domingo, 9 de outubro de 2011

A Copa e a Meia entrada

Leia abaixo a posição do jornalista Alon Feuerwerker sobre o imbroglio.


Por que discriminar?
Alon Feuerwerker


A proposta não é dar um desconto para o estudante pobre, ou para o idoso pobre. Até porque, convenhamos, fosse assim o benefício deveria então contemplar os pobres em geral, e não certos segmentos

A meia entrada para estudantes e idosos na Copa de 2014 virou motivo de tensão entre a Fifa e o governo brasileiro. Virou também pretexto para arroubos supostamente patrióticos, como se a soberania nacional estivesse no desconto de 50% para esses dois segmentos.

Mas o debate é bom, pela oportunidade de olhar uma certa modalidade de política social invertida. Em que a pretexto de fazer justiça faz-se o contrário. Tipicamente brasileiro.

Por que motivo o estudante bem situado, de boa renda ou de família abastada, deveria receber o desconto? E a mesma dúvida vale para quem já passou de certa idade mas tem dinheiro suficiente para pagar um ingresso de Copa, sem isso lhe pesar no bolso.

É verdade que a proposta se sustenta em leis brasileiras reguladoras do acesso a bens culturais, mas o caso da Copa introduz um complicador. Como a Fifa não pretende abrir mão de receita, há o risco real de a conta acabar espetada no Tesouro.

Se os ingressos normais fossem majorados para compensar, seria uma opção comercial. Numa esfera rigorosamente privada. Achei caro? Problema meu. Assisto ao jogo pela tevê. Ou, se a raiva for muita, vou fazer outra coisa na hora da partida.

Mas o que se trama aqui é a aberração das aberrações: o contribuinte (grande, médio ou pequeno) pagar a metade do bilhete de alguém que poderia perfeitamente arcar com a despesa integral.

Para que os políticos possam cumprir os compromissos com a Fifa e, ao mesmo tempo, fazer média, demagogia. Às nossas custas.

Será bonito se o governo tomar medidas para dar aos mais pobres acesso aos estádios na Copa do Mundo. Será bacana, por exemplo, se destinar parte das cadeiras aos beneficiados pelo Bolsa Família.

O Brasil gosta de ser reconhecido pelas ações para reduzir a pobreza. Então que faça algo original nesse campo.

Mas não é a proposta. Vemos apenas mais um episódio no qual a pretexto de proteger grupos-alvo de políticas públicas o Estado assume o papel de garantidor de privilégios e socializador do seu custo.

Que o Brasil se entenda com a Fifa. Desde que a conta não sobre no fim para a sociedade. Especialmente para o contribuinte de menor renda, sempre um candidato favorito a arcar com a dolorosa, dada a forte regressividade do sistema tributário brasileiro.

O povão que não tem dinheiro para comprar um ingresso não deve ajudar a subsidiar, por meio dos impostos, o divertimento do rico ou do classe média.

Não existe qualquer problema de princípio em mudar leis para se adaptar a normas que regem eventos como uma Copa, ou Olimpíada. A soberania nacional não será afetada, inclusive porque a decisão de alterar a legislação é, aí sim, soberana de cada país.

A discussão deveria estar focalizada no mérito. É razoável o orçamento público arcar com um privilégio 100% injustificável?

Se querem premiar o estudante pobre e o idoso pobre, tudo bem. É justo. Mas aí aparece uma dúvida. Se é para fazer política social, por que não estender o benefício a todos os pobres?

Por que discriminar
?

Irracional

Duas estatísticas fresquinhas mostram que as universidades brasileiras continuam fora da elite mundial -a exceção é a USP- e também que a violência continua epidêmica entre nós -a exceção é São Paulo.

É ingenuidade imaginar que educação e segurança pública possam ficar imunes à disputa política, mas é triste que esse debate esteja integralmente contaminado pelo partidarismo.

O certo seria olhar o que funciona e tentar aplicar em outros lugares. Mas não acontece. Porque a política manda exaltar o que não funciona, se isso ajudar a fortalecer um aliado, ou a desgastar um adversário.

No fim das contas, quem paga o pato é o povo.

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