quinta-feira, 24 de junho de 2010

Aconteceu na Universidade: grosseria, estupidez ou racismo?

Em uma universidade pública, situada na porção setentrional do Brasil, ontem pela manhã, uma professora foi chamada pelo diretor de seu centro para dar algumas explicações sobre um processo do qual era relatora. Na sala do diretor, dentre outras pessoas, estava um interessado direto do processo: um professor que havia presidido um processo seletivo para Professor Titular da referida instituição. Presidido, vírgula, conduzido com os erros crassos que os arrogantes, geralmente incompetentes, cometem.

Após adentrar a sala, a Professora, em diálogo iniciado pelo diretor, começa a explicar as razões do seu questionamento ao processo conduzido pelo professor acima mencionado. Eis que o professor a interrompe. Parêntese: daqui prá frente, referir-me-ei ao verme como ele merece, então, vou atacar de “imbecil”, ok? Pois bem, o imbecil corta a fala da professora e com brutalidade questiona: “quem é essa senhora?”. O diretor responde que a mesma é professora e, além disso, chefia uma das unidades acadêmicas do centro. Após isso, o verme vira-se de costas para a Professora e dirige a palavra somente ao diretor do centro, como se a Professora não existisse. Indignada, a Professora interpela o imbecil: “E o senhor? Quem é?”. O imbecil, sem responder, sai da sala.

A Professora foi humilhada e destratada. Reviveu outros momentos, tão dolorosos quanto o vivenciado ontem, em que foi tratada como invisível. Ela sentiu, e tem plena consciência disso, de que o ocorrido está relacionado ao fato de ela ser negra. E essa é a dimensão cruel da discriminação racial: quem a sofre, sabe o porquê de estar sofrendo, mas, aí está!, cadê os referentes que sustentem, por exemplo, uma denúncia criminal? Fica-se prisioneiro do jogo das interpretações subjetivas. Tanto é assim que, caso viesse a interpelar o imbecil, a própria Professora é que poderia ser incriminada. O energúmeno poderia responder: “Racista? Não! Que absurdo! Isso é calúnia! Difamação!”. É assim que as coisas funcionam no Brasil, mesmo no interior de uma Universidade Pública, e após já passados dez anos do início do século XXI...

O imbecil do caso se acha um ser superior. Seu reconhecimento na Universidade deve-se menos à sua produção intelectual, e, mais, bem mais!, à grosseria com que trata as pessoas. Não raro, interpela (aos berros) quem encontra pela frente, especialmente aquelas pessoas que, na sua escala de classificação, situam-se em patamares “inferiores”.

E qual tem sido a reação das pessoas ao tomar conhecimento do fato de ontem? Não poucos, nos corredores do Centro, buscam contemporizar: “mas ele é mesmo assim... Sempre tratou todo mundo com grosseria...”. Leia-se: o que ocorreu foi grosseria, não racismo. Como diria aquela personagem de um programa de humor: grosseria? Grosseria, aqui no Centro, pode!

E as dores sentidas pela Professora? Não serão curadas tão cedo... Em primeiro lugar, porque assim como se tornou invisível na direção do Centro, também suas dores não terão reconhecimento. Se ela for adiante, o que dirão? Que está criando confusão, que não é bem assim... Pode até vir a ser acusada de xenofobia...

A besta racista continua por aí. À solta e aprontando. É professor titular (não me dou ao desfrute de usar letras maiúsculas para me referir ao verme..), participa de bancas e continua dando espetáculos de estupidez em um espaço que deveria ser do diálogo, da discussão racional e da cooperação emocional para a produção do conhecimento.

Eu, cá no meu canto, solitário e meio isolado, embora tomado de raiva e indignação, entendi a situação da professora. Não foi a primeira e nem será a última em que um(a) negro(a) tornar-se-á invisível nesta sociedade. Quantas vezes vivemos e passamos por isso? O que mais choca, no fato, é isso ter ocorrido no espaço da Universidade. Talvez, quem sabe?, tiremos alguma lição desse fato escabroso: não apenas da persistência do racismo em todos os espaços da sociedade brasileira, mas também do vasto manto de silêncio cúmplice que o acoberta.

Quanto ao verme racista, é dar tempo ao tempo... Um dia, ele deixa rastros, e aí, podem ter certeza, irá pagar por crime inafiançável. Eu viverei para ver isto!

4 comentários:

tania disse...

Não sei se o referido fato ocorreu aqui na nossa universidade. Mas, vejo outra dimensão que parece ter-lhe escapado: o machismo. É terrível e, especialmenete desde que passei a ocupar cargo administrativo, dou-me conta perfeitamente bem dele, o tempo todo, palpável e concreto, nas mínimas questões de rotina. Ninguém ouve uma mulher com o mesmo respeito, por mais titulação e experiência profissional que tenha, a menos que seja ou muito bem relacionada (leia-se: de uma das famílias influentes locais, portanto, bem amparada socialmente) ou uma daquelas que, após muitos anos de carreira, firmaram uma sólida reputação de "megera". Já viu algum homem ser chamado de megero? Não existe. Homem quando é agressivo ou competitivo não "está na tpm" ou coisa que o valha, está apenas sendo o que se espera dele, especialmente no trabalho. Mulher, não. Ou é uma víbora ou é carreirista ou é... sei lá, qualquer coisa do tipo. Definitivamente, aprendi muito neste último ano e meio e redescobri minha - quase esquecida - veia "feminista". Porque ser desrespeitada cansa.
Então, vejo um episódio como esse que você narrou como mais uma pérola do machismo no meio acadêmico, especialmente aqui na UFRN. Não que não exista em outro lugar. Mas, aqui chega a ser ridículo o modo como qualquer colega novato, recém-chegado na universidade, é mais ouvido e respeitado do que qualquer uma de nós, professoras, exceto nos casos que ressalvei acima. Se a isso ainda se acrescentam outros possíveis preconceitos (racismo, homofobia ou outro qualquer), pior ainda. Tenho até uma 'teoria': as grandes figuras femininas da UFRN têm construído suas couraças pra sobreviver e se afirmar na universidade, e algumas inclusive pesaram a mão nesse processo, do meu ponto de vista. Portanto, longe de mim dizer que as mulheres são um doce ou estão sempre certas - mas, por que teriam que ser ou estar? A questão é: qual a margem de escolha que a gente realmente tem se quiser sobreviver num meio onde cenas como essas são possíveis e aceitas como fato trivial entre pessoas supostamente esclarecidas e educadas? Dá pra sair de casa sem a couraça sabendo que vão lhe passar por cima na primeira oportunidade e que qualquer denúncia desse comportamento abusivo será tratado com deboche, como "frescura" ou mais uma manifestação da sua "TPM"?
Pois vale para o machismo o mesmo que vale para o racismo: só quem sofre é que sabe.

Roberto Torres disse...

Nogento. Digno de um campanha de esculhaco moral na internet.

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Também há outra modalidade de preconceito: a acadêmica e intelectual. Se você não faz parte da panelinha no poder ou não se coaduna com as "teorias da perplexidades" em moda, você não vale.
Sofri, juntamente com outros colegas, isso no recente concurso para a cadeira de sociologia da UERN. Uma banca que sem condições de julgar teoricamente e academicamente, julgou na panelinha.
A primeira colocada, pasmem, teve sua aula assistida pelo vice-reitor da UERN. Estranho?
Professores com anos de sala de aula e já balisados obtiveram nota abaixo de 7 na aula didática para que não pudessem nem ser classificados.
O que se dizer?
Nada. Males eternos de uma instituição que se diz pública, mas é draconiana e patrimonialista. E de departamentos que nada produzem, a não ser empregos.