sábado, 29 de agosto de 2009

A JUDICIALIZAÇÃO DA VIDA POLÍTICA

Acho completamente desastroso, para a ampliação dos espaços públicos e a construção da democracia no Brasil, o avanço do judiciário sobre as mais diversas esferas da vida social. Na vida política, mas também no cotidiano de instituições como a Universidade, lidamos, cada vez mais, com interferências do judiciário. A análise abaixo, feita pelo jornalista Alon Feuerwecker, toca em pontos importantes dessa delicada questão. Vale a pena conferir!


SEXTA-FEIRA, 28 DE AGOSTO DE 2009
Alon Feuerwerker

Nem o espetáculo como punição? (28/08)
Caminhamos para uma situação de poucos controles, ou nenhum. Sobra o controle do próprio príncipe. Uma contradição em termos. Quando só resta o poder para controlar o próprio poder, é sinal de que alguma coisa vai mal

Há algo de desajustado num país quando o terreno da disputa pelo poder passa progressivamente à esfera da Justiça. Ontem, as atenções do mundo político estavam voltadas para o Supremo Tribunal Federal (STF), que decidia sobre aceitar ou não a denúncia do procurador-geral da República contra o deputado federal e ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci. Disso dependiam alguns caminhos da refrega eleitoral no ano que vem.

Mas não é só. Um punhado de governadores percorrem o mandato à espera da decisão final dos tribunais, para saber se vão completar os quatro anos no cargo ou serão trocados pelos adversários vencidos nas urnas. Verdade que há argumento jurídico a embasar a posse dos derrotados, tanto que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) assim vem decidindo. Mas soa antinatural. Como explicar ao cidadão comum que quem ganhou a eleição simplesmente vai ser substituído pelo que perdeu? Não seria melhor fazer outra eleição?

Por que chegamos ao atual estado de judicialização? Os otimistas dirão que é manifestação da crescente eficiência dos controles sobre os políticos. Já os pessimistas argumentarão que é sinal apenas de uma, cada vez maior, preferência dos políticos por hábitos que se chocam com o ordenamento legal. É possível que ambos —pessimistas e otimistas— tenham uma parte da razão. Há mesmo uma forte pressão social para reforçar as amarras legais sobre as figuras públicas. E anda cada vez mais difícil achar um político que não esteja às voltas com alguma consequência de ter afrontado a lei.

Mas quem tem mais razão? Os pessimistas ou os otimistas? O senso comum supõe que é impossível o sujeito passar pelo poder e não ser alvejado por acusações, denúncias e processos. Mas o mesmo senso comum garante: a coisa mais difícil de achar é político condenado em última instância por crimes cometidos no exercício do cargo.

Assim, o que resta à sociedade como forma de controle e punição é o espetáculo. Algo que só pode ser exercido na esfera da opinião pública. Pode-se resumir assim: “Já que no final não vai dar em nada mesmo, vamos malhar o Judas aqui e agora. Talvez não saibamos por que estamos batendo, mas eles certamente saberão por que estão apanhando”.

Parece-lhe algo selvagem? Pois é. Assim se faz no Brasil o controle social sobre a política (além do voto, claro): malhando os Judas. Daí a frustração com o desfecho, até agora, da crise do Senado. Como o cidadão sabe que no fim das contas os atos administrativos condenáveis devem ficar por isso mesmo, restar-lhe-ia a satisfação de ver o presidente da Casa, José Sarney, percorrer a via crucis do Conselho de Ética e de uma votação em plenário, com o sofrimento decorrente. Nem isso o eleitor vai ter. Os políticos festejam. Já os mais prudentes esperam para ver como será a reação da rua.

Os anos 1990 assistiram aqui à construção de uma cultura política, cujo paradigma foi o impeachment do então presidente Fernando Collor. A ideia de democracia ficou associada ao poder dado à opinião pública para colocar freios e limites aos políticos. Mas, pelo abuso desse poder ou por cansaço, ou então pela emergência de um presidente da República suficientemente forte para se contrapor a essa hegemonia, o fato é que caminhamos para uma situação de poucos controles, ou de controle nenhum.

Sobra o controle do próprio príncipe. Uma contradição em termos. Quando só resta o poder para controlar o próprio poder, é sinal de que alguma coisa vai mal

No jogo

O STF reintroduziu ontem Antonio Palocci na disputa por cargos majoritários em 2010. Há dúvidas sobre o efeito do Caso Francenildo numa campanha. Como o eleitor reagirá a propaganda que explore o “drama do homem comum do povo que enfrentou os poderosos mas deu-se mal”?

Difícil prever com certeza. Até porque Palocci sempre terá a seu favor o argumento de que, afinal, a Justiça concluiu que ele nada teve a ver com a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo.

Meu palpite? Se Palocci for mesmo candidato em 2010, isso não terá qualquer efeito no resultado da disputa.

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