terça-feira, 30 de novembro de 2010

Professora apresenta a sociologia de Florestan Fernandes

Maria Arminda do Nascimento Arruda é uma estudiosa da obra de Florestan Fernandes. Não sei se você já leu algo escrito por ela. Não? Te asseguro que, se você se interessa pela obra do Florestan, com certeza, vai encontrar insights muito legais nos textos produzidos por essa professora da USP.

Bueno, assim sendo, coloco abaixo um trecho de interessante artigo publicado na Revista TEMPO SOCIAL.



A sociologia de Florestan Fernandes
Maria Arminda do Nascimento Arruda

Se fosse possível apreender em uma única expressão os sentidos das mudanças em vigor no Brasil desde 1930, talvez pudéssemos classificá-los como inerentes a uma época de tradições fatigadas. Transformações de vulto aconteciam em todos os contextos da vida econômica, política, social e cultural, a suscitar outros estilos de se pensar o país, provocando o aparecimento de nova geração de intelectuais, os chamados "Intérpretes do Brasil" - Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda -, que enfrentaram, malgrado a diversidade que os caracteriza, o tema da construção da nossa modernidade nos termos da linguagem modernista1. Com eles, o modernismo deixa de ser o estilo avançado da literatura e das artes, chegando ao ensaio; o movimento das vanguardas, que na origem foi acentuadamente nacional, ofereceu condições propícias à conformação das nossas peculiaridades; por fim, pôde-se construir uma imagem do país em chave positiva, o que não significou ipso facto perspectiva necessariamente otimista sobre o futuro da nação, mas que se singularizava ao rejeitar as visões baseadas na ideia de incompletude da nossa história, tendo como ponto de referência experiências forâneas. O ensaísmo crítico de corte modernista negou a norma culta portuguesa como forma adequada de expressão intelectual, inscrevendo dicções incomuns no passado, ao mesmo tempo em que construiu retratos do Brasil que marcaram a cultura brasileira em toda a sua trajetória ulterior. Os ensaístas dos anos de 1930 lançaram as bases da reflexão moderna das ciências sociais brasileiras, legitimando o estilo de reflexão e de narrativa dessas disciplinas.

De fato, a experiência de constituição da sociologia moderna entre nós - se pudermos identificá-la à formação acadêmica da disciplina - estava plasmada na intensa modernização do país, acentuada a partir do decênio de 1930 no trânsito da crise das relações sociais tradicionais, e vigorosamente inequívocas desde os anos imediatos ao término da Segunda Guerra Mundial, quando a riqueza nacional foi auferida, sobretudo, nas atividades industriais. A despeito do ritmo das mudanças, o ambiente ainda transpirava orientações próprias à tradição, revelando o quanto se mesclavam presente e passado no Brasil daqueles anos. Todavia, o movimento da sociedade brasileira seguia sentido inverso ao da Europa, pois, enquanto lá ocorria perda da hegemonia civilizacional, aqui acontecia a débâcle do Estado Novo e a construção de instituições democráticas, acompanhadas da emergência de um surto desenvolvimentista sem paralelos até aquele momento. No plano cultural, a terceira década do século XX foi

[...] um eixo catalisador: um eixo em torno do qual girou de certo modo a cultura brasileira catalisando elementos dispersos para dispô-los numa configuração nova [...]. Em grande parte porque gerou um movimento de unificação cultural projetando na escala da nação fatos que antes ocorriam na escala das regiões (Candido, 2000, pp. 181-182).
Antonio Candido refere-se ao que denominou de "rotinização do modernismo", que se tornou o estilo dominante de expressão das elites intelectuais e artísticas brasileiras. O ensaio sociológico de 1930 situa-se entre a cultura tradicional, na medida em que representa uma modalidade de vida intelectual fortemente ancorada numa narrativa na qual o autor fala em nome próprio, e a vida intelectual desenvolvida em quadros institucionais2. Por fim, os ensaístas estavam na origem das ciências sociais entendidas numa acepção abrangente (cf. Araújo, 2005, p. 17) ao elegerem como problema central das suas reflexões os dilemas e as potencialidades do país para construir a sociedade moderna em terras tropicais de origem portuguesa. Este problema ganhou, especificamente, significado naqueles anos de franco reconhecimento do atraso de Portugal e de reordenamento das hegemonias mundiais.

Foi no bojo de tais transformações que se criou a Universidade de São Paulo, em 1934, e, com ela, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras que abrigou o curso de ciências sociais. A USP emergiu, desse modo, das novas concepções que passaram a orientar os mentores das instituições culturais que propugnavam por organismos coincidentes com o clima reinante, embora não encarnassem completamente os valores negadores da tradição, pois a instituição foi fruto do consórcio entre iniciativas avançadas no plano educacional e os projetos políticos das elites ilustradas oriundas do passado (cf. Cardoso, 1982). Esses aparatos institucionais modernos que vinham sendo construídos desde a terceira década cresceram e se diversificaram na fase seguinte com a criação de variadas fundações culturais (cf. Arruda, 2001). A Universidade permitiu a formação sistemática de cientistas devotados à docência e à pesquisa, além de engendrar uma concepção diversa do conhecimento, pois construiu novos espaços de atuação para os praticantes das várias disciplinas que compunham o quadro das carreiras científicas inauguradas, especialmente, na Faculdade de Filosofia da USP. A introdução de procedimentos sistemáticos ao treinamento de profissionais foi êmulo fundamental à institucionalização do saber característico das ciências sociais, que fazia parte do cenário diferenciado de realização das vocações científicas e compartilhava do clima característico da sociabilidade acadêmica.

Nesse cenário de fundas transformações e de apostas modernizadoras, berço da moderna sociologia brasileira, Florestan Fernandes (1920-1995) destacou-se como a personalidade mais singular em meio aos primeiros cientistas sociais egressos da universidade3. Nenhum dos seus contemporâneos identificou-se, como ele, com a missão de edificar as bases científicas da sociologia no Brasil; tampouco a nenhum da sua geração pôde-se atribuir papel de tal proeminência no campo da teoria, da pesquisa sociológica, da atuação institucional e do entendimento da dimensão profissional do métier. Por essa razão, a imagem do sociólogo brasileiro, hoje difundida, inspirou-se largamente na sua trajetória pessoal e institucional, estilo que vinha se desenvolvendo desde, pelo menos, o meio século XX, como decorrência da fundação da Universidade de São Paulo e do modelo de pesquisa introduzido pela Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, criada em 1933, combinados à tradição brasileira do intelectual público, especialmente marcante no Rio de Janeiro. O perfil do cientista social compôs-se, portanto, no encontro entre essas diversas tradições, que pressupôs o ensino sistemático das disciplinas em moldes científicos e o envolvimento com as questões públicas do país. A junção de tais atributos convidava às investigações sistemáticas sobre os caminhos da mudança em marcha, ao mesmo tempo em que era tributária das apostas que envolviam os dias presentes.

Leia o artigo completo aqui.

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