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300 mil bebês levados dos pais
Autor(es): Rodrigo Craveiro
Correio Braziliense - 18/10/2011
Tevê britânica BBC denuncia a venda de recém-nascidos, durante a ditadura do general Franco. Máfia teria contado com o apoio de padres e freiras. Irmã de vítima relata drama ao Correio.
O general Francisco Franco governava a Espanha com mão de ferro quando a irmã de Maria Fe Chordá Abad veio ao mundo na Clínica Salud, em Valência. Era 8 de fevereiro de 1962, e a mãe da recém-nascida jamais viu a filha. "Eles fizeram com que minha mãe dormisse, para que nada percebesse. E levaram o bebê da sala de parto logo após o nascimento", relatou Maria Fe ao Correio, pela internet. "Contaram ao meu pai que ela teria sido levada a outro hospital, pois estaria doente. Três dias depois, uma freira veio e disse que minha irmã estava morta e enterrada."
Maria Fe nasceu um ano depois do sumiço da irmã. "Ela não aparece nos registros, nem viva nem morta. Temos certeza de que a compraram e que hoje ela vive como filha biológica de seus novos pais", acrescentou. Para a cozinheira de 48 anos que vive em Torres Torres (província de Valência), a Igreja Católica está envolvida no crime, já que a instituição de saúde era dirigida por freiras. "Ao meu entender, a Igreja sempre se move pelo dinheiro. É como uma seita, motivada por interesses", concluiu.
O drama de Maria Fe faz parte de um escândalo que é tema de um documentário a ser exibido pela BBC às 21h de hoje (18h em Brasília). De acordo com a emissora britânica, 300 mil bebês foram levados de seus pais e vendidos para adoção, entre 1960 e 1989. A repórter Katya Adler, que investigou o caso, afirma que as crianças foram traficadas por uma rede secreta de médicos, freiras, padres e enfermeiras. Por e-mail, Enrique Vila Torres — advogado contratado pela Associação Nacional de Afetados por Adoções Irregulares (Anadir) — afirmou à reportagem que os crimes tinham motivação política e, com o tempo, se transformaram em negócio. "O ditador Franco criou leis que permitiam apropriar-se de filhos de mulheres republicanas detidas. Mas a repressão política afetou somente 30 mil bebês. E a prática continuou, como forma de fazer dinheiro."
Funcionamento
Segundo Torres, os médicos envolvidos no esquema contavam com a colaboração de freiras, padres, parteiras e funcionários das clínicas e dos hospitais. "Intermediários pegavam o recém-nascido, afirmavam aos pais que ele havia morrido e o vendiam para outros casais, que o registravam como filho", comentou. Com a certidão de nascimento falsificada, ficava difícil comprovar o caráter ilegítimo da filiação. "Os pais falsos pagavam até 18 mil euros pelo bebê", emendou.
O advogado da Anadir não tem dúvidas da participação ativa da Igreja Católica na máfia. Ele garante que freiras e padres agiam com a conivência dos superiores. "Era comum que as freiras trabalhassem como enfermeiras e facilitassem o roubo dos bebês e sua venda a famílias "mais católicas ou ricas". Pelo menos um padre intermediou as negociações", disse Enrique Torres. Autor de Histórias roubadas, ele acredita que a Igreja Católica permitia o funcionamento da máfia. "O que já é bastante grave", ataca.
Especialistas creem que os casos de filhos arrancados dos pais correspondam a 15% do total de adoções ocorridas na Espanha nesses 29 anos. O escândalo veio à tona depois que dois espanhóis — Antonio Barroso e Juan Luis Moreno — descobriram que haviam sido roubados quando bebês. Já no leito de morte, o suposto pai biológico de Moreno confessou-lhe que tinha comprado o filho de um padre em Zaragoza, no norte da Espanha. Ele revelou ainda que os pais de Barroso também pagaram 200 mil pesetas, uma fortuna na época, pelo então bebê. O Correio entrou em contato com dois vaticanistas, mas eles se recusaram a comentar o assunto.
terça-feira, 18 de outubro de 2011
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