segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Será o tal do cansaço da meia idade?

Sim, tenho levado algumas porradinhas. Meio mixurucas, tá certo. Mas elas afetam um cadinho, não é? E você, chegando perto dos cinqüenta anos, percebe que vai se acostumando com muita coisa. Deixando prá lá um bocado de pequenas mesquinharias e penduricalhos que não te levarão para lugar nenhum. Ou, sim, te levarão para o lugar aonde te levam as mágoas acumuladas.

Decepções? De verdade, de verdade, não tenho muitas. Não, não sou cínico. É que, como não tenho grandes expectativas sobre mim, não me parece justo tê-las em exagero em relação aos outros.

Algumas vezes, raras, ainda bem, até me divirto um pouco (embora disfarce bem ou ache que faço isso...) com as intrigas em que tentam me envolver. Quando vejo, estou até acompanhando com alguma simpatia os contorcionismos verbais da infâmia. E, pior para mim, não movo uma palha para me defender. Diante da infâmia, penso eu, para quê mover montanhas?

Bueno, mas isso não significa que tenho deixado de comprar brigas. Pelo contrário, compro-as até em exagero. É que, parece-me, quanto mais eu quero ser bombeiro, conciliador e pacífico, mais querem-me apocalíptico. E aí o menino do sertão que mora em mim, meio adormecido pela moleza da vida urbana, acorda eufórico e toma conta do cavalo bestalhão que sou eu. E eis-me, de súbito, com a espada em punho, digladiando por coisas de antanho como a defesa da Universidade como instituição pública. E combatendo imoralidades como a cessão de um professor universitário, com ônus (e mais os penduricalhos oriundos de cargo de comissão), para servir a um gabinete parlamentar.

Sim, isso envelhece-nos um pouco. Você viveu para ver gente que ontem defendia com ardor religioso a ética como caminho para a afirmação de uma identidade política nos dias que correm brigar pela, como direi?, "flexibilização das regras" para garantir que um colega de departamento (ou de partido?) fique anos a fio aboletado em um cargo de comissão.

E o rídiculo do seu gesto se concretiza quando a cessão meio nebulosa é aprovada pela maioria. Não que essas coisas sejam derrotas, longe disso. Só em vê-las emergindo, como os corpos putrefatos de delitos tantas vezes negados que emergem nas águas do rio que atravessa alguma Tagentopólis, já te dá alguma sensação de que algo se move. Embora você faça, bela novidade!, um papel rídiculo...

Por tudo isso, e pelo cansaço desta tarde, ofereço-te o poema abaixo.

POEMA EM LINHA RETA

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...


Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.


Álvaro de Campos

Um comentário:

Anônimo disse...

Quer dizer que um professor universitário não pode ser cedido a um gabinete de um parlamentar.Caro professor se toda imoralidade fosse essa,bem dito Brasil.O senhor já se perguntou o porque dessa pendenga,se as normas permitem,é legal!Espero que o senhor não reze na cartilha de Alex Medeiros que vez por outra noticia essa fato com achincalhe e deboche como é do costume dele.Nada mais a dizer professor só meu desaponto e decepção com o senhor,minha ficha ainda não caiu com essa sua insistencia e pirraça com uma simples cessão.