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sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Deus e a eleição

Nada como um dia atrás do outro, ensina o dito popular. Na sua coluna de hoje do jornal Folha de São Paulo, o jornalista Fernando Barros e Silva reproduz famoso e decisivo diálogo, travada em debate às vésperas da eleição para prefeito de São Paulo em 1985 pelo então candidato (que viria a ser derrotado, dizem, exatamente pela resposta dada ao jornalista. Confira:

Boris Casoy - Senador, o senhor acredita em Deus?
FHC - Essa pergunta o senhor disse que não me faria.
Casoy - Eu não disse nada.
FHC - Perdão, foi num almoço, sobre esse mesmo debate.
Casoy - Mas eu não disse se faria ou não faria.
FHC - É uma pergunta típica de quem quer levar uma questão que é íntima para o público, uma pergunta típica de quem quer simplesmente usar uma armadilha para saber a convicção pessoal do senador Fernando Henrique, que não está em jogo. Devo dizer ao senhor Boris Casoy que esse nosso povo é religioso. Eu respeito a religião do povo, as várias religiões do povo, automaticamente estou abrindo uma chance para a crença em Deus.
Casoy - A pergunta não foi respondida. Não se trata de armadilha, nem de convicção pessoal.
O jornalista da Folha, após rápida análise, conclui:

Ao vestir a fantasia do neocarola, o tucano age mais ou menos como aqueles que acusavam FHC de ser ateu há um quarto de século.

domingo, 27 de dezembro de 2009

A bolada que Padre Fábio recebeu nem é o mais grave...

O cantor Pare Fábio de Melo recebeu, da Prefeitura da cidade do Natal, nada menos que R$ 221.000,00 para um show realizado no dia 25, sexta-feira passada.

O fato passou a merecer críticas da imprensa norte-riograndense. Não é para menos, afinal o valor pago ao padre cantor é, no mínimo, quatro vezes maior do aquele pago a nomes consagrados da música brasileira, como Bibi Ferreira e Zé Ramalho.

Ontem, no RN TV, telejornal noturno da TV Cabugi (Rede Globo), um secretário municipal tentava justificar o injustificável. Em certa altura, comentou que vinte e cinco mil pessoas que estavam participando de uma missa assistiram ao show. Nesse momento, demo-nos conta de que a atividade musical estava incluída no conjunto de atividades de comemoração dos 100 anos da Arquidiocese de Natal. E que o problema é mais grave do que drenar rios de dinheiro público para a conta de um padre cantor...

Muito mais grave do que a quantia paga é o fato de uma prefeitura municipal pegar o meu, o seu, o nosso suado dinheirinho para financiar atividades de uma determinada religião. Mesmo quando essa religião tem, supostamente, a adesão da maioria dos municípes.

O atentado cometido pela gestão da Prefeita Micarla de Sousa foi não apenas contra o erário público, mas, o que é mais grave e prejudicial, contra o princípio republicano de separação entre Igreja e Estado.

Sobre essa questão, em artigo publicado hoje no jornal Folha de São Paulo, Dom Dimas Lira Barbosa, Secretário Geral da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), escreveu:

"A separação entre igreja e Estado, conquistada, no Brasil, com a proclamação da República, significou, para ambos, um ganho enorme em termos de autonomia e liberdade de ação. Nada, hoje, justificaria um retrocesso nesse campo."

Pois, em Natal, Igreja e Estado estão em conúbio e quem paga a conta do matrimônio é o distinto público,

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Evangélicos traficantes?

Ficastes espantado? Pois não se trata de ficção, o casamento entre neopentencostais e traficantes é o mais novo dado de determinadas partes do Rio de Janeiro. Confira aqui artigo publicado na Revista Plural, da USP, tratando do assunto.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

A relação entre opção religiosa e violência

Mais um texto do Professor Gláucio Soares.

Religião, crime e política
Glaucio Ary Dillon Soares


As pesquisas demográficas, econômicas e sociológicas do crime, em geral, e do homicídio, em particular, usam predominantemente dados agregados. As teorias psicológicas e psicossociais usam dados individuais. As tentativas de integrar essas teorias levaram à realização de difíceis pesquisas chamadas de multilevel, de níveis múltiplos, porque umas variáveis explicativas tinham que ver com o país, com o estado ou com o município (três níveis diferentes) e outras com traços individuais (um quarto nível). No diálogo competitivo entre essas teorias, a preocupação era saber se variáveis de um tipo contribuíam para explicar a variância (do crime ou homicídio) quando as variáveis do outro tipo estavam controladas. Era um cabo de guerra, indivíduo versus contexto. As piores equações olhavam o crime como feito por indivíduos sem contexto ou por contextos sem indivíduos. A melhor equação olhava o crime como resultante de indivíduo, mais contexto e mais suas interações. Interações?

É. O diálogo fecundo entre as perspectivas vai mais longe: além de confirmar que tanto indivíduo quanto contexto contam, buscam interações, condições nas que uma das características individuais e contextuais produzem resultado diferente da soma de suas influências. Alguns, pesquisando a delinquência juvenil, perguntaram se a participação e o involucramento religioso protegiam os indivíduos nas vizinhanças negativas. Uma espécie de “efeito do colchão” ou “efeito amortecedor”. Os resultados mostram que o baixo nível socioeconômico do bairro aumenta a probabilidade de crimes violentos. Porém, interações entre níveis analíticos diferentes mostram que esse efeito é atenuado pelo involucramento religioso. Em áreas de nível socioeconômico algo mais alto, participar de uma religião rigorosa amortece os efeitos contextuais sobre o uso de drogas.

Porém, a relação não é fácil nem simples. Há variáveis que estão associadas com a religião e também estão associadas com o crime e a violência, aumentando ou diminuindo o risco, seja de cometer um crime, seja de ser vítima dele. Há alguns anos, no Distrito Federal, constatei uma associação entre a religião (denominação religiosa) e o nível educacional. Somente 21% dos espíritas e esotéricos eram analfabetos ou tinham, no máximo, primário incompleto, pouco menos que os católicos, com apenas 23%; entre protestantes era um pouco mais alta, 36%, atingindo 40% entre os evangélicos. Com base na educação, e somente na educação, os evangélicos deveriam ter uma taxa de crimes muito alta, mas tal não acontece. Nas áreas mais pobres das regiões metropolitanas, que são mais violentas, os evangélicos convivem com altas taxas de crimes violentos. A coexistência entre evangélicos, traficantes e outros criminosos faz que essas áreas tenham grande diferenciação interna no crime e na violência, graças à convivência entre pessoas com taxas muito altas e pessoas com taxas muito baixas, o que provoca uma relação sui-generis entre religiosos e criminosos, sendo que a religião, particularmente as evangélicas, passa a ser fundamental para impedir a entrada de jovens na vida do crime e para facilitar a saída dele. Porém, além do contexto espacial (favela, invasão) e institucional, há variáveis individuais, como a religiosidade, que são relevantes. Alguns fiéis se sentem mais religiosos do que outros. A religiosidade inclui comportamentos como a frequência à missa, à igreja e a outros rituais religiosos, e sentimentos como a autodefinição (muito, bastante, religioso ou nada religioso). Os dois se correlacionavam negativamente com a educação — a maior educação formal, menor religiosidade, formando um triângulo de influências que atuam em sentido contrário: a mais educação, menos religião e menos crimes violentos; a mais religião, menos crimes.

O Brasil é um dos países mais interessantes para estudar a religião: onde há mais espíritas, mais católicos, mais sincretismo religioso com o cristianismo (misturam duas ou mais religiões, uma delas cristã), onde cresceram muito os evangélicos pentecostais e neopentecostais, onde Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, lançou um livro, Plano de poder, alegando que Deus quer que sua igreja, apoiada pelos demais evangélicos, tome o poder no Brasil e há um partido liderado por evangélicos, o PRB. Ironicamente, essa riqueza social e política é desprezada na nossa pós-graduação, cujas leituras são dominadas por A ética protestante e o espírito do capitalismo, de Max Weber, escrito há mais de um século. Em todos os cursos encontrei apenas um seminário sobre religião e política. Nele, todos os autores são europeus e mortos há muito tempo. Decididamente, nossos cientistas políticos e sociais vivem em outro continente e em outro século.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Religião e violência

Leia abaixo artigo publicado no blog Conjuntura Criminal, mantido pelo Professor Gláucio Soares, a respeito da relação entre violência e religião.

Religião e violência

GLAUCIO ARY DILLON SOARES

Com a aproximação do Natal, os temas da religião e da vida espiritual voltam à baila, juntamente com perguntas centenárias. Num país, como o Brasil, no qual a violência é muito grande e os jovens representam uma alta proporção tanto das vítimas quanto dos agressores, uma velha pergunta se impõe: a religião tem alguma coisa a ver com a violência da juventude? Aumenta ou diminui a qualidade da vida dos jovens?

Há muitos estudos que tentam dar uma resposta a essas perguntas mas, infelizmente, poucos foram realizados no Brasil. Os Estados Unidos são um país que estimula pesquisas de todo tipo, inclusive sobre a interseção da religião com a juventude. Para sintetizar o que se sabe, Dew e outros pesquisadores da Universidade de Duke fizeram uma revisão de 115 artigos científicos que analisaram uma série de relações entre a juventude e o uso de drogas, a delinqüência, problemas psiquiátricos como a depressão e a ansiedade, a propensão ao suicídio, etc. Em 92% deles havia, pelo menos, uma relação estatisticamente significativa entre a religião e uma das dimensões da saúde mental. A religião e a religiosidade diminuem os problemas mentais e comportamentais. O impacto mais forte é sobre o consumo de drogas.
Outro trabalho semelhante, de revisão sistemática da literatura científica, foi feita por Larson e Johnson em 2003. Analisaram nada menos do que 402 artigos que pesquisaram a relação entre religião e delinqüência. Foram rigorosos, selecionando, apenas, os artigos metodologicamente sólidos. Sobraram quarenta. Diferenciaram aspectos da religião: a freqüência aos ritos (missas etc.); a importância atribuída pelos entrevistados à religião; o estudo das escrituras; a freqüência das orações; a religião dos entrevistados e a participação em atividades religiosas dentro e fora da igreja ou templo. Quase todas as pesquisas mostravam que a religião agia contra a delinqüência: a maior religiosidade, menor o risco de que o jovem cometesse atos delinqüentes.

Lisa Wallace e colaboradores fizeram uma análise mais sociológica dessas relações. Estudaram alunos da 6ª, 8ª, 10ª e 12ª séries. Se concentraram em dez tipos de comportamentos delinqüentes, sendo o pior levar armas de fogo para a escola. Seis variáveis independentes protegiam os alunos contra a delinqüência: compromisso e identificação com a escola ou colégio; o compromisso com a própria educação e a aceitação da legitimidade das normas da escola. A família também pesava: a participação dos pais na vida escolar dos alunos e a relação emocional dos alunos com suas famílias contavam e muito. Além desses fatores, estava a religião que também protegia o aluno. Entre as crianças menores, a família era o fator protetor mais importante e a religião também era um fator de peso. Ironicamente, entre os adolescentes menores (que estavam na 8ª e na 10ª séries), que buscavam independência em relação a suas famílias, a religião também perdia parte de sua capacidade protetora, mas a retomava mais tarde, entre os adolescentes maiores e os jovens adultos. Nesse grupo mais velho, o efeito da religião era semelhante ao da família e o da identificação com a escola - juntos.

E no Brasil? Sabemos pouco. Vários estudos observacionais, não sistemáticos, descrevem a religião como uma força que compete, mas não colide, com o tráfico nas áreas mais pobres e violentas. Nelas, o trânsito entre denominações pentecostais e entre elas e o tráfico é relativamente intenso. Infelizmente, esses estudos não são sistemáticos. Um dado sólido, que representa o início de uma linha de pesquisa e não o seu auge, é a correlação negativa (-0,53) entre a percentagem da população que afirma ter uma (qualquer) religião e a taxa média de homicídios entre 1996 e 2002, usando os municípios brasileiros como observações. Um detalhamento dessa pesquisa mostra que, em 24 estados, a mais pessoas religiosas, menor a taxa de homicídios.
Historicamente, há muitos casos tristes de guerras e violência estimuladas ou cometidas por religiões. Ainda hoje, há interpretações equivocadas de textos religiosos que tem levado à invasão militar de uns países por outros e a atos de terrorismo. Não obstante, no nível individual, os dados e a bibliografia de que dispomos mostram que a religião reduz o crime e a violência, mas com intensidade variável.

No Brasil, o maior país católico do mundo, com uma taxa alta de crescimento de evangélicos, um número significativo de espíritas, sobretudo na classe média, e religiões afro-brasileiras muito importantes em alguns estados, as pesquisas empíricas sobre as relações entre religião, por um lado, e crime e violência, pelo outro, são escassas. No mínimo, uma contradição.