Escrevo quase sempre mercados. E essa não é uma escolha gratuita. Subjacente a essa forma de designação do espaço das transações econômicas está subjacente a idéia de que existem contornos próprios, específicos, que moldam as trocas. Essa é uma assunção sociológica por excelência. Certamente, não serão muitos os economistas a concordar com essa heresia.
A designação acima é apenas um dos muitos aportes de uma sociologia da vida econômica à análise dos mercados. À idéia, não por acaso muito forte no paradigma dominante na ciência econômica, do mercado como UNO, a sociologia econômica responde afirmando a pluralidade de mercados. O que isso quer dizer é que existem contornos sócio-culturais específicos que moldam e modulam as transações econômicas.
Devemos muito dessa apreensão a uma obra magistral, A Grande Transformação. Esta obra, de Karl Polanyi, contém aquela fórmula tantas vezes repisada de que a ação econômica é socialmente “encaixada” (ou envolvida). Mark Granovetter, o pai da Nova Sociologia Econômica, é o responsável por fazer com Polanyi aquilo que Karl Marx fez com Hegel: virá-lo de cabeça para baixo. Como assim? Enquanto na análise polanyiana a ação econômica era socialmente envolvida nas sociedades tradicionais e foi se tornando autônoma nas sociedades modernas, Granovetter, vê encaixamento da ação econômica nas nossas sociedades modernas.
Ambos autores ajudaram a questionar a idéia do “homem econômico” (um indivíduo que faria escolhas racionais procurando maximizar os seus interesses). Veio, entretanto, do trabalho da apropriação feita por Viviana Zelizer de algumas das obras de Pierre Bourdieu, especialmente àquelas nas quais o cientista social toma como referentes analíticos os dados do seu trabalho de campo na Argélia, a noção de “mercados múltiplos”. Apoiada nesse arsenal teórico, Viviana Zelizer pode analisar com profundidade alguns mercados específicos muito singulares, como é o caso do mercado de seguros e aquele de crianças para a adoção.
Zelizer hoje se dedica a outros objetos de análise. Mas a senda analítica foi aberta e ainda tem potencialidades. Penso, em particular, na dimensão moral que as transações econômicas tendem a assumir cada vez mais em nossas sociedades. Quem captou um pouco essa dinâmica foi uma grande antropóloga, a inglesa Mary Douglas.
A minha aposta é a de que, da junção dos aportes de Bourdieu, Zelizer e Douglas pode resultar uma boa base para a investigação a respeito de muitas práticas econômicas em ascensão nos dias que correm. Certo, certo, essas práticas (refiro-me, por exemplo, ao “consumo ético” ou “cidadão”) ainda são residuais, mas, talvez valha a pena apostar, elas tendem a ganhar terreno e assumir cada vez mais nacos centrais dos modelos culturais que subjazem à vida econômica contemporânea.
Voltarei ao tema em outro oportunidade...
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Um comentário:
O CPDA tem bons trabalhos neste sentido, concentrados na área de consumo ecológico. Esta dissertação aborda o tema com o pessoal da nova sociologia econômica:
http://www.ufrrj.br/cpda/static/teses/dissertacao_felipe_comunello_2010.pdf
Aqui os resumos do último GT de consumo da ANPPAS:
http://www.anppas.org.br/encontro5/cd/gt13.html
Não me lembro de cabeça, mas boa parte das pesquisas que li sobre o tema indicam que a preocupação maior com o consumidor destes novos mercados é a saúde nutricional.
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