segunda-feira, 18 de abril de 2011

Leonardo Padura

Já postei alguma coisa aqui sobre esse grande escritor cubano. Acho que comentei um ótimo livro, ainda não traduzido para o português, intitulado "El Hombre que amaba los perros". Trata-se de uma romance, criativo e original, sobre a vida do assassino de Trostky, Ramon Mercarder.

Bueno, eis que encontro o meu amigo Olavo Queiroz e ele me fala deste texto. Ela já havia me enviado antes, mas, atabalhoada em mil coisas, esqueci-me de ler com atenção. Não apenas li o texto, mas, bacana que sou, divido-o com vocês. Confiram abaixo!

18/08/2010 - 11h08

Especulações cubanas



Por Leonardo Padura



Um dos exercícios mais complicados e ingratos ao qual são obrigados a recorrer os jornalistas e especialistas em assuntos de política e economia cubanas é o de fazer previsões sobre as razões que estão por trás – ou sob – o que acontece ou acontecerá no país. Contudo, não parece que a tarefa desagrade: melhor dizer que de alguma forma desfrutam esta prática délfica de supor, a partir do pouco visível, qual é o resto invisível ou simplesmente imprevisível da densa e silenciada política econômica e social da ilha do Caribe, cuja realidade não deixa de atrair a imprensa internacional.

Os mais recentes acontecimentos ocorridos em Cuba – digamos, a partir do anúncio da liberação de 52 prisioneiros, por um lado qualificados de “contra-revolucionários” e por outro de “consciência” – desataram uma verdadeira enxurrada de especulações que ganharam força por fatos inesperados como a reaparição pública de Fidel Castro, após quatro anos de ausência por questão de saúde, ou a decisão do presidente Raul Castro de não fazer o discurso central pelo aniversário do 26 de julho – considerado até agora a intervenção pública mais importante do ano em Cuba –, ou ainda o anúncio presidencial, durante a última reunião da Assembleia Nacional, de que serão ampliados as formas e os alcances do trabalho por conta própria, de maneira a enfrentar as dificuldades econômicas e absorver uma parte dos empregados estatais que precisam ser racionalizados – mais de um milhão, isto é, arrepiantes 20% da força de trabalho do país.

As perguntas mais insistentes desses especialistas e repórteres – e que o fazem a todos que possam “supor” algo, talvez interessante – têm a ver com a possível existência de uma luta pelo poder ou, quando não, por uma orientação econômica divergente nas altas esferas cubanas – inclusive tensões entre os irmãos Fidel e Raul –, com o novo modelo econômico para o qual o país poderia estar se encaminhando e com a possibilidade de que mudanças econômicas levem a transformações políticas.

O problema na hora de fazer essas previsões é que, para fazer uma soma, é preciso possuir os fatores que se relacionarão na adição e, no caso cubano, nunca se tem todos os números. Assim, os resultados levam mais a desejos, imaginações, do que a saldos confiáveis.

Nesse mar de augúrios existem, entretanto, algumas ilhas visíveis sobre as quais seria mais factível realizar as operações de avistamento do presente. A mais notável das realidades cubanas é, sem dúvida, a crítica situação econômica e financeira que o país atravessa, não apenas pelo bloqueio norte-americano e pela crise global, mas, e sobretudo, por esgotamento ou improcedência de suas atuais estruturas econômicas e comerciais, que cedo ou tarde devem ser modificadas.

Assim, a decisão do governo de abrir um espaço ao trabalho privado – ainda não se sabe em quais setores nem em quais condições – responde, sem dúvida, a essa conjuntura que exige aos gritos diversas transformações. O próprio Raul Castro admitiu, em seu mais recente discurso, que não é possível sustentar a imagem – ou a realidade – de que Cuba é um país onde se pode viver sem trabalhar, mas onde, além disso – ele mesmo reconheceu – não é possível viver do trabalho (nem mesmo para os profissionais mais capacitados), o que revela a existência de sérias deformações no sistema econômico de um país que se deu ao luxo de conseguir o pleno emprego à custa da ineficiência, improdutividade, criação de postos de trabalho desnecessários e, em consequência, do pagamento de um salário mais virtual do que real, que desanima os assalariados e obriga muitos a buscarem o sustento pelas vias tortas que, em geral, nascem e desembocam na corrupção, no roubo ao Estado e no mercado negro.

Também é muito evidente que a política social cubana, ainda conservando certos padrões de segurança social, deixou de ser “paternalista” (uma criação do Estado) não por vontade política, mas por necessidade econômica. Já os efeitos desta mudança são notados no setor da educação – fim de bolsas e redução da matrícula universitária, por exemplo –, no das aposentadorias – aumentou em cinco anos a idade para aposentar – e se aplicará ao terreno muito pouco cultivado em Cuba dos impostos fiscais.

Por fim (mas não em importância), na lista de certezas está o fato de que as formas de direção não mudaram em Cuba, nem mudarão no curto prazo. O governo advertiu que o sistema político de partido único e econômico de planejamento socialista não serão alterados pelas mudanças que forem introduzidas, ou pelas aplicações de medidas específicas como a libertação de 52 prisioneiros.

O que é incontestável, em meio a tantas previsões e escassas informações, é que o governo cubano busca alternativas econômicas que sustentem sua posição política. Só assim é possível entender que volte a incentivar o trabalho por conta própria, restabelecido e renegado na década de 1990, ou que planeje uma abertura turística que incluirá, junto a 16 novos campos de golfe e a construção de marinhas para iates, a venda de casas a estrangeiros, outra prática dos anos de 1990 que virtualmente desapareceu... E para não fugir do tom, poderíamos, então, perguntar aos oráculos: a quais turistas seriam vendidos esses produtos? Há cartas escondidas sob o tapete das relações Cuba-Estados Unidos?



* Leonardo Padura é escritor e jornalista cubano. Suas novelas foram traduzidas para mais de 15 idiomas e sua obra mais recente, El hombre que amaba a los perros, tem como personagens centrais León Trotski e seu assassino, Ramón Mercader.

Um comentário:

Bernardo Boris disse...

Prezado, tenho lido com atenção os livros de Padura e notadamwente "El hombre....", no meu caso em versão francesa. Trata-se de livro excepcional que foi publicado há poucas semanas em Porgtugal (Editora Porto).
Envie-me seu endereço e-mail, para que eu lhe transmita um comentário politico que recebi de leitor e amigo francês, a quem eu havia recomandado "L'homme...". Li também, em francês, os "Le palmier et l'étoile", e "Les ombres du passé - este com Conde, seu detetivo depressivo, do mesmo Padura. Pena que não abri seu blog antes, pois acabo de retornar a SP de um fim de semana prolongado em Natal !

Um abraço, aguardo endereço e-mail para transmitir o comentário.

Boris