terça-feira, 30 de novembro de 2010

E o quesito raça-cor na pesquisa quantitativa?

Eis aí uma discussão que interessa a todos quantos atuam no campo das ciências sociais. Por isso mesmo, vale a pena conferir um artigo publicado na Revista de Sociologia e Pólítica a respeito dessa questão. Leia abaixo alguns trechos.


Sobre o uso da variável raça-cor em estudos quantitativos
Jerônimo Oliveira Muniz

RESUMO

A crescente inclusão da raça no debate público brasileiro, o aumento da sua disponibilidade em pesquisas de opinião e monitoramento e a facilidade de inclusão da variável em modelos estatísticos tem provocado um paradoxo na importância da raça. Ao mesmo tempo em que a cor da pele vem ganhando relevância no debate político, ela também vem perdendo a sua importância substantiva como um construto social complexo e dinâmico por ser utilizada de modo superficial, como uma categoria permanente e imutável em estudos quantitativos. Este ensaio bibliográfico discorre sobre os fatores que contribuem para essa tendência levando em conta a literatura nacional e internacional produzida nos últimos dez anos. Questiona-se o uso da raça em políticas públicas atentando-se para a sua confiabilidade, variabilidade e validade e discutem-se as limitações e possibilidades de uso da raça como um demarcador de diferenças. O ensaio conclui-se sugerindo uma agenda de pesquisa para aprimorar o entendimento e reduzir as incertezas associadas ao uso da variável "raça" em estudos quantitativos.

Palavras-chave: raça; cor da pele; Brasil; validade; confiabilidade; estabilidade; taxonomia; políticas públicas.


I. INTRODUÇÃO

O uso da variável "cor"2 em estudos quantitativos é cada vez maior. A incorporação de recortes raciais em debates e decisões políticas também. Nos Estados Unidos, esse aumento é constatado em estudos sociológicos (NIEMONEN, 1997), demográficos (ZUBERI, 2001, p. 94), e de saúde (JONES, LAVEIST & LILLIE-BLANTOM, 1991; WILLIAMS, 1994; LAGUARDIA, 2004). Martin e Yeung (2003), por exemplo, investigaram a utilização da variável "raça" em Sociologia examinando a American Sociological Review, a revista de Ciências Sociais de maior prestígio nos Estados Unidos. Entre 1936 e 1999, eles constataram que o número de estudos empíricos levando em conta essa variável aumentou de 8% para 40%, enquanto o número de artigos que não mencionam raça ou cor da pele diminuiu de 70,7% para 53,5% (idem, p. 526).

No Brasil, observa-se tendência semelhante. No campo da Saúde Pública é cada vez maior o número de estudos ressaltando a relevância de diferenciais de acesso, morbidade e mortalidade devido à cor (ARAÚJO et alii, 2009), enquanto nos campos da Demografia, da Sociologia, da Economia e da Ciência Política continua-se a enfatizar os diferenciais de fecundidade, reprodução, mobilidade social, educação, renda e participação política (PAIXÃO & CARVANO, 2008; THEODORO, 2008; RIBEIRO, 2009; BUENO & FIALHO, 2009).

A crescente adoção de recortes raciais em estudos quantitativos tem gerado duas linhas interdependentes de argumentação crítica por aqueles que estudam e não simplesmente incorporam, a variável "raça" em suas análises. A primeira linha defende a importância de entender-se a variável "cor" como um conceito volátil e socialmente construído, com significados sociais importantes para a definição de identidades e experiências vividas. Esse argumento direciona-se àqueles que consideram a cor da pele como uma característica permanente e imutável. O argumento é que, ao trivializarem a incorporação da cor em análises de correlação, os pesquisadores que utilizam essa variável reificam como fixo um conceito que é dinâmico, socialmente construído e fenotipicamente atribuível. Ao não questionarem ou esclarecerem a origem, as implicações, o significado e a mensuração da raça, os usuários da variável estariam contribuindo para a sua banalização. Em uma segunda linha de argumentação, e como um corolário do fato de a raça ser um construto social, tem-se questionado o uso da variável na tomada de decisões políticas, atentando-se para a sua confiabilidade, variabilidade e validade. Afinal, sendo a cor uma característica social putativa contextual, é legítimo perguntar em que extensão ela pode ou deve ser utilizada como um demarcador confiável para a atribuição de benefícios e para a identificação de diferenças.


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