quinta-feira, 10 de junho de 2010

Contra a ditadura da pureza

Temo os que cultivam certezas. Eles me aterrorizam mais do que os mentirosos. Com os últimos, confesso, divirto-me. Mas, com os primeiros, sempre tenho a desconfiança de que, caso eles fossem, por algum desatino da história, levados ao poder, levar-me-iam, de bom grado, para algum paredón.

A convivência dos contrários e a tolerância me encantam. E, eu sei bem, é muito díficil cultivar esses valores. Não raro, vemos, aqui e alhures, ditos progressistas querendo normalizar e enquadrar pessoas - alguns destes, com freqüência, citam Foucault ou algum nome da "desconstrução" em suas perorações.

"Coisa tipicamente", sei lá!, "nordestina" ou "gaucha"? Tô fora! Essas identidades essencialistas são tão mais fortes quanto mais excludentes. Há, por certo, fome de identidades que alimentam esses marcadores cristalizadores. E, quem pode esquecer?, há também o medo da perda de sentido.

Mas, venha cá!, você também não sente um friozinho na barriga toda vez que, em nome da pureza da cultura, alguém começa a esbravejar contra a globalização? Aqui em Natal, vira e mexe, escuto esses discursos com relação ao turismo...

Por isso, a impureza, a mestiçagem e o contato são alentos para mim. São plataformas nas quais busco apoio para não me afogar nesse oceano de certezas e identidades fixas.

Um comentário:

Guru disse...

Não seria mestiçagem um bom exemplo de idéia que transitou incontáveis vezes entre substancialização romântica e elogio à diversidade? Nunca se ouviu o discurso do brasil enquanto terra da "mestiçagem pura"?

A ditadura da pureza é algo de nossa sociedade, dos auto-identificados progressistas ou uma propriedade linguística?

Dúvidas à parte, observo que o combate que alguns campos tem empreendido (particularmente na antropologia, ou pelo menos é cá que o que vejo mais) contra os essencialismos se tornaram sísifos há tempos. Heterogeneidade romântica tem se demonstrado uma idéia tão perniciosa quanto os monolitos românticos. Se o romantismo é uma constante, espero que possamos seguir o oxímoro "românticos realistas", admitindo que as coisas a todo instante se agregam e se desagregam, e não há nada deplorável nisso.