Acho completamente desastroso, para a ampliação dos espaços públicos e a construção da democracia no Brasil, o avanço do judiciário sobre as mais diversas esferas da vida social. Na vida política, mas também no cotidiano de instituições como a Universidade, lidamos, cada vez mais, com interferências do judiciário. A análise abaixo, feita pelo jornalista Alon Feuerwecker, toca em pontos importantes dessa delicada questão. Vale a pena conferir!
SEXTA-FEIRA, 28 DE AGOSTO DE 2009
Alon Feuerwerker
Nem o espetáculo como punição? (28/08)
Caminhamos para uma situação de poucos controles, ou nenhum. Sobra o controle do próprio príncipe. Uma contradição em termos. Quando só resta o poder para controlar o próprio poder, é sinal de que alguma coisa vai mal
Há algo de desajustado num país quando o terreno da disputa pelo poder passa progressivamente à esfera da Justiça. Ontem, as atenções do mundo político estavam voltadas para o Supremo Tribunal Federal (STF), que decidia sobre aceitar ou não a denúncia do procurador-geral da República contra o deputado federal e ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci. Disso dependiam alguns caminhos da refrega eleitoral no ano que vem.
Mas não é só. Um punhado de governadores percorrem o mandato à espera da decisão final dos tribunais, para saber se vão completar os quatro anos no cargo ou serão trocados pelos adversários vencidos nas urnas. Verdade que há argumento jurídico a embasar a posse dos derrotados, tanto que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) assim vem decidindo. Mas soa antinatural. Como explicar ao cidadão comum que quem ganhou a eleição simplesmente vai ser substituído pelo que perdeu? Não seria melhor fazer outra eleição?
Por que chegamos ao atual estado de judicialização? Os otimistas dirão que é manifestação da crescente eficiência dos controles sobre os políticos. Já os pessimistas argumentarão que é sinal apenas de uma, cada vez maior, preferência dos políticos por hábitos que se chocam com o ordenamento legal. É possível que ambos —pessimistas e otimistas— tenham uma parte da razão. Há mesmo uma forte pressão social para reforçar as amarras legais sobre as figuras públicas. E anda cada vez mais difícil achar um político que não esteja às voltas com alguma consequência de ter afrontado a lei.
Mas quem tem mais razão? Os pessimistas ou os otimistas? O senso comum supõe que é impossível o sujeito passar pelo poder e não ser alvejado por acusações, denúncias e processos. Mas o mesmo senso comum garante: a coisa mais difícil de achar é político condenado em última instância por crimes cometidos no exercício do cargo.
Assim, o que resta à sociedade como forma de controle e punição é o espetáculo. Algo que só pode ser exercido na esfera da opinião pública. Pode-se resumir assim: “Já que no final não vai dar em nada mesmo, vamos malhar o Judas aqui e agora. Talvez não saibamos por que estamos batendo, mas eles certamente saberão por que estão apanhando”.
Parece-lhe algo selvagem? Pois é. Assim se faz no Brasil o controle social sobre a política (além do voto, claro): malhando os Judas. Daí a frustração com o desfecho, até agora, da crise do Senado. Como o cidadão sabe que no fim das contas os atos administrativos condenáveis devem ficar por isso mesmo, restar-lhe-ia a satisfação de ver o presidente da Casa, José Sarney, percorrer a via crucis do Conselho de Ética e de uma votação em plenário, com o sofrimento decorrente. Nem isso o eleitor vai ter. Os políticos festejam. Já os mais prudentes esperam para ver como será a reação da rua.
Os anos 1990 assistiram aqui à construção de uma cultura política, cujo paradigma foi o impeachment do então presidente Fernando Collor. A ideia de democracia ficou associada ao poder dado à opinião pública para colocar freios e limites aos políticos. Mas, pelo abuso desse poder ou por cansaço, ou então pela emergência de um presidente da República suficientemente forte para se contrapor a essa hegemonia, o fato é que caminhamos para uma situação de poucos controles, ou de controle nenhum.
Sobra o controle do próprio príncipe. Uma contradição em termos. Quando só resta o poder para controlar o próprio poder, é sinal de que alguma coisa vai mal
No jogo
O STF reintroduziu ontem Antonio Palocci na disputa por cargos majoritários em 2010. Há dúvidas sobre o efeito do Caso Francenildo numa campanha. Como o eleitor reagirá a propaganda que explore o “drama do homem comum do povo que enfrentou os poderosos mas deu-se mal”?
Difícil prever com certeza. Até porque Palocci sempre terá a seu favor o argumento de que, afinal, a Justiça concluiu que ele nada teve a ver com a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo.
Meu palpite? Se Palocci for mesmo candidato em 2010, isso não terá qualquer efeito no resultado da disputa.
sábado, 29 de agosto de 2009
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