terça-feira, 18 de outubro de 2011

Como estamos sendo seduzidos

Os artigos do Alon são sempre imperdíveis. Confira abaixo uma análise cortante sobre como estamos nos comportando em relação à "descoberta" do país pelos estrangeiros.

Viciado em elogio (17/10)
Alon Feuerwerker

Otimismo é bom quando ajuda a recolher energia e disposição para enfrentar os problemas. Mas vira um problema a mais quando é sinônimo de tolerância aos defeitos, de conformismo diante do que deveria despertar inconformismo

Os estrangeiros descobriram o modo infalível de seduzir os brasileiros. É só falar bem do Brasil. Uma inversão completa. Antes a moda, inclusive dos nativos, era falar mal. O país mudou, é certo, mas o estado de espírito parece ter mudado para além da realidade.

Não há marketing que resista a um mau produto, então é preciso olhar para os fatos e entender no que eles influenciam as boas percepções. Mas um bom marketing pode, sim, melhorar o produto, ou fazê-lo necessário além do que seria “natural”.

Em certos aspectos o Brasil é mesmo exceção. No mundo todo pipocam manifestações contra o mercado financeiro, apresentado como satanás. Aqui, onde se cultivam as maiores aberrações financeiras, nada. Curioso.

Por falar no “occupy wall street”, o movimento têm algo de regressista, mas recolhe glamour por mobilizar o senso comum.

Qual o país economicamente mais bem sucedido nos últimos tempos? A China. Pois os chineses construíram sua prosperidade a partir de certas decisões políticas heterodoxas adotadas lá atrás pelo Partido Comunista, diretrizes cujo melhor resumo é “enriquecer é glorioso”, frase histórica de Deng Xiao Ping.

O Brasil é outro lugar em que enriquecer não mais parece pecado. Um exemplo da inversão de estado de espírito? Quando antes alguns magnatas nacionais apareciam nas tais listas mundiais de mais ricos a reação era negativa. Hoje isso virou do avesso.

Dizia que a moda sobre o Brasil é falar bem. Há algumas coisas que melhoraram bastante. O salário mínimo nem se compara ao do passado. E os programas sociais dos governos oferecem uma proteção razoável aos mais pobres.

Mas nossa educação continua muito ruim, bem como a infraestrutura. O sistema tributário é super-regressivo, quem ganha menos paga proporcionalmente muito mais. A violência e o crime são epidêmicos, sem comparação possível com os índices nos países mais civilizados.

E aqui “civilizados” cabe bastante.

Após quase três décadas de governos democraticamente eleitos, nenhum dos grandes gargalos nacionais foi enfrentado para valer. E trinta anos é muito tempo. Só olhar para ver o que, de novo eles, os chineses fizeram nesse mesmo período.

A inversão da autoestima tem a ver com elementos subjetivos, mas não só. Sua raiz vem fincada na persistência de um período razoavelmente longo de conforto econômico. Uma época de consumo em alta, cujo melhor sintoma são os preços nacionais comparados aos de fora.

O motor do consumo é a expansão do crédito, que entretanto vai encontrando seu limite. Não é que o brasileiro deva muito. Ele deve até pouco na comparação com os cidadãos dos países mais enrolados na crise.

O problema está em outro aspecto. Se o brasileiro não deve tanto assim, compromete com pagamento de dívidas uma parcela bem maior do que os cidadãos dos países centrais. Exatamente por causa das distorções financeiras.

É uma mistura complicada.

A economia em desaceleração projeta para os próximos anos um crescimento medíocre dos novos empregos e tampouco permite otimismo na elevação da renda.

E a onda vai topar com uma população que, quando se endividou, imaginava uma taxa de bonança perene.

Sem falar nas contas externas. O único setor superavitário da produção nacional é o agronegócio. Que aliás sustenta o resto da economia nas trocas com o exterior. Mas vem sob pressão do ambientalismo, pois não há como plantar mais ou criar mais gado sem desmatar.

Nossa indústria está de língua de fora, sem que as medidas espasmódicas e localizadas consigam embicar a atividade para cima. O setor precisaria de um período longo de estímulo à competitividade, para valer. Mas não está no horizonte.

Pois não há governo capaz de interromper a doce anestesia provocada pelo real forte.

Otimismo é bom quando ajuda a recolher energia e disposição para enfrentar os problemas. Mas passa a ser um problema a mais quando vira sinônimo de tolerância aos defeitos, de conformismo diante do que deveria despertar inconformismo.

Um comentário:

Guru disse...

Legais reflexões
Mas é bom lembrar algo que a os conversores de elogio estrangeiro em auto-elogio insistem em esquecer: a pagação de pau do mundo inteiro a FHC em 1998, que ajudou bastante na reeleição.