos dois grandes blocos, o agrário e o industrial, ao mesmo tempo em que procurava uma maior abertura ao capital multinacional e a ampliação do seu poder de influência na economia nacional. Nesse jogo procurava, sob sua mediação, subordinar o bloco agrário e o industrial ao capital internacional e promover as mudanças necessárias à modernização capitalista no país.
O Estatuto da Terra, no jogo de acomodações internas dos grupos no poder, seria paulatinamente esvaziado e o conceito de reforma agrária no seu interior redefinido. Os processos de esvaziamento e redefinição foram se fazendo na dinâmica interna dos conflitos entre os grupos no poder, de sua acomodação, e da possibilidade de ampliação da modernidade agrária e do controle do trabalho no campo.
O jogo de acomodações e o crescente esvaziamento e redefinições no Estatuto da Terra, associado ao desrespeito do patronato rural aos direitos trabalhistas no campo causaria, entre os anos de 1964 a 1968, tensões entre a igreja e o Estado, gerando atritos e questionamentos da relação entre o sindicalismo rural e a política econômica e social do governo.
Os atritos não significavam uma cisão entre o clero e o Estado, mas sim, estranhamentos e cobranças dos compromissos de reformas assumidos e não executados. No interior do movimento sindical, esses questionamentos denotaram atitudes de cobranças, a partir das reivindicações da base, frente à ação do patronato e da burocracia estatal.
Após 1964, o clero foi indicado para administrar o movimento sindical rural em Pernambuco, e procurou amainar a repressão patronal aos trabalhadores, sobretudo os ligados ao movimento sindical, e pressionar o governo para implantação das reformas sociais para o campo. A intransigência do patronato em não permitir a mediação sindical nas questões do trabalho rural, e reprimir violentamente qualquer mobilização dos seus trabalhadores e perseguir as lideranças sindicais a partir da base, associada ao clima de insegurança vivido pelos sindicatos e sindicalistas, fragiliza ainda mais a estrutura sindical e afasta os trabalhadores do movimento.
A crise periódica da agroindústria em Pernambuco complicava, também, a vida dos trabalhadores, com o atraso do pagamento dos salários por meses a fio, associado ao impedimento do plantio de lavoura de subsistência e a uma política de expulsão dos trabalhadores permanentes.
Esses fatores em conjunto dificultavam as relações de trabalho no campo, e complicavam as relações entre sindicato e igreja, e as relações entre os trabalhadores e a estrutura sindical. Essas dificuldades e complicações faziam com que a estrutura sindical rural vivesse uma ambivalência nas suas ações e atitudes: amedrontar-se e buscar desestimular ações reivindicativas de suas bases, e/ou procurar meios de comprometer o Estado à execução dos compromissos com as reformas sociais no campo. Essa ambiguidade se ampliava ainda, na medida em que a luta pela aplicação do Estatuto da Terra e do Estatuto do Trabalhador Rural significava, também, a transformação paulatina da mão de obra permanente em temporária, e a expulsão dos trabalhadores permanentes para a periferia das cidades.
Sem força política e poder de representação, sobrava aos sindicatos sobreviver à sombra desta ambiguidade, aumentando o distanciamento dos trabalhadores sujeitos ao desmando do patronato. Aos sindicatos e à estrutura sindical restavam os mecanismos de apaziguamento e controle de tensões, sob promessas de resoluções encaminhadas via Estado. Órgão de mediação entre trabalhadores e o Estado, o sindicalismo rural entrava em contradição consigo mesmo. Contradição não resolvida, de ser “em tese” órgão de representação dos trabalhadores, e ser “na prática” um órgão de controle das aspirações desta mesma classe. Contradição acentuada quando os compromissos assumidos pelo Estado tendiam a ser desrespeitados e engavetados, tornando-se fontes de tensão e pressão para a sua legislação e execução.
As pressões pelo cumprimento do Estatuto da Terra, ou pela execução da lei dos dois hectares, bem como as reivindicações trabalhistas que, de uma forma ou de outra, chegavam aos sindicatos rurais, as mediando através da burocracia jurídica, podem ser exemplos desta contradição vivida pela estrutura sindical no campo. O caso exemplar pode ser visualizado na atuação do sindicato dos trabalhadores rurais do município do Cabo, na Zona da Mata Sul,[4] o qual trouxe a si as reivindicações trabalhistas e sociais vindas da base e abrigou movimentos de greve, cuja face potencialmente política se manifestou na greve geral dos trabalhadores do Cabo no ano de 1968.
Relatar e analisar esses movimentos de greve entre os anos de 1965 a 1968 é o objetivo central deste artigo.
Os movimentos de greve
Discutir os focos de reivindicações e os movimentos de greve surgidos em Pernambuco no período remete à discussão da contradição vivida pela instituição sindical no pós-1964, entre ser órgão de colaboração com o Estado e de representação de classe. O momento do golpe é importante para a compreensão do panorama em que se debatia o sindicalismo rural após sua instauração. Embora a legislação sindical brasileira seja arbitrária desde a sua origem, o sindicalismo rural se originou e expandiu em um momento da história política do país em que a questão agrária virou luta pela ampliação da cidadania ao homem do campo. Os movimentos sociais no campo eram uma força política significativa, e lutavam por direitos a reformas sociais, por melhores condições de vida e trabalho. O sindicalismo rural e as ligas camponesas eram canais de expressão e organização na busca da ampliação da cidadania e da visibilidade política do homem do campo.
Com o golpe e a perseguição política e a violenta repressão dele advindas, pulverizou-se os sonhos e lutas camponesas. As ligas foram exterminadas e a experiência sindical rural foi redefinida. Nessa redefinição, a estrutura sindical passou ao controle do Estado sob a administração do clero, e assumiu o papel de mediador. Tornou-se um veículo de legitimação das ações governamentais e um órgão primordialmente apaziguador de tensões e de colaboração com o Estado. Fato que, inicialmente, parecia se adequar aos planos do clero, centrado na pacificação das tensões sociais no campo nas relações capital e trabalho, e no conceito “cristão” de colaboração entre classes como fundamento da paz e da harmonia sociais.
Na Zona da Mata, as funções de colaboração e de apaziguamento de tensões irão medrar a maior parte das ações sindicais no período estudado. Quando existiam pressões dos trabalhadores para uma ação de defesa das reivindicações e dos direitos trabalhistas e de permanência na terra, a função de colaboração e de órgão apaziguador de tensões se tornava mais visível. Enfatizava a contradição da estrutura sindical ao não encontrar soluções do Estado para as situações que levaram a mobilização dos trabalhadores, o sindicalismo buscava a desmobilização, ou pressionar o Estado para apresentar alternativas que pudessem acalmar os ânimos, dizendo-se sem forças para contenção sozinho das bases.
Em 1965 uma grande crise na agroindústria de Pernambuco levou a maior parte dos seus municípios a decretarem “situação de calamidade pública” pelos meses de atraso no pagamento dos salários dos trabalhadores, que ameaçavam invadir as cidades em busca de comida; ao lado do esmorecimento do comércio local pela não circulação dos salários nos armazéns e lojas. Hordas de desvalidos perambulavam pelos municípios da região movidos pela fome e pela ampliação do desemprego rural. Com a desculpa da crise, o patronato pressionava o governo para novas verbas e, ao mesmo tempo, usando o mesmo argumento da crise expulsava grande contingente de “permanentes” dos engenhos e usinas.
Os sindicatos da região, pressionados pelos acontecimentos, solicitam apoio da Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Pernambuco (Fetape). A Fetape por sua vez, através de um memorial escrito sob a supervisão do Sorpe e enviado ao “presidente Castelo Branco”, segundo o Diário de Pernambuco, de 15 de novembro de 1965, alerta para a gravidade da crise e solicita ajuda para contornar “o mais rapidamente possível a situação em que se encontravam os trabalhadores” dos municípios atingidos, “sob o perigo de ser decretada uma greve geral na agroindústria açucareira do Estado”.
Alerta que os sindicatos e a federação não tinham meios para o controle dos trabalhadores, e que o perigo de paralisação iminente teria um caráter espontâneo e independente de qualquer interferência sindical. E concluía o memorial com os seguintes termos:
Como compreendemos que uma greve geral paralisaria toda a atividade açucareira com graves reflexos na economia nacional, solicitamos aos nossos companheiros sindicalistas que implorassem junto às suas bases para dar um crédito de confiança a V. Exa. e ao seu governo, pois, sabedor destas tristes ocorrências V. Exa. tomaria imediatas providências no sentido de resolver o impasse.
Ao denunciar as arbitrariedades vividas pelos trabalhadores e pressionar o Estado para uma solução, a Fetape e os sindicatos envolvidos na crise procuram manter o compromisso com os trabalhadores e assumir o seu papel de órgão de classe representando suas bases. Mas, de forma concomitante, esta ação de denúncia e pressão institucional, através de um memorial, evidencia o papel a eles atribuído pelo Estado de órgão apaziguador de tensões, quando invita as bases para um voto de confiança ao governo federal, na tentativa de desmobilização de uma possível greve geral pela fome e desespero dos trabalhadores.
A pressão e o cobrar uma solução do governo federal se torna, apenas, uma satisfação na impossibilidade de evitar uma possível greve geral espontânea dos trabalhadores. Afirma a necessidade da ajuda do Estado para solucionar a crise da agroindústria, e amplia o grau de desespero e desamparo dos trabalhadores nela envolvidos.
Não se quer supor, aqui, que os sindicatos rurais e a Fetape não estivessem sensibilizados com a situação dos trabalhadores na crise, mas sim demonstrar as dificuldades do sindicalismo e o compromisso com o Estado, que se colocavam acima das questões de representação de classe. O papel de mediação entre os trabalhadores e o Estado tornava visíveis estas “dificuldades” e mostrava a ambiguidade do movimento sindical, entre ser um órgão de classe, quando utilizava a sua função de representação de classe para “alertar” o governo da grave crise e solicitar sua intervenção; e o seu papel de colaboração, afirmando a sua impossibilidade para desmobilizar uma possível greve geral, e solicitando ao Estado ação urgente para a resolução, mesmo que momentânea, da crise. A função de representação de classe sendo subsumida pela função de colaboração com o Estado no controle dos trabalhadores.
Neste duplo jogo de representação e colaboração o sindicalismo rural procurava sobreviver, no interior de uma política de apoio ao Estado, movida pelo clero que o protegia, e uma crise permanente de que se aproveitava o patronato para protelar dívidas trabalhistas e expulsar contingentes de trabalhadores de suas terras, aumentando a miséria e o desamparo. Fato que refletia o refluxo político do movimento dos trabalhadores, sem condições de impor uma representação consistente do aparelho sindical, e a cultura do medo instalada pela repressão advinda do recente golpe.
Os canais de representação permitidos pelo Estado ao sindicalismo eram os da mediação, apaziguamento e colaboração. O medo de represálias, e a própria ideologia confusa dos dirigentes sindicais que assumiram os sindicatos como interventores ou “indicados” pelo clero após o golpe, os impedia de estimular a mobilização dos trabalhadores à greve. A “lei de greve”, como o decreto-lei n.º 4.330, de 1.º de junho de 1964 ficou conhecido, serve aqui como um exemplo dessa função e limitação do sindicalismo rural no pós-golpe.
O processo lento e burocrático estipulado pela “lei de greve”, mesmo se os sindicatos rurais procurassem encampar as reivindicações dos trabalhadores e o movimento paredista dele decorrente, de forma legal, encontraria o efeito contrário ao desejado. Primeiro, porque os prazos exigidos pela lei, para se chegar até a greve tornava-se missão burocraticamente longa, saindo das mãos dos sindicatos e trabalhadores para as mãos do Ministério do Trabalho (MT), através das Delegacias Regionais do Trabalho (DRT) e Tribunais Regionais do Trabalho (TRT). Segundo, o movimento tende a se isolar por unidade de produção: usina x, engenho y, e assim por diante, fragmentando e dificultando uma organização paredista geral, e isolando cada unidade de produção, ou mesmo cada indivíduo, em suas reivindicações específicas no contexto da burocracia em que juridicamente se vê envolvido o sindicato. Alguns exemplos podem ser vistos em Koury (1976). As DRT e TRT assumem assim, de uma forma indireta, a liderança do movimento, se tornando porta-vozes de um processo de conciliação entre os trabalhadores e empregadores, e da luta pelos direitos, vistos como burocráticos e desmobilizantes.
Esse problema é sentido em Pernambuco entre 1966 a 1968. A Fetape era contrária, no momento, por medo de repressão, a qualquer tipo de manifestação e mobilização “camponesa”. Quando solicitada a ajudar, se colocava como um agente desmobilizador e procurava encaminhar as reivindicações para o setor jurídico. Muitas vezes comunicando as “autoridades locais” — governador, prefeitos, comandos militares e até o governo federal — de qualquer possibilidade de insatisfação coletiva dos trabalhadores, e alertando os sindicatos do perigo de caminhar para uma greve e os cuidados que deveriam ter com agentes externos ao movimento. Neste período a federação enviou diversos ofícios às autoridades militares sobre a “infiltração” de estranhos nos sindicatos e nas unidades de produção da Mata pernambucana, e outros tantos alertando os sindicatos rurais da região sobre o perigo desta influência (Diário de Pernambuco e Jornal do Comércio, 1965 a 1968).
Em novembro de 1966 o sindicato rural do Cabo marcou uma assembléia geral e, contrariando a Fetape, decidiu assumir as reivindicações dos trabalhadores sob sua jurisdição e encaminhar um processo de greve, contrariando o pároco do Cabo, o padre Antônio Melo.[5]
Este processo de greve segue todos os requisitos da “lei de greve”. Como primeiro passo, anuncia nos grandes jornais do Estado a data, hora e local da assembléia nos prazos exigidos pela legislação.
Após a realização da assembléia geral e da decisão pela greve, a direção do sindicato encaminha ofícios notificando os empregadores e a DRT da decisão de greve na agroindústria canavieira do município. Esta primeira fase da “lei de greve” é terminada e se espera as decisões do delegado regional do trabalho junto ao MT sobre o caráter não político do movimento. Verificada a instrumentalidade do movimento a DRT marca uma reunião conciliatória entre o patronato, os trabalhadores rurais e o sindicato para o dia 7 de dezembro de 1966, quatro dias antes do dia estipulado para o início do movimento. O que fez adiar por mais um dia o início do movimento, conforme a “lei de greve” que dita à necessidade de cinco dias úteis, entre a primeira reunião de conciliação e o dia marcado para a eclosão do movimento, para que a Delegacia do Trabalho ache meios para a conciliação entre as partes e evitar a deflagração da greve.
Passado o prazo legal exigido por lei, os trabalhadores rurais do município do Cabo entram em greve no dia 13 de dezembro de 1966. Esta greve engloba os trabalhadores de quatorze engenhos e se estende até o dia 30 de março de 1967, tendo como reivindicações o pagamento de salários e férias atrasados e a manutenção dos “permanentes” e a conservação de seus roçados junto a suas casas nas propriedades em que trabalhavam.
O TRT julga pela legalidade do movimento e pela justiça das reivindicações, mas afirma da não possibilidade de atender a um dissídio coletivo no município, decretando que cada unidade de produção entre com uma reclamação individual para receberem os atrasados, e que no caso dos permanentes e dos roçados caberia uma ação individual de cada trabalhador junto ao IBRA e as Delegacias de Trabalho.[6]
O tribunal alerta também o patronato contra possíveis represálias destes contra os trabalhadores. Durante o período em que os trabalhadores dos 14 engenhos do município do Cabo estiveram parados, o patronato desrespeitando a justiça do trabalho e a “lei de greve”, iniciou a contratação ilegal de trabalhadores clandestinos trazidos da região Agreste do estado, e aproveitando para destruir lavouras de subsistência dos trabalhadores permanentes em greve e ameaçar de expulsão sumária das suas terras.
Sobre as represálias do patronato logo após a greve, os relatos das entrevistas realizadas pelo autor com militantes do movimento sindical e de partidos políticos presentes no Cabo na época, bem como em ofícios e notas emitidos pela federação e pelo sindicato rural do Cabo, e em notícias dos jornais da época pesquisados e já citados, são unânimes em afirmar o seu aumento. Represálias visíveis no avanço da pressão para expulsão dos moradores dos engenhos e usinas locais, bem como no uso de tratores para destruir as lavouras de subsistência dos trabalhadores.
A contratação de mão de obra “clandestina” também aumentou bastante logo após o período da greve. Numa breve análise nos processos da justiça do trabalho de Pernambuco se constata nas queixas dos trabalhadores permanentes nos engenhos e usinas locais do aumento de pressão patronal, com relatos de lavouras destruídas e do avanço do plantio da cana até a porta das casas dos trabalhadores, de ameaças veladas ou abertas de milícias privadas, ou “capangas” na terminologia local, e, em muitos casos, de derrubada das casas dos permanentes. Em todos os casos, demonstrando a perda de força política do movimento sindical rural e as “mãos amarradas” do sindicalismo em Pernambuco.
O aparente ganho político de enfrentar uma legislação feita para impedir qualquer mobilização como a da “lei de greve”, e ter a greve considerada legal pela justiça do trabalho e muitas das reivindicações aceitas parecia se esvanecer na fragmentação do movimento por unidade de produção e por família, de um lado, e pela morosidade do julgamento das ações movidas pelos trabalhadores individualmente, ou por unidade de produção, por outro. Associado ao aumento das pressões para expulsão da mão de obra permanente no campo e da contratação abusiva da mão de obra clandestina pelo patronato, e do subsequente aumento do sofrimento social vivido cotidianamente pelos trabalhadores sujeitos a esse processo.
Na avaliação da Fetape e do Sorpe a greve apenas serviu para aumentar a expulsão dos permanentes e para beneficiar o patronato, que aproveitou a crise para solicitar mais subsídios a fundo perdido ao governo federal, através do Instituto de Açúcar e do Álcool (IAA). Na avaliação do sindicato rural do Cabo e de alguns militantes de esquerda disponibilizados para o trabalho no campo na região, apesar das dificuldades de garantia dos itens ganhos na pauta de reivindicações pelo movimento grevista, o fato da mobilização dos trabalhadores de quatorze engenhos do município e de conseguirem organizar uma greve considerada justa e legal pela justiça do trabalho já eram elementos passíveis de uma avaliação positiva do movimento.
A luta subsequente, mesmo que por unidade de produção ou mesmo por família ou trabalhador, poderia ser vista como outra etapa da mobilização se encampada e levada adiante pelo sindicato. É nesta avaliação que o presidente do sindicato rural do Cabo e o padre Antônio Melo aprofundam as tensões em suas relações, desde que o sindicato optou por encaminhar as reivindicações dos trabalhadores em um movimento de greve. Conflito que se pode compreender através das questões sobre como a ação sindical poderia seguir daí em diante e quais os limites desta ação quando a própria justiça do trabalho devolveu-a para os trabalhadores individuais ou por unidade de produção. Tensão que chega ao limite de rompimento em 1968, quando da última greve geral dos trabalhadores rurais do município antes do endurecimento do regime militar em 1969, como se verá adiante.
A crise na agroindústria se aprofunda nos anos seguintes, de 1967 e 1968. Aumenta a penúria, a miséria e o sofrimento social (Dejours, 2001) dos trabalhadores como um todo. Este sofrimento moldurava o estado de miséria continuada dos trabalhadores, agravada pelo não pagamento dos salários atrasados e demais direitos trabalhistas, como férias, décimo terceiro salário e outros, que, embora constantes das reivindicações da greve de 1966 e regulamentadas pela justiça do trabalho de Pernambuco, não foram cumpridas pelo patronato até o final de 1967. Este aumento do sofrimento social se encontrava agravado pelo aumento da pressão sobre os trabalhadores permanentes para expulsão dos engenhos e usinas, e ainda pela contratação de “clandestinos” em toda a região (Koury, 2007).
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Protestos rurais em Pernambuco, Brasil: 1964 a 1968
Mauro Khoury
Introdução
Este artigo passa em revista os protestos sociais ocorridos na Zona da Mata pernambucana,[1] Brasil, entre os anos de 1964 a 1968. Tem o foco na reestruturação do movimento sindical rural no Brasil pós-1964. A análise incide em uma região, onde a agroindústria açucareira predomina desde a época da colonização no país, e onde o sindicalismo rural caracterizou-se, desde o início, como um dos mais importantes do país.
É um artigo descritivo que retrata os acontecimentos dos primeiros anos após o golpe militar, através da análise do sofrimento social dos trabalhadores rurais e dos mecanismos políticos, sociais e econômicos que levaram os trabalhadores a uma mobilização permanente e a protestos sociais. E como este clamor foi sentido, compartilhado ou rechaçado pelo movimento sindical rural, e como o próprio regime ditatorial reagiu a estes acontecimentos.
A repressão logo após o golpe esfacela os movimentos sociais e políticos no campo e na cidade brasileiros. Em Pernambuco, a repressão recai sobre dois movimentos sociais significativos, as ligas camponesas e os sindicatos rurais, que são desarticulados. As ligas camponesas postas na ilegalidade e destruídas, e os sindicatos, embora poupados enquanto instituição, repensados e repostos a funcionamento sob um rígido controle estatal.
A necessidade de poupar a instituição sindical provinha do fato de a estrutura sindical brasileira já conter em sua legislação as formas de sua submissão ao controle, fiscalização e condicionamento estatal. Precisando apenas de ajustes para tornar a legislação sindical brasileira em uma das mais arbitrárias do mundo.
A legislação sindical tornou-se um aparelho de coerção, e os sindicatos veículos manipuláveis para uma possível legitimação passiva, tanto quanto agenciadores da economia política do Estado junto aos trabalhadores. Aos sindicatos estaria destinado o papel de “agente mediador” entre Estado e trabalhadores.
A ação de mediação é exercida através dos mecanismos de persuasão, coerção e manipulação das reivindicações e lutas dos trabalhadores, cabendo aos sindicatos a busca de manutenção da ordem às bases. O que os fazia agir no sentido de esvaziar pressões coletivas, encobrindo sua função como órgão de representação dos trabalhadores. Em troca dessa mediação o Estado se comprometia a concretizar programas de ação de cunho assistencial destinados aos trabalhadores.
O Estado assumia algumas reivindicações caras ao movimento, através do controle da instituição sindical e pela ação de mediação a ela conferida nessa troca. Ao assumi-las e transformá-las, as remetia aos trabalhadores via sindicatos, de forma paternalista, como forma de amainar tensões sociais. A rede sindical servia como agente apaziguador de tensões e de um veio de ação estatal.
O Estado ao se comprometer com o movimento sindical conclamando a participarem juntos na reformulação de reformas sociais, entre elas a reforma agrária (Castelo Branco, 1966: 264), estabelece a contradição. O movimento sindical rural como colaborador e agente do Estado junto as suas bases, e como fonte de pressão para execução pelo Estado dos compromissos assumidos de reformas sociais.
Na Zona da Mata, esta contradição se esclarece pelo envolvimento do clero católico com o movimento sindical rural, nos anos pré-golpe, e pela participação do clero no conjunto de forças envolvidas no golpe.[2] Nesse enlace, o clero pôde desenvolver um movimento de reação às ligas camponesas e ao movimento sindical rural de esquerda, que se iniciava e se desenvolvia em Pernambuco.
A entrada do clero no campo foi equipada por estudos, assistência técnica e política no intento de possibilitar um projeto coerente e contrário aos movimentos presentes, e como uma alternativa a proposta política das ligas de uma “reforma agrária na lei ou na marra”. Os estudos sobre a questão agrária e a reforma agrária do IBAD (1961) e do IPES (1964), e a assistência técnica e monetária da CLUSA e da USAID-Aliança para o Progresso para o Cooperativismo e o Sindicalismo Rural foram reforços significativos à expansão do movimento sindical rural católico e de sua plataforma política em Pernambuco.
O principal eixo da construção política da plataforma sindical do clero se assentava na idéia de colaboração entre classes. Colaboração baseada em garantias junto ao patronato[3] e ao Estado de cumprimento e legalização dos direitos do trabalhador rural. Essa idéia de “direitos” permearia, após o golpe, toda a estratégia organizativa da estrutura sindical rural em Pernambuco, seja no apoio ao golpe, seja no processo de cisão e cobranças do sindicalismo e do clero ao Estado e ao patronato pelo não cumprimento do conjunto de garantias motivadoras da aliança e compromisso com o Estado autoritário no país (Koury, 1983; Sigaud, 2001; Rosa, 2006).
A aprovação do Estatuto do Trabalhador Rural em 1963 foi vista como um grande passo no processo de cidadania rural e na garantia dos direitos trabalhistas. Restava pressionar o patronato rural, através da lei, para que o mesmo cumprisse a exigência da lei e efetivasse a cidadania e os direitos do trabalho. O patronato na agroindústria açucareira era visto como um problema, talvez o principal, pelo clero, à garantia dos compromissos da aliança sindicalismo e Estado. Os atritos com o patronato durante os primeiros anos do golpe seriam avaliados em depoimentos e relatórios, pelo clero, como a causa principal da perda de confiança dos trabalhadores no papel do sindicato e das possibilidades de aliança com a legislação trabalhista e com o Estado em seu conjunto.
O patronato era acusado de mentalidade retrógada, que tornava turva sua visão da importância da ação sindical e do cumprimento da legislação trabalhista rural. Na avaliação do clero, o patronato, acostumado a ser dono dos seus trabalhadores e de suas famílias, dentro dos tradicionais e velhos laços do latifúndio, não conseguia enxergar em longo prazo e boicotava a organização sindical dos trabalhadores rurais e o trabalho dos sindicatos de pressão e garantia dos direitos para as suas bases… (Sorpe, 1965)
O que significava que os sindicatos rurais “católicos” se encontravam de mãos amarradas e tenderiam a perder terreno a qualquer outra tendência presente no movimento (depoimento do padre Crespo, em Tamer, 1968: 135-136). O padre Crespo se referia ao crescimento das esquerdas no campo nos primeiros anos da década de 1960, e de como o clero estreitou laços com setores que tramavam o golpe militar. Referia-se, também, aos acordos construídos na aliança e as dificuldades com o patronato na Zona da Mata. Dificuldades que só pioraram com o advento do golpe, pela violência nas relações com os sindicatos e em relação à ação pelos direitos dos trabalhadores.
A importância de uma contraproposta a proposta de reforma agrária das ligas não se reduzia unicamente à vontade de esvaziar politicamente o movimento, mas na procura de “modernizar” a estrutura agrária do país. A contraproposta de modernização agrária se colocava como uma das demandas urgentes à quebra dos redutos de conservadorismo e das barreiras à mudança cultural dos latifúndios (IBAD, 1961: 181). Entre 1961 a 1964, o IBAD e o IPES compuseram um programa de modernização do campo e de reforma agrária que deveria ser executado logo após a derrubada do regime constitucional do país.
A modernização da estrutura agrária era uma de suas principais metas, como contenção das áreas de tensão no campo, onde os movimentos sociais ganharam forte expressão política, e como possibilidade de refrear o bloco agrário no processo hierárquico de composição do poder político do Estado, consolidando a burguesia industrial associada como bloco hegemônico.
Após o golpe esta seria uma das áreas de atrito com o Estado, pelas dificuldades de programar as reformas necessárias à modernização das relações no campo, e pelo peso da aliança do Estado com os chamados latifundiários, impondo limites ao avanço da questão agrária no país. Para o clero, junto com setores remanescentes do IBAD-IPES que pensavam a questão agrária no país, a reformulação da estrutura agrária se fazia imperativo no processo de modernização do país.
Os setores de origem ibad-ipesiana envolvidos com a questão agrária, logo após o golpe militar, se organizaram como grupos de pressão junto ao governo federal para levar à prática o programa de reformulação da estrutura agrária por eles proposto. Junto a estes setores estava o clero católico: a CNBB no plano nacional e os setores ligados ao movimento sindical rural em Pernambuco. Como grupos de pressão conseguem, nos primeiros meses do golpe, o encaminhamento do projeto de lei que evidencia o “Estatuto da Terra” e sua posterior aprovação pelo Congresso Nacional, sendo transformado em lei, de número 4.504, em 30 de novembro de 1964. Esta lei engloba a reforma agrária e a política para o desenvolvimento rural.
O Estatuto da Terra encontrará forte reação do lado mais conservador agrário, também participante da aliança que tornou possível o golpe militar. Esta reação criou uma barreira eficaz à implantação do conteúdo da lei, e de todo e qualquer programa de reforma da estrutura agrária, mostrando o seu poder de influência junto ao Estado, e abrindo um leque de questionamentos dos setores de origem ibad-ipesiana e da igreja católica envolvidos com a questão agrária e a modernização do campo. O que causou tensões e, em alguns momentos, conflitos com o Estado.
Estas tensões e conflitos no interior da base aliada criaram arestas, compelindo o Estado a ampliar a rede sistêmica de coerção e controle. Esta ampliação da coerção objetivava a diminuição das pressões dos grupos aliados sem, contudo, se desfazer do apoio político deles. Segundo Silva (1971), o Estado autoritário no Brasil, após os primeiros atritos da base aliada, procurou manter a coalizão e apoio dos dois grandes blocos, o agrário e o industrial, ao mesmo tempo em que procurava uma maior abertura ao capital multinacional e a ampliação do seu poder de influência na economia nacional. Nesse jogo procurava, sob sua mediação, subordinar o bloco agrário e o industrial ao capital internacional e promover as mudanças necessárias à modernização capitalista no país.
O Estatuto da Terra, no jogo de acomodações internas dos grupos no poder, seria paulatinamente esvaziado e o conceito de reforma agrária no seu interior redefinido. Os processos de esvaziamento e redefinição foram se fazendo na dinâmica interna dos conflitos entre os grupos no poder, de sua acomodação, e da possibilidade de ampliação da modernidade agrária e do controle do trabalho no campo.
O jogo de acomodações e o crescente esvaziamento e redefinições no Estatuto da Terra, associado ao desrespeito do patronato rural aos direitos trabalhistas no campo causaria, entre os anos de 1964 a 1968, tensões entre a igreja e o Estado, gerando atritos e questionamentos da relação entre o sindicalismo rural e a política econômica e social do governo.
Os atritos não significavam uma cisão entre o clero e o Estado, mas sim, estranhamentos e cobranças dos compromissos de reformas assumidos e não executados. No interior do movimento sindical, esses questionamentos denotaram atitudes de cobranças, a partir das reivindicações da base, frente à ação do patronato e da burocracia estatal.
Após 1964, o clero foi indicado para administrar o movimento sindical rural em Pernambuco, e procurou amainar a repressão patronal aos trabalhadores, sobretudo os ligados ao movimento sindical, e pressionar o governo para implantação das reformas sociais para o campo. A intransigência do patronato em não permitir a mediação sindical nas questões do trabalho rural, e reprimir violentamente qualquer mobilização dos seus trabalhadores e perseguir as lideranças sindicais a partir da base, associada ao clima de insegurança vivido pelos sindicatos e sindicalistas, fragiliza ainda mais a estrutura sindical e afasta os trabalhadores do movimento.
A crise periódica da agroindústria em Pernambuco complicava, também, a vida dos trabalhadores, com o atraso do pagamento dos salários por meses a fio, associado ao impedimento do plantio de lavoura de subsistência e a uma política de expulsão dos trabalhadores permanentes.
Esses fatores em conjunto dificultavam as relações de trabalho no campo, e complicavam as relações entre sindicato e igreja, e as relações entre os trabalhadores e a estrutura sindical. Essas dificuldades e complicações faziam com que a estrutura sindical rural vivesse uma ambivalência nas suas ações e atitudes: amedrontar-se e buscar desestimular ações reivindicativas de suas bases, e/ou procurar meios de comprometer o Estado à execução dos compromissos com as reformas sociais no campo. Essa ambiguidade se ampliava ainda, na medida em que a luta pela aplicação do Estatuto da Terra e do Estatuto do Trabalhador Rural significava, também, a transformação paulatina da mão de obra permanente em temporária, e a expulsão dos trabalhadores permanentes para a periferia das cidades.
Sem força política e poder de representação, sobrava aos sindicatos sobreviver à sombra desta ambiguidade, aumentando o distanciamento dos trabalhadores sujeitos ao desmando do patronato. Aos sindicatos e à estrutura sindical restavam os mecanismos de apaziguamento e controle de tensões, sob promessas de resoluções encaminhadas via Estado. Órgão de mediação entre trabalhadores e o Estado, o sindicalismo rural entrava em contradição consigo mesmo. Contradição não resolvida, de ser “em tese” órgão de representação dos trabalhadores, e ser “na prática” um órgão de controle das aspirações desta mesma classe. Contradição acentuada quando os compromissos assumidos pelo Estado tendiam a ser desrespeitados e engavetados, tornando-se fontes de tensão e pressão para a sua legislação e execução.
As pressões pelo cumprimento do Estatuto da Terra, ou pela execução da lei dos dois hectares, bem como as reivindicações trabalhistas que, de uma forma ou de outra, chegavam aos sindicatos rurais, as mediando através da burocracia jurídica, podem ser exemplos desta contradição vivida pela estrutura sindical no campo. O caso exemplar pode ser visualizado na atuação do sindicato dos trabalhadores rurais do município do Cabo, na Zona da Mata Sul,[4] o qual trouxe a si as reivindicações trabalhistas e sociais vindas da base e abrigou movimentos de greve, cuja face potencialmente política se manifestou na greve geral dos trabalhadores do Cabo no ano de 1968.
Relatar e analisar esses movimentos de greve entre os anos de 1965 a 1968 é o objetivo central deste artigo.
Os movimentos de greve
Discutir os focos de reivindicações e os movimentos de greve surgidos em Pernambuco no período remete à discussão da contradição vivida pela instituição sindical no pós-1964, entre ser órgão de colaboração com o Estado e de representação de classe. O momento do golpe é importante para a compreensão do panorama em que se debatia o sindicalismo rural após sua instauração. Embora a legislação sindical brasileira seja arbitrária desde a sua origem, o sindicalismo rural se originou e expandiu em um momento da história política do país em que a questão agrária virou luta pela ampliação da cidadania ao homem do campo. Os movimentos sociais no campo eram uma força política significativa, e lutavam por direitos a reformas sociais, por melhores condições de vida e trabalho. O sindicalismo rural e as ligas camponesas eram canais de expressão e organização na busca da ampliação da cidadania e da visibilidade política do homem do campo.
Com o golpe e a perseguição política e a violenta repressão dele advindas, pulverizou-se os sonhos e lutas camponesas. As ligas foram exterminadas e a experiência sindical rural foi redefinida. Nessa redefinição, a estrutura sindical passou ao controle do Estado sob a administração do clero, e assumiu o papel de mediador. Tornou-se um veículo de legitimação das ações governamentais e um órgão primordialmente apaziguador de tensões e de colaboração com o Estado. Fato que, inicialmente, parecia se adequar aos planos do clero, centrado na pacificação das tensões sociais no campo nas relações capital e trabalho, e no conceito “cristão” de colaboração entre classes como fundamento da paz e da harmonia sociais.
Na Zona da Mata, as funções de colaboração e de apaziguamento de tensões irão medrar a maior parte das ações sindicais no período estudado. Quando existiam pressões dos trabalhadores para uma ação de defesa das reivindicações e dos direitos trabalhistas e de permanência na terra, a função de colaboração e de órgão apaziguador de tensões se tornava mais visível. Enfatizava a contradição da estrutura sindical ao não encontrar soluções do Estado para as situações que levaram a mobilização dos trabalhadores, o sindicalismo buscava a desmobilização, ou pressionar o Estado para apresentar alternativas que pudessem acalmar os ânimos, dizendo-se sem forças para contenção sozinho das bases.
Em 1965 uma grande crise na agroindústria de Pernambuco levou a maior parte dos seus municípios a decretarem “situação de calamidade pública” pelos meses de atraso no pagamento dos salários dos trabalhadores, que ameaçavam invadir as cidades em busca de comida; ao lado do esmorecimento do comércio local pela não circulação dos salários nos armazéns e lojas. Hordas de desvalidos perambulavam pelos municípios da região movidos pela fome e pela ampliação do desemprego rural. Com a desculpa da crise, o patronato pressionava o governo para novas verbas e, ao mesmo tempo, usando o mesmo argumento da crise expulsava grande contingente de “permanentes” dos engenhos e usinas.
Os sindicatos da região, pressionados pelos acontecimentos, solicitam apoio da Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Pernambuco (Fetape). A Fetape por sua vez, através de um memorial escrito sob a supervisão do Sorpe e enviado ao “presidente Castelo Branco”, segundo o Diário de Pernambuco, de 15 de novembro de 1965, alerta para a gravidade da crise e solicita ajuda para contornar “o mais rapidamente possível a situação em que se encontravam os trabalhadores” dos municípios atingidos, “sob o perigo de ser decretada uma greve geral na agroindústria açucareira do Estado”.
Alerta que os sindicatos e a federação não tinham meios para o controle dos trabalhadores, e que o perigo de paralisação iminente teria um caráter espontâneo e independente de qualquer interferência sindical. E concluía o memorial com os seguintes termos:
Como compreendemos que uma greve geral paralisaria toda a atividade açucareira com graves reflexos na economia nacional, solicitamos aos nossos companheiros sindicalistas que implorassem junto às suas bases para dar um crédito de confiança a V. Exa. e ao seu governo, pois, sabedor destas tristes ocorrências V. Exa. tomaria imediatas providências no sentido de resolver o impasse.
Ao denunciar as arbitrariedades vividas pelos trabalhadores e pressionar o Estado para uma solução, a Fetape e os sindicatos envolvidos na crise procuram manter o compromisso com os trabalhadores e assumir o seu papel de órgão de classe representando suas bases. Mas, de forma concomitante, esta ação de denúncia e pressão institucional, através de um memorial, evidencia o papel a eles atribuído pelo Estado de órgão apaziguador de tensões, quando invita as bases para um voto de confiança ao governo federal, na tentativa de desmobilização de uma possível greve geral pela fome e desespero dos trabalhadores.
A pressão e o cobrar uma solução do governo federal se torna, apenas, uma satisfação na impossibilidade de evitar uma possível greve geral espontânea dos trabalhadores. Afirma a necessidade da ajuda do Estado para solucionar a crise da agroindústria, e amplia o grau de desespero e desamparo dos trabalhadores nela envolvidos.
Não se quer supor, aqui, que os sindicatos rurais e a Fetape não estivessem sensibilizados com a situação dos trabalhadores na crise, mas sim demonstrar as dificuldades do sindicalismo e o compromisso com o Estado, que se colocavam acima das questões de representação de classe. O papel de mediação entre os trabalhadores e o Estado tornava visíveis estas “dificuldades” e mostrava a ambiguidade do movimento sindical, entre ser um órgão de classe, quando utilizava a sua função de representação de classe para “alertar” o governo da grave crise e solicitar sua intervenção; e o seu papel de colaboração, afirmando a sua impossibilidade para desmobilizar uma possível greve geral, e solicitando ao Estado ação urgente para a resolução, mesmo que momentânea, da crise. A função de representação de classe sendo subsumida pela função de colaboração com o Estado no controle dos trabalhadores.
Neste duplo jogo de representação e colaboração o sindicalismo rural procurava sobreviver, no interior de uma política de apoio ao Estado, movida pelo clero que o protegia, e uma crise permanente de que se aproveitava o patronato para protelar dívidas trabalhistas e expulsar contingentes de trabalhadores de suas terras, aumentando a miséria e o desamparo. Fato que refletia o refluxo político do movimento dos trabalhadores, sem condições de impor uma representação consistente do aparelho sindical, e a cultura do medo instalada pela repressão advinda do recente golpe.
Os canais de representação permitidos pelo Estado ao sindicalismo eram os da mediação, apaziguamento e colaboração. O medo de represálias, e a própria ideologia confusa dos dirigentes sindicais que assumiram os sindicatos como interventores ou “indicados” pelo clero após o golpe, os impedia de estimular a mobilização dos trabalhadores à greve. A “lei de greve”, como o decreto-lei n.º 4.330, de 1.º de junho de 1964 ficou conhecido, serve aqui como um exemplo dessa função e limitação do sindicalismo rural no pós-golpe.
O processo lento e burocrático estipulado pela “lei de greve”, mesmo se os sindicatos rurais procurassem encampar as reivindicações dos trabalhadores e o movimento paredista dele decorrente, de forma legal, encontraria o efeito contrário ao desejado. Primeiro, porque os prazos exigidos pela lei, para se chegar até a greve tornava-se missão burocraticamente longa, saindo das mãos dos sindicatos e trabalhadores para as mãos do Ministério do Trabalho (MT), através das Delegacias Regionais do Trabalho (DRT) e Tribunais Regionais do Trabalho (TRT). Segundo, o movimento tende a se isolar por unidade de produção: usina x, engenho y, e assim por diante, fragmentando e dificultando uma organização paredista geral, e isolando cada unidade de produção, ou mesmo cada indivíduo, em suas reivindicações específicas no contexto da burocracia em que juridicamente se vê envolvido o sindicato. Alguns exemplos podem ser vistos em Koury (1976). As DRT e TRT assumem assim, de uma forma indireta, a liderança do movimento, se tornando porta-vozes de um processo de conciliação entre os trabalhadores e empregadores, e da luta pelos direitos, vistos como burocráticos e desmobilizantes.
Esse problema é sentido em Pernambuco entre 1966 a 1968. A Fetape era contrária, no momento, por medo de repressão, a qualquer tipo de manifestação e mobilização “camponesa”. Quando solicitada a ajudar, se colocava como um agente desmobilizador e procurava encaminhar as reivindicações para o setor jurídico. Muitas vezes comunicando as “autoridades locais” — governador, prefeitos, comandos militares e até o governo federal — de qualquer possibilidade de insatisfação coletiva dos trabalhadores, e alertando os sindicatos do perigo de caminhar para uma greve e os cuidados que deveriam ter com agentes externos ao movimento. Neste período a federação enviou diversos ofícios às autoridades militares sobre a “infiltração” de estranhos nos sindicatos e nas unidades de produção da Mata pernambucana, e outros tantos alertando os sindicatos rurais da região sobre o perigo desta influência (Diário de Pernambuco e Jornal do Comércio, 1965 a 1968).
Em novembro de 1966 o sindicato rural do Cabo marcou uma assembléia geral e, contrariando a Fetape, decidiu assumir as reivindicações dos trabalhadores sob sua jurisdição e encaminhar um processo de greve, contrariando o pároco do Cabo, o padre Antônio Melo.[5]
Este processo de greve segue todos os requisitos da “lei de greve”. Como primeiro passo, anuncia nos grandes jornais do Estado a data, hora e local da assembléia nos prazos exigidos pela legislação.
Após a realização da assembléia geral e da decisão pela greve, a direção do sindicato encaminha ofícios notificando os empregadores e a DRT da decisão de greve na agroindústria canavieira do município. Esta primeira fase da “lei de greve” é terminada e se espera as decisões do delegado regional do trabalho junto ao MT sobre o caráter não político do movimento. Verificada a instrumentalidade do movimento a DRT marca uma reunião conciliatória entre o patronato, os trabalhadores rurais e o sindicato para o dia 7 de dezembro de 1966, quatro dias antes do dia estipulado para o início do movimento. O que fez adiar por mais um dia o início do movimento, conforme a “lei de greve” que dita à necessidade de cinco dias úteis, entre a primeira reunião de conciliação e o dia marcado para a eclosão do movimento, para que a Delegacia do Trabalho ache meios para a conciliação entre as partes e evitar a deflagração da greve.
Passado o prazo legal exigido por lei, os trabalhadores rurais do município do Cabo entram em greve no dia 13 de dezembro de 1966. Esta greve engloba os trabalhadores de quatorze engenhos e se estende até o dia 30 de março de 1967, tendo como reivindicações o pagamento de salários e férias atrasados e a manutenção dos “permanentes” e a conservação de seus roçados junto a suas casas nas propriedades em que trabalhavam.
O TRT julga pela legalidade do movimento e pela justiça das reivindicações, mas afirma da não possibilidade de atender a um dissídio coletivo no município, decretando que cada unidade de produção entre com uma reclamação individual para receberem os atrasados, e que no caso dos permanentes e dos roçados caberia uma ação individual de cada trabalhador junto ao IBRA e as Delegacias de Trabalho.[6]
O tribunal alerta também o patronato contra possíveis represálias destes contra os trabalhadores. Durante o período em que os trabalhadores dos 14 engenhos do município do Cabo estiveram parados, o patronato desrespeitando a justiça do trabalho e a “lei de greve”, iniciou a contratação ilegal de trabalhadores clandestinos trazidos da região Agreste do estado, e aproveitando para destruir lavouras de subsistência dos trabalhadores permanentes em greve e ameaçar de expulsão sumária das suas terras.
Sobre as represálias do patronato logo após a greve, os relatos das entrevistas realizadas pelo autor com militantes do movimento sindical e de partidos políticos presentes no Cabo na época, bem como em ofícios e notas emitidos pela federação e pelo sindicato rural do Cabo, e em notícias dos jornais da época pesquisados e já citados, são unânimes em afirmar o seu aumento. Represálias visíveis no avanço da pressão para expulsão dos moradores dos engenhos e usinas locais, bem como no uso de tratores para destruir as lavouras de subsistência dos trabalhadores.
A contratação de mão de obra “clandestina” também aumentou bastante logo após o período da greve. Numa breve análise nos processos da justiça do trabalho de Pernambuco se constata nas queixas dos trabalhadores permanentes nos engenhos e usinas locais do aumento de pressão patronal, com relatos de lavouras destruídas e do avanço do plantio da cana até a porta das casas dos trabalhadores, de ameaças veladas ou abertas de milícias privadas, ou “capangas” na terminologia local, e, em muitos casos, de derrubada das casas dos permanentes. Em todos os casos, demonstrando a perda de força política do movimento sindical rural e as “mãos amarradas” do sindicalismo em Pernambuco.
O aparente ganho político de enfrentar uma legislação feita para impedir qualquer mobilização como a da “lei de greve”, e ter a greve considerada legal pela justiça do trabalho e muitas das reivindicações aceitas parecia se esvanecer na fragmentação do movimento por unidade de produção e por família, de um lado, e pela morosidade do julgamento das ações movidas pelos trabalhadores individualmente, ou por unidade de produção, por outro. Associado ao aumento das pressões para expulsão da mão de obra permanente no campo e da contratação abusiva da mão de obra clandestina pelo patronato, e do subsequente aumento do sofrimento social vivido cotidianamente pelos trabalhadores sujeitos a esse processo.
Na avaliação da Fetape e do Sorpe a greve apenas serviu para aumentar a expulsão dos permanentes e para beneficiar o patronato, que aproveitou a crise para solicitar mais subsídios a fundo perdido ao governo federal, através do Instituto de Açúcar e do Álcool (IAA). Na avaliação do sindicato rural do Cabo e de alguns militantes de esquerda disponibilizados para o trabalho no campo na região, apesar das dificuldades de garantia dos itens ganhos na pauta de reivindicações pelo movimento grevista, o fato da mobilização dos trabalhadores de quatorze engenhos do município e de conseguirem organizar uma greve considerada justa e legal pela justiça do trabalho já eram elementos passíveis de uma avaliação positiva do movimento.
A luta subsequente, mesmo que por unidade de produção ou mesmo por família ou trabalhador, poderia ser vista como outra etapa da mobilização se encampada e levada adiante pelo sindicato. É nesta avaliação que o presidente do sindicato rural do Cabo e o padre Antônio Melo aprofundam as tensões em suas relações, desde que o sindicato optou por encaminhar as reivindicações dos trabalhadores em um movimento de greve. Conflito que se pode compreender através das questões sobre como a ação sindical poderia seguir daí em diante e quais os limites desta ação quando a própria justiça do trabalho devolveu-a para os trabalhadores individuais ou por unidade de produção. Tensão que chega ao limite de rompimento em 1968, quando da última greve geral dos trabalhadores rurais do município antes do endurecimento do regime militar em 1969, como se verá adiante.
A crise na agroindústria se aprofunda nos anos seguintes, de 1967 e 1968. Aumenta a penúria, a miséria e o sofrimento social (Dejours, 2001) dos trabalhadores como um todo. Este sofrimento moldurava o estado de miséria continuada dos trabalhadores, agravada pelo não pagamento dos salários atrasados e demais direitos trabalhistas, como férias, décimo terceiro salário e outros, que, embora constantes das reivindicações da greve de 1966 e regulamentadas pela justiça do trabalho de Pernambuco, não foram cumpridas pelo patronato até o final de 1967. Este aumento do sofrimento social se encontrava agravado pelo aumento da pressão sobre os trabalhadores permanentes para expulsão dos engenhos e usinas, e ainda pela contratação de “clandestinos” em toda a região (Koury, 2007).
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Universidade e Inovação
Transcrevo abaixo trechos de um artigo publicado na última edição da REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS. Trata-se de uma discussão mais do que atual a respeito do papel das universidades brasileiras na inovação científica. Confira!
Inovar para transformar a universidade brasileira*
Glauco Arbix; Flávia Consoni
Qual o lugar das instituições de ensino superior e de pesquisa no Brasil em relação ao estímulo de geração e difusão de inovações na economia e na sociedade?
Mudanças recentes efetivadas no ambiente econômico e social para tornar a economia brasileira mais amigável à inovação e à tecnologia geraram impactos positivos na estrutura institucional das universidades, com avanços importantes nas áreas de proteção do conhecimento gerado por seus pesquisadores, nos sistemas de licenciamento de patentes e de transferência de tecnologia. Porém, em que pesem os passos positivos, ainda há um longo caminho a ser trilhado. A universidade brasileira permanece insulada e carece de canais de ligação capazes de viabilizar a estreita sintonia c om os esforços que faz o país para se desenvolver. A realização desse debate, muitas vezes tomado falsamente como um ataque à autonomia universitária, é cada vez mais urgente. A universidade, no mundo todo, vive uma segunda revolução acadêmica. Ensino e pesquisa combinam-se agora com forte atuação de transferência de conhecimento para a sociedade. No Brasil, é urgente a necessidde de se ampliar a sinergia e os fluxos de conhecimento entre universidade e sociedade, determinantes para a absorção, a aprendizagem e a geração de inovação e tecnologia.
Nosso ponto de partida é que os processos de inovação em países emergentes possuem características peculiares e distintas da inovação que ocorre em países avançados. Isso se deve principalmente à maior distância da fronteira do conhecimento em que atuam majoritariamente as principais instituições que respondem pelos processos inovadores, em especial as empresas privadas. De um modo geral, os países desenvolvidos estão capacitados para investir em inovações que determinam tendências e rotas tecnológicas e, por isso mesmo, se caracterizam como criadores de "novidades para o mercado mundial". A estrutura de sua economia e a expertise de suas empresas baseiam-se em conhecimento novo, seja no uso de tecnologias orientadas para a manutenção de sua posição avançada na economia mundial, seja nos processos de ampliação de sua liderança no concerto das nações.
Diferentemente, os países em desenvolvimento, em quase todas as áreas da economia, buscam equiparar-se (catch up) aos países desenvolvidos, basicamente via o domínio de técnicas e absorção de tecnologias maduras que resultam em inovações "para o país", "para um ramo industrial", ou mesmo "para uma empresa".
Em geral, esses processos envolvem uma combinação de tecnologias já conhecidas, disponíveis, e procedimentos de assimilação e adaptação de novas técnicas, em processos extensivamente estudados pela literatura. Para combinar, adaptar e absorver tecnologias, as economias emergentes desenvolvem estratégias de aprendizagem que se baseiam na imitação, na cópia e na adaptação. Ou seja, para inovarem, as empresas, os centros de pesquisa e mesmo as universidades dos países em desenvolvimento servem-se do conhecimento já disponível para: (i) elevar a qualificação da economia e, principalmente, das empresas; e (ii) otimizar o desenvolvimento de atividades inovadoras em ambientes de escassez de recursos (Hobday, 1994; Kim, 1997; Mathews, 2001; Sheehan, 2008; Caraça et al., 2009). Amsden (1989, 2001) e Kim (1997) mostraram como a adoção de estratégias de catching up está na raiz da evolução de um grupo de países asiáticos - em especial a Coreia do Sul e Taiwan - que conseguiram capacitar suas empresas e transformá-las em players globais num curto espaço de tempo. Esses autores enfatizaram também a insubstituível atuação do setor público nesse processo, seja via políticas de incentivo, seja por meio da reconfiguração ou criação de instituições voltadas para absorção e desenvolvimento de tecnologias e inovação. Foi nessas condições que Taiwan, por exemplo, conseguiu migrar da imitação para a inovação a partir do uso sofisticado de instituições como Centros Públicos de Pesquisa e Parques Tecnológicos, que potencializaram os investimentos empresariais em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). O governo taiwanês desenvolveu também novos sistemas de adaptação, adoção e difusão de tecnologias, difundiu consórcios de P&D, estimulou o depósito de patentes nos Estados Unidos (no USPTO - United States Patent and Trademark Office) e adotou estratégias de apoio à sua utilização na competição internacional nos segmentos de alta tecnologia (Mathews e Hu, 2007, p. 2-3).
Estudos mais recentes mostram como nesses países asiáticos o sistema universitário ocupou posição de destaque precisamente por mostrar-se capaz de gerar e incentivar inovações que desencadearam fortes processos de qualificação e elevação do grau de competitividade das empresas e de suas respectivas economias (Caraça et al., 2009).
Para Mathews e Hu (2007), a participação das universidades no desenvolvimento desses países não constrangeu a dinâmica da pesquisa, não inibiu a criatividade e a liberdade dos pesquisadores, tampouco afetou negativamente a necessária autonomia que as instituições de pesquisa precisam ter para gerar conhecimento novo. Pelo contrário, segundo seus estudos, ao entrarem em sintonia com o esforço de superação desses países, e diminuírem seu insulamento, a universidade aumentou sua contribuição para a sociedade e também para o próprio conhecimento. Em outras palavras, foi graças ao reordenamento de suas práticas e objetivos que a universidade pôde se sobressair no arco das instituições voltadas para a inovação e contribuir para o rápido desenvolvimento dos países asiáticos. Por conta dos avanços significativos alcançados, esses países concorrem atualmente de igual para igual com as economias mais avançadas em vários domínios da economia, da ciência e da tecnologia.
Desde o início dos anos de 1990, outros países enveredaram por trilhas semelhantes, buscando o catch up e ensaiando avanços ainda maiores. Embora com estilos e estruturas distintas, a China (Kim e Mah, 2009; Hu e Mathews, 2008), a Índia (Vaidyanathan, 2007; Athreye e Godley, 2009; Alfaro e Chari, 2009) e, mais recentemente, também o Brasil (Arbix e De Negri, 2009; Arbix e Martin, 2009; Armijo e Burges, 2010; Sheehan, 2008), para citar algumas das grandes economias, revalorizaram as políticas industriais e de inovação, criaram novas instituições e passaram a se utilizar mais intensamente de um conjunto de políticas públicas, elaboradas e executadas a partir de uma presença mais vigorosa do Estado na economia e na sociedade.
Na China e na Índia as universidades ocuparam - e ocupam cada vez mais - um lugar especial para a realização de suas estratégias de desenvolvimento. Consideradas a principal fonte de produção de conhecimento novo, as universidades receberam os mais variados incentivos para construir sistemas de reconhecimento de inovações, patenteamento, licenciamento, difusão e transferência de conhecimento e tecnologia.
A visão difundida por Etzkowitz (2003), de que a universidade é tanto fonte de conhecimento como espaço propício à inovação, e de que essas inovações são passíveis de serem transferidas para a sociedade, encontra suporte em várias experiências chinesas e indianas atuais. Nesses países, as universidades modificaram sua estrutura legal, organizacional e de governança, com profundo impacto em suas atividades de pesquisa e em suas relações com a sociedade (Kim e Mah, 2009; Sheehan, 2008). Essas mudanças adaptaram, reformaram ou criaram instituições multidisciplinares de ensino e pesquisa, sofisticaram os mecanismos de geração e incubação de empresas de base tecnológica, assim como estimularam a implantação de sistemas de proteção do conhecimento produzido e desenvolvido pela comunidade de pesquisadores, seus núcleos, centros e laboratórios.
No Brasil, apenas mais recentemente e ainda em menor intensidade, motivações semelhantes também estimularam mudanças no sistema universitário para além das preocupações com sua expansão e melhoria de qualidade do ensino. Nesse sentido, a aprovação da Lei de Inovação (Lei nº 10.973/2004) pelo Congresso em 2004 marcou uma inflexão na trajetória do sistema de gestão da propriedade intelectual e de transferência de tecnologia na universidade brasileira, ao dar amparo legal e definir incentivos para a comercialização dos resultados das pesquisas científicas e tecnológicas.
A Lei de Inovação estabeleceu um conjunto de instrumentos e facilitou a cooperação entre a pesquisa acadêmica e as empresas. Nesse novo marco encontra-se a obrigatoriedade de criação de Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs) nas Instituições de Ciência e Tecnologia (ICTs).1 Os NITs, concebidos para se tornarem referências no diálogo e no relacionamento com o setor empresarial, devem também se responsabilizar pela defesa e proteção da propriedade intelectual e da inovação. Dessa forma tais núcleos, pensados como facilitadores, promoveriam parcerias com agentes externos e zelariam pela disseminação de uma cultura de transferência de tecnologia, ainda pouco consolidada nas instituições de Ciência e Tecnologia (C&T) no Brasil.
Nos primeiros cinco anos após a aprovação da Lei de Inovação, dezenas de NITs foram criados no Brasil. Dados de 2009 indicam que, das 101 ICTs públicas que anualmente encaminham informações ao Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), 75 já haviam criado um NIT. Como há benefícios para esse tipo de iniciativa, mesmo as universidades privadas ou quase-privadas (que respondem por uma parcela menor da pesquisa científica no Brasil) têm empreendido esforços para estruturarem seus NITs (Torkomian, 2009).
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Inovar para transformar a universidade brasileira*
Glauco Arbix; Flávia Consoni
Qual o lugar das instituições de ensino superior e de pesquisa no Brasil em relação ao estímulo de geração e difusão de inovações na economia e na sociedade?
Mudanças recentes efetivadas no ambiente econômico e social para tornar a economia brasileira mais amigável à inovação e à tecnologia geraram impactos positivos na estrutura institucional das universidades, com avanços importantes nas áreas de proteção do conhecimento gerado por seus pesquisadores, nos sistemas de licenciamento de patentes e de transferência de tecnologia. Porém, em que pesem os passos positivos, ainda há um longo caminho a ser trilhado. A universidade brasileira permanece insulada e carece de canais de ligação capazes de viabilizar a estreita sintonia c om os esforços que faz o país para se desenvolver. A realização desse debate, muitas vezes tomado falsamente como um ataque à autonomia universitária, é cada vez mais urgente. A universidade, no mundo todo, vive uma segunda revolução acadêmica. Ensino e pesquisa combinam-se agora com forte atuação de transferência de conhecimento para a sociedade. No Brasil, é urgente a necessidde de se ampliar a sinergia e os fluxos de conhecimento entre universidade e sociedade, determinantes para a absorção, a aprendizagem e a geração de inovação e tecnologia.
Nosso ponto de partida é que os processos de inovação em países emergentes possuem características peculiares e distintas da inovação que ocorre em países avançados. Isso se deve principalmente à maior distância da fronteira do conhecimento em que atuam majoritariamente as principais instituições que respondem pelos processos inovadores, em especial as empresas privadas. De um modo geral, os países desenvolvidos estão capacitados para investir em inovações que determinam tendências e rotas tecnológicas e, por isso mesmo, se caracterizam como criadores de "novidades para o mercado mundial". A estrutura de sua economia e a expertise de suas empresas baseiam-se em conhecimento novo, seja no uso de tecnologias orientadas para a manutenção de sua posição avançada na economia mundial, seja nos processos de ampliação de sua liderança no concerto das nações.
Diferentemente, os países em desenvolvimento, em quase todas as áreas da economia, buscam equiparar-se (catch up) aos países desenvolvidos, basicamente via o domínio de técnicas e absorção de tecnologias maduras que resultam em inovações "para o país", "para um ramo industrial", ou mesmo "para uma empresa".
Em geral, esses processos envolvem uma combinação de tecnologias já conhecidas, disponíveis, e procedimentos de assimilação e adaptação de novas técnicas, em processos extensivamente estudados pela literatura. Para combinar, adaptar e absorver tecnologias, as economias emergentes desenvolvem estratégias de aprendizagem que se baseiam na imitação, na cópia e na adaptação. Ou seja, para inovarem, as empresas, os centros de pesquisa e mesmo as universidades dos países em desenvolvimento servem-se do conhecimento já disponível para: (i) elevar a qualificação da economia e, principalmente, das empresas; e (ii) otimizar o desenvolvimento de atividades inovadoras em ambientes de escassez de recursos (Hobday, 1994; Kim, 1997; Mathews, 2001; Sheehan, 2008; Caraça et al., 2009). Amsden (1989, 2001) e Kim (1997) mostraram como a adoção de estratégias de catching up está na raiz da evolução de um grupo de países asiáticos - em especial a Coreia do Sul e Taiwan - que conseguiram capacitar suas empresas e transformá-las em players globais num curto espaço de tempo. Esses autores enfatizaram também a insubstituível atuação do setor público nesse processo, seja via políticas de incentivo, seja por meio da reconfiguração ou criação de instituições voltadas para absorção e desenvolvimento de tecnologias e inovação. Foi nessas condições que Taiwan, por exemplo, conseguiu migrar da imitação para a inovação a partir do uso sofisticado de instituições como Centros Públicos de Pesquisa e Parques Tecnológicos, que potencializaram os investimentos empresariais em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). O governo taiwanês desenvolveu também novos sistemas de adaptação, adoção e difusão de tecnologias, difundiu consórcios de P&D, estimulou o depósito de patentes nos Estados Unidos (no USPTO - United States Patent and Trademark Office) e adotou estratégias de apoio à sua utilização na competição internacional nos segmentos de alta tecnologia (Mathews e Hu, 2007, p. 2-3).
Estudos mais recentes mostram como nesses países asiáticos o sistema universitário ocupou posição de destaque precisamente por mostrar-se capaz de gerar e incentivar inovações que desencadearam fortes processos de qualificação e elevação do grau de competitividade das empresas e de suas respectivas economias (Caraça et al., 2009).
Para Mathews e Hu (2007), a participação das universidades no desenvolvimento desses países não constrangeu a dinâmica da pesquisa, não inibiu a criatividade e a liberdade dos pesquisadores, tampouco afetou negativamente a necessária autonomia que as instituições de pesquisa precisam ter para gerar conhecimento novo. Pelo contrário, segundo seus estudos, ao entrarem em sintonia com o esforço de superação desses países, e diminuírem seu insulamento, a universidade aumentou sua contribuição para a sociedade e também para o próprio conhecimento. Em outras palavras, foi graças ao reordenamento de suas práticas e objetivos que a universidade pôde se sobressair no arco das instituições voltadas para a inovação e contribuir para o rápido desenvolvimento dos países asiáticos. Por conta dos avanços significativos alcançados, esses países concorrem atualmente de igual para igual com as economias mais avançadas em vários domínios da economia, da ciência e da tecnologia.
Desde o início dos anos de 1990, outros países enveredaram por trilhas semelhantes, buscando o catch up e ensaiando avanços ainda maiores. Embora com estilos e estruturas distintas, a China (Kim e Mah, 2009; Hu e Mathews, 2008), a Índia (Vaidyanathan, 2007; Athreye e Godley, 2009; Alfaro e Chari, 2009) e, mais recentemente, também o Brasil (Arbix e De Negri, 2009; Arbix e Martin, 2009; Armijo e Burges, 2010; Sheehan, 2008), para citar algumas das grandes economias, revalorizaram as políticas industriais e de inovação, criaram novas instituições e passaram a se utilizar mais intensamente de um conjunto de políticas públicas, elaboradas e executadas a partir de uma presença mais vigorosa do Estado na economia e na sociedade.
Na China e na Índia as universidades ocuparam - e ocupam cada vez mais - um lugar especial para a realização de suas estratégias de desenvolvimento. Consideradas a principal fonte de produção de conhecimento novo, as universidades receberam os mais variados incentivos para construir sistemas de reconhecimento de inovações, patenteamento, licenciamento, difusão e transferência de conhecimento e tecnologia.
A visão difundida por Etzkowitz (2003), de que a universidade é tanto fonte de conhecimento como espaço propício à inovação, e de que essas inovações são passíveis de serem transferidas para a sociedade, encontra suporte em várias experiências chinesas e indianas atuais. Nesses países, as universidades modificaram sua estrutura legal, organizacional e de governança, com profundo impacto em suas atividades de pesquisa e em suas relações com a sociedade (Kim e Mah, 2009; Sheehan, 2008). Essas mudanças adaptaram, reformaram ou criaram instituições multidisciplinares de ensino e pesquisa, sofisticaram os mecanismos de geração e incubação de empresas de base tecnológica, assim como estimularam a implantação de sistemas de proteção do conhecimento produzido e desenvolvido pela comunidade de pesquisadores, seus núcleos, centros e laboratórios.
No Brasil, apenas mais recentemente e ainda em menor intensidade, motivações semelhantes também estimularam mudanças no sistema universitário para além das preocupações com sua expansão e melhoria de qualidade do ensino. Nesse sentido, a aprovação da Lei de Inovação (Lei nº 10.973/2004) pelo Congresso em 2004 marcou uma inflexão na trajetória do sistema de gestão da propriedade intelectual e de transferência de tecnologia na universidade brasileira, ao dar amparo legal e definir incentivos para a comercialização dos resultados das pesquisas científicas e tecnológicas.
A Lei de Inovação estabeleceu um conjunto de instrumentos e facilitou a cooperação entre a pesquisa acadêmica e as empresas. Nesse novo marco encontra-se a obrigatoriedade de criação de Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs) nas Instituições de Ciência e Tecnologia (ICTs).1 Os NITs, concebidos para se tornarem referências no diálogo e no relacionamento com o setor empresarial, devem também se responsabilizar pela defesa e proteção da propriedade intelectual e da inovação. Dessa forma tais núcleos, pensados como facilitadores, promoveriam parcerias com agentes externos e zelariam pela disseminação de uma cultura de transferência de tecnologia, ainda pouco consolidada nas instituições de Ciência e Tecnologia (C&T) no Brasil.
Nos primeiros cinco anos após a aprovação da Lei de Inovação, dezenas de NITs foram criados no Brasil. Dados de 2009 indicam que, das 101 ICTs públicas que anualmente encaminham informações ao Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), 75 já haviam criado um NIT. Como há benefícios para esse tipo de iniciativa, mesmo as universidades privadas ou quase-privadas (que respondem por uma parcela menor da pesquisa científica no Brasil) têm empreendido esforços para estruturarem seus NITs (Torkomian, 2009).
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Nova edição do BLOG DA SOCIOLOGIA ECONÔMICA NO BRASIL já está no ar
É leitura obrigatória para todos quantos se aventuram pelos terrenos da sociologia contemporânea. Refiro-me ao sempre ótimo blog SOCIOLOGIA ECONÔMICA NO BRASIL. Clique aqui e confira!
domingo, 25 de dezembro de 2011
O PT de Mossoró e a democracia
Há um trecho impagável no livro “Autobiografia de Frederico Sanchez”, livro no qual o grande escrito Jorge Semprum faz o seu ajuste de contas com o seu passado de militante do então estalinista Partido Comunista Espanhol. No trecho, em uma reunião de uma célula do partido, um dos participantes, após ter acompanhado uma bateria de críticas severas ao comportamento “pequeno-burguês” de um intelectual, afirma candidamente: “camarada, eu vou fazer a sua autocrítica”.
Lembrei-me da magistral obra de Semprum quando tomei conhecimento do processo movido pelo Diretório Municipal de Mossoró contra o advogado Paulo Linhares. Não se nega ao partido a escolher os seus militantes. Isso é um direito da agremiação. Muito embora seja estranho querer expulsar Paulo e manter determinados quadros. Mas, como dizem na minha terra, “nosso Senhor tem todo tipo de morador”.
O que é estranho e revoltante no comportamento do PT de Mossoró é a sua tendência em considerar o direito à defesa como algo dispensável. Um artigo de luxo. Ou algo a que só os amigos têm direito, talvez.
Um velho amigo me admoestou severamente: “O que você quer, Edmilson? O PT não quer Paulo e pronto. Você quer negar ao partido o direito de expulsar da suas fileiras alguém que não segue a sua cartilha?” Deixemos de lado essa coisa tenebrosa, típica da linguagem totalitária, das referências a entidades fechadas e sacrossantas (“o partido”), e partamos para o fundamental. O PT, gostem ou não os petistas, é mantido em grande parte, cada vez mais, com recursos oriundos do Fundo Partidário. É dinheiro público. Ou melhor, é o meu, o seu, o nosso suado dinheirinho que irriga a vida partidária no Brasil. E o PT, como um grande partido, abocanha grande parte deste quinhão. Tudo nos conformes. Eu até acho que o esse fundo deveria ser até maior para evitar que alguns lépidos companheiros não caíssem em tentações...
Bom, o fato de o PT, como de resto todos os partidos legalmente reconhecidos no país, receber recursos públicos, tem implicações. Uma delas: o PT deve satisfações ao distinto público. A sua vida interna não é algo que diz respeito apenas aos petistas, por mais que estes gostem de se imaginar, quando convém, em um partido de tipo leninista...
O direito à defesa é um princípio básico da vida democrática. Nenhuma instituição, especialmente se regida pelas regras constitucionais vigentes, pode se arrogar a pretensão de passar por cima dele. A expulsão de um filiado sem a garantia do seu amplo direito de defesa é um atentado não apenas contra a democracia interna do partido, mas, no que interessa a toda à cidadania, à vida democrática em geral.
Lembrei-me da magistral obra de Semprum quando tomei conhecimento do processo movido pelo Diretório Municipal de Mossoró contra o advogado Paulo Linhares. Não se nega ao partido a escolher os seus militantes. Isso é um direito da agremiação. Muito embora seja estranho querer expulsar Paulo e manter determinados quadros. Mas, como dizem na minha terra, “nosso Senhor tem todo tipo de morador”.
O que é estranho e revoltante no comportamento do PT de Mossoró é a sua tendência em considerar o direito à defesa como algo dispensável. Um artigo de luxo. Ou algo a que só os amigos têm direito, talvez.
Um velho amigo me admoestou severamente: “O que você quer, Edmilson? O PT não quer Paulo e pronto. Você quer negar ao partido o direito de expulsar da suas fileiras alguém que não segue a sua cartilha?” Deixemos de lado essa coisa tenebrosa, típica da linguagem totalitária, das referências a entidades fechadas e sacrossantas (“o partido”), e partamos para o fundamental. O PT, gostem ou não os petistas, é mantido em grande parte, cada vez mais, com recursos oriundos do Fundo Partidário. É dinheiro público. Ou melhor, é o meu, o seu, o nosso suado dinheirinho que irriga a vida partidária no Brasil. E o PT, como um grande partido, abocanha grande parte deste quinhão. Tudo nos conformes. Eu até acho que o esse fundo deveria ser até maior para evitar que alguns lépidos companheiros não caíssem em tentações...
Bom, o fato de o PT, como de resto todos os partidos legalmente reconhecidos no país, receber recursos públicos, tem implicações. Uma delas: o PT deve satisfações ao distinto público. A sua vida interna não é algo que diz respeito apenas aos petistas, por mais que estes gostem de se imaginar, quando convém, em um partido de tipo leninista...
O direito à defesa é um princípio básico da vida democrática. Nenhuma instituição, especialmente se regida pelas regras constitucionais vigentes, pode se arrogar a pretensão de passar por cima dele. A expulsão de um filiado sem a garantia do seu amplo direito de defesa é um atentado não apenas contra a democracia interna do partido, mas, no que interessa a toda à cidadania, à vida democrática em geral.
sábado, 24 de dezembro de 2011
Artigo de Paulo Linhares
A DEMOLIÇÃO DO CNJ
Paulo Afonso Linhares
Uma das mais importantes instituições republicanas de criação recente, no Brasil, é induvidosamente o Conselho Nacional de Justiça. Instituído em obediência ao que determina o art. 103-B da Constituição Federal, o CNJ foi criado em 31 de dezembro de 2004 e instalado em 14 de junho de 2005, na condição de órgão do Poder Judiciário com sede em Brasília/DF e atuação em todo o território nacional, "[...] que visa, mediante ações de planejamento, à coordenação, ao controle administrativo e ao aperfeiçoamento do serviço público na prestação da Justiça", conforme se lê no frontispício do seu portal na Internet.
O CNJ surgiu mais ou menos a partir da constatação, pela cúpula do Poder Judiciário brasileiro, de que surgiria um "órgão de controle externo" para atuar contra si, composto obviamente, também, por pessoas estranhas à magistratura nacional. E se antecipou com a criação do CNJ, como que seguindo aquele conselho de Antonio Carlos Ribeiro de Andrada, político que governou Minas Gerais na época da República Velha, cujo pensamento (reformista) sintetizava-se na frase "Façamos a revolução antes que o povo a faça".
Alguns importantes segmentos da sociedade civil, a exemplo da própria Ordem dos Advogados do Brasil, aspiravam por algo bem incisivo que o CNJ e que impusesse um efetivo "freio" ao Poder Judiciário, numa versão decerto mais radicalizada - de controle externo efetivo! - que a Teoria dos Freios e Contrapesos ("Checks and Balances"), desenvolvida pelos pais da nação norte-americana a partir da matriz de Montesquieu, no "Espírito das Leis", para quem a tripartição de poderes seria um sistema “em que um controla o outro e em que cada órgão exerce as suas competências [...]. A tripartição, portanto, é a técnica pela qual o poder é contido pelo próprio poder, um sistema de freios e contrapesos [...], uma garantia do povo contra o arbítrio e o despotismo”.
O processo de consolidação do CNJ, nesses seis poucos anos de existência, passou por altos e baixos: surgiu na presidência do ministro Nelson Jobim com uma atuação forte e que fez acender luzinhas amarelas em muitos gabinetes de poderosos magistrados; na presidência da ministra Ellen Gracie foi permaneceu uma versão "light" do estilo Jobim, com a elegância parcimoniosa que caracterizam essa jurista gaúcha, porém sem avanços mais significativos; na presidência do ministro Gilmar Mendes teve o seu melhor momento, até agora, porquanto ganhou estrutura (e musculatura) enquanto instituição, ademais da atuação incisiva do ministro Gilson Depp na condição de Corregedor Nacional de Justiça; e, finalmente, a presidência do ministro Cezar Peluso, cujo término ocorrerá em 2012, marcada pela "desaceleração" do CNJ e, neste momento, pela ameaça de literal demolição do que fora construído até agora, porquanto tem sido alvo constante das poderosas entidades representativas dos magistrados, as "três irmãs" - as associações dos Magistrados Brasileiros (AMB), dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e dos Magistrados do Trabalho (Anamatra).
As "três irmãs" fazem, atualmente, um "tour de force" contra a ministra Eliana Calmon, atual Corregedora Nacional de Justiça que depois de ter dado declarações bombásticas contra magistrados, agora deseja investigar-lhes os contracheques. Em face disso, ajuizaram recentemente, no Supremo Tribunal Federal, mais uma ação de inconstitucionalidade contra competências do Conselho Nacional de Justiça que visam à punição de juízes e desembargadores em processos administrativos disciplinares, por atos de corrupção.
Desta feita, essas entidades contestam o dispositivo do Regimento Interno do CNJ (artigo 8º, inciso V), que permite à Corregedoria-Geral da Justiça — atualmente ocupada pela ministra Eliana Calmon — “requisitar a autoridades monetárias, fiscais e outras mais, como os Correios e empresas telefônicas, informações e documentos sigilosos, visando à instauração de processos submetidos à sua apreciação”. Os ministros do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski concederam liminares em face do CNJ que, na prática, podem paralisar o seu funcionamento. A sua demolição está em curso e isso dificilmente favorecerá o avanço das instituições do Poder Judiciário brasileiro. Um enorme retrocesso, sem dúvida alguma, que, em vista dos postulados republicanos e democráticos, nos fará bem mais pobres do que somos.
Paulo Afonso Linhares
Uma das mais importantes instituições republicanas de criação recente, no Brasil, é induvidosamente o Conselho Nacional de Justiça. Instituído em obediência ao que determina o art. 103-B da Constituição Federal, o CNJ foi criado em 31 de dezembro de 2004 e instalado em 14 de junho de 2005, na condição de órgão do Poder Judiciário com sede em Brasília/DF e atuação em todo o território nacional, "[...] que visa, mediante ações de planejamento, à coordenação, ao controle administrativo e ao aperfeiçoamento do serviço público na prestação da Justiça", conforme se lê no frontispício do seu portal na Internet.
O CNJ surgiu mais ou menos a partir da constatação, pela cúpula do Poder Judiciário brasileiro, de que surgiria um "órgão de controle externo" para atuar contra si, composto obviamente, também, por pessoas estranhas à magistratura nacional. E se antecipou com a criação do CNJ, como que seguindo aquele conselho de Antonio Carlos Ribeiro de Andrada, político que governou Minas Gerais na época da República Velha, cujo pensamento (reformista) sintetizava-se na frase "Façamos a revolução antes que o povo a faça".
Alguns importantes segmentos da sociedade civil, a exemplo da própria Ordem dos Advogados do Brasil, aspiravam por algo bem incisivo que o CNJ e que impusesse um efetivo "freio" ao Poder Judiciário, numa versão decerto mais radicalizada - de controle externo efetivo! - que a Teoria dos Freios e Contrapesos ("Checks and Balances"), desenvolvida pelos pais da nação norte-americana a partir da matriz de Montesquieu, no "Espírito das Leis", para quem a tripartição de poderes seria um sistema “em que um controla o outro e em que cada órgão exerce as suas competências [...]. A tripartição, portanto, é a técnica pela qual o poder é contido pelo próprio poder, um sistema de freios e contrapesos [...], uma garantia do povo contra o arbítrio e o despotismo”.
O processo de consolidação do CNJ, nesses seis poucos anos de existência, passou por altos e baixos: surgiu na presidência do ministro Nelson Jobim com uma atuação forte e que fez acender luzinhas amarelas em muitos gabinetes de poderosos magistrados; na presidência da ministra Ellen Gracie foi permaneceu uma versão "light" do estilo Jobim, com a elegância parcimoniosa que caracterizam essa jurista gaúcha, porém sem avanços mais significativos; na presidência do ministro Gilmar Mendes teve o seu melhor momento, até agora, porquanto ganhou estrutura (e musculatura) enquanto instituição, ademais da atuação incisiva do ministro Gilson Depp na condição de Corregedor Nacional de Justiça; e, finalmente, a presidência do ministro Cezar Peluso, cujo término ocorrerá em 2012, marcada pela "desaceleração" do CNJ e, neste momento, pela ameaça de literal demolição do que fora construído até agora, porquanto tem sido alvo constante das poderosas entidades representativas dos magistrados, as "três irmãs" - as associações dos Magistrados Brasileiros (AMB), dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e dos Magistrados do Trabalho (Anamatra).
As "três irmãs" fazem, atualmente, um "tour de force" contra a ministra Eliana Calmon, atual Corregedora Nacional de Justiça que depois de ter dado declarações bombásticas contra magistrados, agora deseja investigar-lhes os contracheques. Em face disso, ajuizaram recentemente, no Supremo Tribunal Federal, mais uma ação de inconstitucionalidade contra competências do Conselho Nacional de Justiça que visam à punição de juízes e desembargadores em processos administrativos disciplinares, por atos de corrupção.
Desta feita, essas entidades contestam o dispositivo do Regimento Interno do CNJ (artigo 8º, inciso V), que permite à Corregedoria-Geral da Justiça — atualmente ocupada pela ministra Eliana Calmon — “requisitar a autoridades monetárias, fiscais e outras mais, como os Correios e empresas telefônicas, informações e documentos sigilosos, visando à instauração de processos submetidos à sua apreciação”. Os ministros do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski concederam liminares em face do CNJ que, na prática, podem paralisar o seu funcionamento. A sua demolição está em curso e isso dificilmente favorecerá o avanço das instituições do Poder Judiciário brasileiro. Um enorme retrocesso, sem dúvida alguma, que, em vista dos postulados republicanos e democráticos, nos fará bem mais pobres do que somos.
quinta-feira, 22 de dezembro de 2011
O CARROCENTRISMO E A (I)MOBILIDADE URBANA
Abaixo, um artigo de Ricardo Abramovay a respeito dos desafios da mobilidade urbana. Vale a pena conferir!
Mobilidade versus carrocentrismo
Ricardo Abramovay
Ampliar espaços de circulação para automóveis individuais é enxugar gelo, como já bem perceberam os responsáveis pelas mais dinâmicas cidades.
Automóveis individuais e combustíveis fósseis são as marcas mais emblemáticas da cultura, da sociedade e da economia do século 20.
A conquista da mobilidade é um ganho extraordinário, e sua influência exprime-se no próprio desenho das cidades. Entre 1950 e 1960, nada menos que 20 milhões de pessoas passaram a viver nos subúrbios norte-americanos, movendo-se diariamente para o trabalho em carros particulares. Há hoje mais de 1 bilhão de veículos motorizados. Seiscentos milhões são automóveis.
A produção global é de 70 milhões de unidades anuais e tende a crescer. Uma grande empresa petrolífera afirma em suas peças publicitárias: precisamos nos preparar, em 2020, para um mundo com mais de 2 bilhões de veículos.
O realismo dessa previsão não a faz menos sinistra. O automóvel particular, ícone da mobilidade durante dois terços do século 20, tornou-se hoje o seu avesso.
O desenvolvimento sustentável exige uma ação firme para evitar o horizonte sombrio do trânsito paralisado por três razões básicas.
Em primeiro lugar, o automóvel individual com base no motor a combustão interna é de uma ineficiência impressionante. Ele pesa 20 vezes a carga que transporta, ocupa um espaço imenso e seu motor desperdiça entre 65% e 80% da energia que consome.
É a unidade entre duas eras em extinção: a do petróleo e a do ferro. Pior: a inovação que domina o setor até hoje consiste muito mais em aumentar a potência, a velocidade e o peso dos carros do que em reduzir seu consumo de combustíveis.
Em 1990, um automóvel fazia de zero a cem quilômetros em 14,5 segundos, em média. Hoje, leva nove segundos; em alguns casos, quatro.
O consumo só diminuiu ali onde os governos impuseram metas nesta direção: na Europa e no Japão.
Foi preciso esperar a crise de 2008 para que essas metas, pela primeira vez, chegassem aos EUA. Deborah Gordon e Daniel Sperling, em "Two Billion Cars" (Oxford University Press), mostram que se trata de um dos menos inovadores segmentos da indústria contemporânea: inova no que não interessa (velocidade, potência e peso) e resiste ao que é necessário (economia de combustíveis e de materiais).
Em segundo lugar, o planejamento urbano acaba sendo norteado pela monocultura carrocentrista. Ampliar os espaços de circulação dos automóveis individuais é enxugar gelo, como já perceberam os responsáveis pelas mais dinâmicas cidades contemporâneas.
A consequência é que qualquer estratégia de crescimento econômico apoiada na instalação de mais e mais fábricas de automóveis e na expectativa de que se abram avenidas tentando dar-lhes fluidez é incompatível com cidades humanizadas e com uma economia sustentável. É acelerar em direção ao uso privado do espaço público, rumo certo, talvez, para o crescimento, mas não para o bem-estar.
Não se trata -terceiro ponto- de suprimir o automóvel individual, e sim de estimular a massificação de seu uso partilhado. Oferecer de maneira ágil e barata carros para quem não quer ter carro já é um negócio próspero em diversos países desenvolvidos, e os meios da economia da informação em rede permitem que este seja um caminho para dissociar a mobilidade da propriedade de um veículo individual.
Eficiência no uso de materiais e de energia, oferta real de alternativas de locomoção e estímulo ao uso partilhado do que até aqui foi estritamente individual são os caminhos para sustentabilidade nos transportes. A distância com relação às prioridades dos setores público e privado no Brasil não poderia ser maior.
RICARDO ABRAMOVAY é professor titular do Departamento de Economia da FEA, do Instituto de Relações Internacionais da USP e pesquisador do CNPq e da Fapesp.
Site: www.abramovay.pro.br
Twitter: @abramovay
Mobilidade versus carrocentrismo
Ricardo Abramovay
Ampliar espaços de circulação para automóveis individuais é enxugar gelo, como já bem perceberam os responsáveis pelas mais dinâmicas cidades.
Automóveis individuais e combustíveis fósseis são as marcas mais emblemáticas da cultura, da sociedade e da economia do século 20.
A conquista da mobilidade é um ganho extraordinário, e sua influência exprime-se no próprio desenho das cidades. Entre 1950 e 1960, nada menos que 20 milhões de pessoas passaram a viver nos subúrbios norte-americanos, movendo-se diariamente para o trabalho em carros particulares. Há hoje mais de 1 bilhão de veículos motorizados. Seiscentos milhões são automóveis.
A produção global é de 70 milhões de unidades anuais e tende a crescer. Uma grande empresa petrolífera afirma em suas peças publicitárias: precisamos nos preparar, em 2020, para um mundo com mais de 2 bilhões de veículos.
O realismo dessa previsão não a faz menos sinistra. O automóvel particular, ícone da mobilidade durante dois terços do século 20, tornou-se hoje o seu avesso.
O desenvolvimento sustentável exige uma ação firme para evitar o horizonte sombrio do trânsito paralisado por três razões básicas.
Em primeiro lugar, o automóvel individual com base no motor a combustão interna é de uma ineficiência impressionante. Ele pesa 20 vezes a carga que transporta, ocupa um espaço imenso e seu motor desperdiça entre 65% e 80% da energia que consome.
É a unidade entre duas eras em extinção: a do petróleo e a do ferro. Pior: a inovação que domina o setor até hoje consiste muito mais em aumentar a potência, a velocidade e o peso dos carros do que em reduzir seu consumo de combustíveis.
Em 1990, um automóvel fazia de zero a cem quilômetros em 14,5 segundos, em média. Hoje, leva nove segundos; em alguns casos, quatro.
O consumo só diminuiu ali onde os governos impuseram metas nesta direção: na Europa e no Japão.
Foi preciso esperar a crise de 2008 para que essas metas, pela primeira vez, chegassem aos EUA. Deborah Gordon e Daniel Sperling, em "Two Billion Cars" (Oxford University Press), mostram que se trata de um dos menos inovadores segmentos da indústria contemporânea: inova no que não interessa (velocidade, potência e peso) e resiste ao que é necessário (economia de combustíveis e de materiais).
Em segundo lugar, o planejamento urbano acaba sendo norteado pela monocultura carrocentrista. Ampliar os espaços de circulação dos automóveis individuais é enxugar gelo, como já perceberam os responsáveis pelas mais dinâmicas cidades contemporâneas.
A consequência é que qualquer estratégia de crescimento econômico apoiada na instalação de mais e mais fábricas de automóveis e na expectativa de que se abram avenidas tentando dar-lhes fluidez é incompatível com cidades humanizadas e com uma economia sustentável. É acelerar em direção ao uso privado do espaço público, rumo certo, talvez, para o crescimento, mas não para o bem-estar.
Não se trata -terceiro ponto- de suprimir o automóvel individual, e sim de estimular a massificação de seu uso partilhado. Oferecer de maneira ágil e barata carros para quem não quer ter carro já é um negócio próspero em diversos países desenvolvidos, e os meios da economia da informação em rede permitem que este seja um caminho para dissociar a mobilidade da propriedade de um veículo individual.
Eficiência no uso de materiais e de energia, oferta real de alternativas de locomoção e estímulo ao uso partilhado do que até aqui foi estritamente individual são os caminhos para sustentabilidade nos transportes. A distância com relação às prioridades dos setores público e privado no Brasil não poderia ser maior.
RICARDO ABRAMOVAY é professor titular do Departamento de Economia da FEA, do Instituto de Relações Internacionais da USP e pesquisador do CNPq e da Fapesp.
Site: www.abramovay.pro.br
Twitter: @abramovay
Por uma sociologia do escândalo
Na novo número da REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS, você encontrará um ótimo artigo do Professor Roberto Grün, da UFSCAR. Reproduzo parte aí embaixo. Confira!
Escândalos, tsunamis e marolas: apontamentos e desapontamentos sobre um traço recorrente da atualidade*
Roberto Grün
Segundo a Wikipédia, o Brasil passou por 97 escândalos políticos e financeiros na década de 1990. Na primeira década do novo século, foram registrados 125 eventos "dessa natureza".1 Essa catalogação parece comprovar a crença popular de que "o Brasil não tem jeito". Um exercício sociológico talvez ajude a discutir essa crença arraigada, qualificá-la numa perspectiva analítica e, oxalá, também ajudar a sociedade a controlar seus efeitos nefastos que se propagam em diversas esferas da sociabilidade.
Num primeiro momento, poderíamos coonestar o dito popular, segundo o qual "o Brasil é um escândalo". Numa segunda reflexão, menos conjuntural e sanguínea, talvez seja interessante invocar a sociologia para complicar um pouco o senso comum. Nesse sentido, a tarefa é mostrar que os escândalos podem ser alguma coisa maior e mais complexa do que a simples manifestação de descalabros (Thompson, 2000; Chaia e Teixeira, 2001; De Blic, 2003; Neckel, 2005; Adut, 2008). Nessa linha, sugiro que os escândalos podem ser utilmente tratados como uma forma de ação, de controle e também, por vezes, como um mecanismo de mudança social. Através dos escândalos, a sociedade abandona, reitera, altera ou cria normas de convívio e de legitimação.
Os escândalos fazem transparecer mudanças sociais mais ou menos profundas, que foram gestadas na longue durée, sem que a percepção social as tivesse acompanhado e, quando eles explodem, nos damos conta súbita e dramaticamente das transformações em questão. O corolário dessa hipótese é que os nossos escândalos, pelo menos analiticamente, deveriam ser vistos não como uma manifestação da danação eterna do Brasil e dos brasileiros, mas antes uma evidência do vigor com que a sociedade discute, preserva ou altera as normas que ela reputa corretas ou erradas. Nesse caso, estaríamos diante de uma variação, ou generalização, daquela afirmação mil vezes repetida por todo o Ocidente, sobre a "fragilidade da democracia". Ainda que os percalços aconteçam aqui e ali, e que sejam dolorosos, na maior parte das vezes o brado sobre a democracia como "plantinha frágil" mostra que ela se preserva, apesar de sua fragilidade. Mas então, o que quer dizer esse bordão tantas vezes evocado e cuja "não facticidade" não impede o seu uso continuado? Com Douglas (1986) lembramos que o uso continuado de bordões é uma técnica social conhecida de reiteração de convenções cognitivas. Alhures, a autora nos permite sugerir mais diretamente que essa é a forma específica como a democracia se enraíza cada vez mais e se torna incontornável como norma de convívio das sociedades contemporâneas (Idem, p. 17). Respirando a mesma inspiração na análise que agora apresento, trata-se de explorar uma abordagem durkheimiana sobre as formas dos ciclos de ação/imposição/reiteração/transformação da consciência coletiva das sociedades, de maneira análoga àquela que diversos autores empregaram para dar conta de fenômenos aparentemente tão díspares como escândalos em sociedades pré-modernas e em comunidades científicas (Gluckman, 1963; Fleck, [1935] 1979).
LEIA O RESTANTE DO ARTIGO AQUI.
Escândalos, tsunamis e marolas: apontamentos e desapontamentos sobre um traço recorrente da atualidade*
Roberto Grün
Segundo a Wikipédia, o Brasil passou por 97 escândalos políticos e financeiros na década de 1990. Na primeira década do novo século, foram registrados 125 eventos "dessa natureza".1 Essa catalogação parece comprovar a crença popular de que "o Brasil não tem jeito". Um exercício sociológico talvez ajude a discutir essa crença arraigada, qualificá-la numa perspectiva analítica e, oxalá, também ajudar a sociedade a controlar seus efeitos nefastos que se propagam em diversas esferas da sociabilidade.
Num primeiro momento, poderíamos coonestar o dito popular, segundo o qual "o Brasil é um escândalo". Numa segunda reflexão, menos conjuntural e sanguínea, talvez seja interessante invocar a sociologia para complicar um pouco o senso comum. Nesse sentido, a tarefa é mostrar que os escândalos podem ser alguma coisa maior e mais complexa do que a simples manifestação de descalabros (Thompson, 2000; Chaia e Teixeira, 2001; De Blic, 2003; Neckel, 2005; Adut, 2008). Nessa linha, sugiro que os escândalos podem ser utilmente tratados como uma forma de ação, de controle e também, por vezes, como um mecanismo de mudança social. Através dos escândalos, a sociedade abandona, reitera, altera ou cria normas de convívio e de legitimação.
Os escândalos fazem transparecer mudanças sociais mais ou menos profundas, que foram gestadas na longue durée, sem que a percepção social as tivesse acompanhado e, quando eles explodem, nos damos conta súbita e dramaticamente das transformações em questão. O corolário dessa hipótese é que os nossos escândalos, pelo menos analiticamente, deveriam ser vistos não como uma manifestação da danação eterna do Brasil e dos brasileiros, mas antes uma evidência do vigor com que a sociedade discute, preserva ou altera as normas que ela reputa corretas ou erradas. Nesse caso, estaríamos diante de uma variação, ou generalização, daquela afirmação mil vezes repetida por todo o Ocidente, sobre a "fragilidade da democracia". Ainda que os percalços aconteçam aqui e ali, e que sejam dolorosos, na maior parte das vezes o brado sobre a democracia como "plantinha frágil" mostra que ela se preserva, apesar de sua fragilidade. Mas então, o que quer dizer esse bordão tantas vezes evocado e cuja "não facticidade" não impede o seu uso continuado? Com Douglas (1986) lembramos que o uso continuado de bordões é uma técnica social conhecida de reiteração de convenções cognitivas. Alhures, a autora nos permite sugerir mais diretamente que essa é a forma específica como a democracia se enraíza cada vez mais e se torna incontornável como norma de convívio das sociedades contemporâneas (Idem, p. 17). Respirando a mesma inspiração na análise que agora apresento, trata-se de explorar uma abordagem durkheimiana sobre as formas dos ciclos de ação/imposição/reiteração/transformação da consciência coletiva das sociedades, de maneira análoga àquela que diversos autores empregaram para dar conta de fenômenos aparentemente tão díspares como escândalos em sociedades pré-modernas e em comunidades científicas (Gluckman, 1963; Fleck, [1935] 1979).
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A vida política natalense desafia a análise
A Prefeita Micarla de Sousa (PV) consegue a façanha de ter menos de dois pontos percentuais de apoio para as eleições do próximo ano. Os seus patrocinadores, o DEM à frente, fingem que isso não lhes diz respeito e comportam-se como se de oposição tivessem sido sempre.
Carlos Eduardo , último prefeito, surfa na onda da derrocada política da prefeita. Segundo as pesquisas, ganharia de lavada se as eleições fossem realizadas hoje. Bom, mas as eleições não se real(PDT)izarão nem hoje e nem amanhã. E muito água, parte dela bem poluída, ainda vai passar por debaixo da ponte.
Vilma de Faria (PSB) parece que caminha para o seu ocaso. Vive o seu outono político. Cálculos políticos equivocados a levaram para essa situação. E quando político está em queda, os ataques triplicam e se originam dos mais diversos lugares. Abre flancos impensáveis.
Ora, tivesse Vilma sido eleita Senadora, cê sabe bem, alguém aí estaria produzindo denúncias e mais denúncias contra ela? Há quase um ano e meio, depois eu cato o post, escrevi aqui que a sua candidatura ao Senado era um desastre. Teve quem não gostasse de minha análise e visse ali o dedo de algum interesse menor. Nada disso! Bastava juntar dois mais dois para se dar conta de que, a partir do final do ano de 2009, a vida política de Vilma era algo assim como a crônica de um desastre anunciado.
Vilma será logo ultrapassada por um outro postulante à cadeira de alcaide desta cidade do sol. Podem apostar! Acho que será Fernando Mineiro, do PT, o responsável por deslocar a ex-guerreira para um lugar secundário na disputa política local. Vocês verão! Não duvidem! Acompanho eleição desde os tempos em que quem mandava em Apodi era Isauro Camilo, o Véio Isauro, e sempre tive um bom tino para essas coisas.
Minha lição: como a vida política destas plagas desafia a análise tradicional, incorpore mais aportes aos seus diagnósticos.
Carlos Eduardo , último prefeito, surfa na onda da derrocada política da prefeita. Segundo as pesquisas, ganharia de lavada se as eleições fossem realizadas hoje. Bom, mas as eleições não se real(PDT)izarão nem hoje e nem amanhã. E muito água, parte dela bem poluída, ainda vai passar por debaixo da ponte.
Vilma de Faria (PSB) parece que caminha para o seu ocaso. Vive o seu outono político. Cálculos políticos equivocados a levaram para essa situação. E quando político está em queda, os ataques triplicam e se originam dos mais diversos lugares. Abre flancos impensáveis.
Ora, tivesse Vilma sido eleita Senadora, cê sabe bem, alguém aí estaria produzindo denúncias e mais denúncias contra ela? Há quase um ano e meio, depois eu cato o post, escrevi aqui que a sua candidatura ao Senado era um desastre. Teve quem não gostasse de minha análise e visse ali o dedo de algum interesse menor. Nada disso! Bastava juntar dois mais dois para se dar conta de que, a partir do final do ano de 2009, a vida política de Vilma era algo assim como a crônica de um desastre anunciado.
Vilma será logo ultrapassada por um outro postulante à cadeira de alcaide desta cidade do sol. Podem apostar! Acho que será Fernando Mineiro, do PT, o responsável por deslocar a ex-guerreira para um lugar secundário na disputa política local. Vocês verão! Não duvidem! Acompanho eleição desde os tempos em que quem mandava em Apodi era Isauro Camilo, o Véio Isauro, e sempre tive um bom tino para essas coisas.
Minha lição: como a vida política destas plagas desafia a análise tradicional, incorpore mais aportes aos seus diagnósticos.
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quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
Uma matéria fundamental sobre Beatriz Sarlo
Você conhece Beatriz Sarlo? Acredito que sim. Ela é mais do que uma grande ensaista e analista do panorama cultural e político não apenas da sua Argentina ou da América Latina; é um exemplo de lucidez intelectual e desapego ao sucesso fácil que a adulação ao populismo produz neste nosso sofrido continente. Leio-a desde que ela era articulista da ótima (e extinta) PUNTO DE VISTA.
Bueno, pois não é que a REVISTA PIAUÍ, uma das melhores publicações de nossa imprensa, em sua última edição, nos brinda com uma matéria de boa qualidade sobre a polemista (e polêmica) escritora argentina? Que maravilha, não é? Então, clique aqui e leia a matéria!
Bueno, pois não é que a REVISTA PIAUÍ, uma das melhores publicações de nossa imprensa, em sua última edição, nos brinda com uma matéria de boa qualidade sobre a polemista (e polêmica) escritora argentina? Que maravilha, não é? Então, clique aqui e leia a matéria!
Romper com o canône
Nestes dias, conversando com um alguém que tinha recentemente conhecido, fui levado a confessar que era sociólogo. Mais que isso, professor de sociologia. O meu interlocutor se animou. Disse-me que talvez a sociologia fosse algo interessante, mas, na faculdade onde estudava (e que leva quase um terço do seu suado salário de taxista), a coisa não era lá muito atraente, não. E a “culpa” era daqueles “caras”. Que caras? Durkheim, Marx e Weber! Foi o que ele me respondeu de bate pronto.
Por que continuamos nessa pisada? Por que continuamos a espantar as novas gerações com uma estrutura de ensino de sociologia que tem pouco ou nenhum sentido para quem está cursando, sei lá, contabilidade? Quem é esse OUTRO com o qual os nossos alunos de hoje (e futuros professores de colégios e faculdades amanhã) se defrontam? Por que temos que reproduzir o modelo canônico?
Os nossos cursos de Ciências Sociais estão ficando ultrapassados, obsoletos. Isso não é novidade. O problema é que, com as nossas práticas de ensino ou com a nossa omissão, poderemos estar solapando um enorme espaço para a reflexão sociológica. Não! Não podemos reproduzir, do Oiapoque ao Arroio Chuí, o mesmo, como direi?, paradigma uspiano de ensino de ciências sociais.
A sociologia tem que dizer (e fazer algo mais) para o taxista que cursa contabilidade. Tá, eu sei, os “caras” são importantes e incontornáveis. Mas, vem cá, por que cargas d’água temos que começar a abordar a sociologia a partir de suas biografias ou obras? “Obras”? Ora, ninguém vai ler de verdade, sei lá, “Economia e Sociedade”, no primeiro período de um curso que não seja Ciências Sociais (e, mesmo cá, olhem lá!).
Voltarei ao assunto.
Por que continuamos nessa pisada? Por que continuamos a espantar as novas gerações com uma estrutura de ensino de sociologia que tem pouco ou nenhum sentido para quem está cursando, sei lá, contabilidade? Quem é esse OUTRO com o qual os nossos alunos de hoje (e futuros professores de colégios e faculdades amanhã) se defrontam? Por que temos que reproduzir o modelo canônico?
Os nossos cursos de Ciências Sociais estão ficando ultrapassados, obsoletos. Isso não é novidade. O problema é que, com as nossas práticas de ensino ou com a nossa omissão, poderemos estar solapando um enorme espaço para a reflexão sociológica. Não! Não podemos reproduzir, do Oiapoque ao Arroio Chuí, o mesmo, como direi?, paradigma uspiano de ensino de ciências sociais.
A sociologia tem que dizer (e fazer algo mais) para o taxista que cursa contabilidade. Tá, eu sei, os “caras” são importantes e incontornáveis. Mas, vem cá, por que cargas d’água temos que começar a abordar a sociologia a partir de suas biografias ou obras? “Obras”? Ora, ninguém vai ler de verdade, sei lá, “Economia e Sociedade”, no primeiro período de um curso que não seja Ciências Sociais (e, mesmo cá, olhem lá!).
Voltarei ao assunto.
Para aulas de sociologia
Foram tantos os pedidos, tão sinceros e envolventes, que eu revelo a fonte de minhas considerações sobre a aula a respeito de Max Weber que articular carisma com o filme O REI LEÃO. Bueno, o site é: http://www.sociolog.be/. Vale a pena uma espiada.
segunda-feira, 19 de dezembro de 2011
Obscurantismo no PT de Mossoró
O PT de Mossoró não elege nenhum vereador na cidade há algumas legislaturas. Mas essa situação não o levou a modificar práticas ou rever métodos. Pelo contrário! Nada disso!. A novidade de agora é que o partido adentrou no terreno nada saudável dos expurgos de quadros considerados indesejáveis. "Indesejáveis", claro, para os donos da marca na cidade. Pois não é que, neste exato momento, a agremiaçãom está a ameaçar de expulsão o advogado Paulo Linhares?
Leiam abaixo o texto de intimação(intimidação) do Diretório Municipal do PT dirigido à Paulo. A peça fala por si mesmo. É um exemplo aterrador do obscurantismo que determinada esquerda incorpora nas suas práticas cotidianas. Paulo promete não acatar bovinamente a patacoada petista. Sem licença, vai lutar. E faz bem!
PARTIDO DOS TRABALHADORES
DIRETÓRIO MUNICIPAL DE MOSSORÓ
A Direção Executiva Municipal do Partido dos Trabalhadores de Mossoró, reunida em 17 de dezembro de 2011, considerando que:
1. O Partido Democrata, de perfil conservador neoliberal, significa a mais ofensiva oposição ao Governo do PT no plano nacional, tentando a todo custo impedir a efetivação das transformações sociais que objetivam superar as desigualdades históricas, aprofundadas pela aliança demo-tucana, durante o Governo FHC.
2. O PT exige de todos os seus filiados, fidelidade ao seu programa e compromisso com o projeto político que lidera nacionalmente e que, aliado a outros partidos, tem sido responsável pelo enfrentamento as desigualdades regionais, o que implica pelas suas resoluções em afastamento de gestões conduzidas pelo DEM.
RESOLVE:
1. Reconhecemos a importância de Paulo Linhares nas fileiras petistas e a, contribuição política que o mesmo poderia nos proporcionar. Ao mesmo tempo, julgamos que a sua decisão de assumir cargo na Gestão Municipal, conduzida pelo DEM, inviabiliza sua permanência no Partido dos Trabalhadores.
2. Do exposto, não nos resta alternativa a não ser nos dirigirmos respeitosamente ao filiado para solicitar que o mesmo faça sua opção entre permanecer no PT ou manter-se na Presidência da Previ - Mossoró, cargo para o qual foi nomeado recentemente.
3. A Direção Municipal do PT aguarda um posicionamento do filiado supracitado até o dia 20 de dezembro. Na ausência desse posicionamento, dar-se-á o processo de desfiliação partidária por iniciativa da própria Direção Municipal, conforme as normas estatutárias.
Mossoró, 17 de dezembro de 2011
PARTIDO DOS TRABALHADORES
Direção Executiva Municipal
Leiam abaixo o texto de intimação(intimidação) do Diretório Municipal do PT dirigido à Paulo. A peça fala por si mesmo. É um exemplo aterrador do obscurantismo que determinada esquerda incorpora nas suas práticas cotidianas. Paulo promete não acatar bovinamente a patacoada petista. Sem licença, vai lutar. E faz bem!
PARTIDO DOS TRABALHADORES
DIRETÓRIO MUNICIPAL DE MOSSORÓ
A Direção Executiva Municipal do Partido dos Trabalhadores de Mossoró, reunida em 17 de dezembro de 2011, considerando que:
1. O Partido Democrata, de perfil conservador neoliberal, significa a mais ofensiva oposição ao Governo do PT no plano nacional, tentando a todo custo impedir a efetivação das transformações sociais que objetivam superar as desigualdades históricas, aprofundadas pela aliança demo-tucana, durante o Governo FHC.
2. O PT exige de todos os seus filiados, fidelidade ao seu programa e compromisso com o projeto político que lidera nacionalmente e que, aliado a outros partidos, tem sido responsável pelo enfrentamento as desigualdades regionais, o que implica pelas suas resoluções em afastamento de gestões conduzidas pelo DEM.
RESOLVE:
1. Reconhecemos a importância de Paulo Linhares nas fileiras petistas e a, contribuição política que o mesmo poderia nos proporcionar. Ao mesmo tempo, julgamos que a sua decisão de assumir cargo na Gestão Municipal, conduzida pelo DEM, inviabiliza sua permanência no Partido dos Trabalhadores.
2. Do exposto, não nos resta alternativa a não ser nos dirigirmos respeitosamente ao filiado para solicitar que o mesmo faça sua opção entre permanecer no PT ou manter-se na Presidência da Previ - Mossoró, cargo para o qual foi nomeado recentemente.
3. A Direção Municipal do PT aguarda um posicionamento do filiado supracitado até o dia 20 de dezembro. Na ausência desse posicionamento, dar-se-á o processo de desfiliação partidária por iniciativa da própria Direção Municipal, conforme as normas estatutárias.
Mossoró, 17 de dezembro de 2011
PARTIDO DOS TRABALHADORES
Direção Executiva Municipal
segunda-feira, 12 de dezembro de 2011
Max Weber e O Rei Leão
De uma hora para outra, o feliz aprovado em concurso público para ministrar disciplina de sociologia se depara com uma turma que não está nem aí para a ciência fundada pelo Tio Émile. Putz! O que fazer? Não é fácil, pode acreditar. Não adianta consultar os oráculos e nem buscar a ajuda da Wikipédia. Nem mesmo o Chaves pode lhe salvar nessa hora.
Penso que só poderemos começar a enfrentar esse desafio, que, em parte, reflete um buraco maior, dado que diz respeito também a ausência de capital cultural de parte significativa dos que agora adentram nossas universidades ou colégios de ensino médio, quando tivermos coragem e disposição de romper com o cânone sociológico estabelecido. Como assim? Será que o cara, além de corintiano, é meio lelé? Quem sabe, não é?
A minha proposição é a de que devemos dialogar com os materiais (imagens, textos, vídeos, etc) que constituem aquilo que o Renato Ortiz, em algum dos seus textos, denominou de materiais expressivos de algo como o “popular internacional”. Bueno, o Ortiz não vai ler esta postagem, então, não vai se irritar com essa referência truncada... Voltando ao foco, como diria o Vanderley Luxemburgo, lecionar sociologia, para quem não está no diminuto território de alguns dos nossos centros de excelência, exige a mobilização de criatividade para dialogar com esse “internacional popular”.
Um exemplo: por que não relacionar, em uma discussão sobre carisma, as instigantes (mas nem sempre tão palatáveis assim, especialmente quando se é oriundo de uma formação escolar na qual o principal livro lido ainda é um manual ou um romance água com açúcar) elaborações de Max Weber com, deixe-me ver, o filme O REI LEÃO? Absurdo? Não, não acho, acho que dá um bom exercício sociológico. Mas a idéia não é minha, infelizmente. A idéia é proposta por uns caras que pilotam um interessante site de sociologia. Qual o site? Humm! Vou escrever depois que alguém solicitar, ok? Criando algum suspense, quem sabe?, a rapaziada volte a freqüentar este espaço...
Tô de volta!
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