quinta-feira, 15 de abril de 2010

O paternalismo enrustido dos que querem impedir os "fichas sujas" de se candidatarem

A nossa classe média sempre foi meio udenista. Prega moral e bons costumes, mas patrões e filhos, não raro, assediam as empregadas domésticas. Esbraveja contra a corrupção, mas requer sempre um "tratamento diferenciado". E quando fala em corrupção, claro!, está se referindo aos "outros". No seu etnocentrismo de classe, os bem pensantes da classe média acham que só mesmo tutelando a choldra é que garantiremos a "nossa democracia". Do contrário, a patuléia ira votar em "fichas sujas". Não por acaso, após as primeiras doses do uisquito gringo, ao nos aproximarmos da mesa onde bem o "tipo ideal da classe média" brasileira, ouvimos expressões como "o problema é esse povo, que é ignorante..."

Qual a saída que os bem pensantes apontam? Tutelar a choldra. Daí o nosso paternalismo jurídico. Os bons filhos de classe média que saem das nossas faculdades de direito, aboletados nos seus altos salários, sentem-se como uma casta superior. E saem arrotando lições e regras para a patuléia...

É esse o caso do projeto que tenta impedir os políticos "fichas sujas" de se candidatarem. O projeto e a produção discursiva em sua defesa não conseguem esconder a idéia, digamos, "desconfiada" que os setores que se supõe "esclarecidos" têm a respeito do "povo". O sub-texto é: ora, como a massa ignara é que vota nos corruptos, vamos "ajudá-la" nas suas escolhas eleitorais retirando de cena os políticos que nos achamos que não merecem estar "lá".

É a velha concepção de tutela das massas! Com uma roupagem nova. Mas, por sob as vestes coloridos dos moralistas do século XXI, o mesmo corpo e alma dos que, ainda ontem, defendiam a exclusão dos analfabetos do processo eleitoral.

Campanha a favor da lei dos "fichas limpas"? Que coisa chique e inodora, não é? As pessoas que a fazem, não por acaso capitaneadas pela CNBB, sentem-se do "bem". Sei, sei, gente do bem que pode passar por cima de você na próxima esquina se deres bobeira. Como diria o Macaco Simão, "vão indo, que eu não vou..."

6 comentários:

Anônimo disse...

Caro Edmilson,

A questão, em minha opinião, vai muito além do habitus de classe das classes médias (a qual pertencemos)...
Primeiro, impedir um indivíduo no Brasil por estar sofrendo um processo demonstra ums clara visão juridicista positivista. A maior parte dos crimes cometidos por políticos não passam pela racionalidade jurídica que exige provas materiais. Segundo, esses crimes são cometidos no escopo da lei e não passando por cima dela. Não é à toa que em momentos de revolução social surgem tribunais populares... Escapam das amarras que impedem se vizualizar quem realmente é criminoso ou não.
Só para se ter uma idéia do que digo, a maior parte dos crimes cometidos em geral são feitos por indivíduos protegidos pelo sistema (ambientais, trabalhistas, sociais, etc).
Recordo Jessé Freire que nos lembra que no Brasil existe uma parte da sociedade que vê (e trata) a outra parte como subcidadã, desprovida de sua capacidade de escolher seus representantes, etc. A mesma que explora suas empregadas domésticas, não cumpre normas de trânsito, sonega impostos, passam por cima dos outros, etc.
A mesma que, em complemento, se considera superior, "porque estudou mais", porque merece ganhar rios de dinheiro com salários alvitantes pagos pelo Estado Brasileiro. A mesma que vizualisa os programas sociais como "construtores de vagabundos", assim como se via, na década de 1970, o "FUNRURAL" da mesma forma...
Faço parte dessa classe média, mas ouso lhe dizer que não toda ela pensa assim. Parte dela ascendeu economicamente na última década e é a mesma que hoje, é uma base de apoio forte ao governo Lula.
Lemos autores americanos, franceses, etc... Isso porque eles dão conta de ajudar-nos a pensar nossa realidade. De vez em quando, um bom Bourbon "gringo" ajuda também (assim como uma boa caninha local). Não é o que pomos na boca mas o que dela sai a questão.
O autoritarismo e a miopia social de nossa classe média é fruto ainda de condições de reprodução injustas em nossa sociedade. Mas ao dizer o que diz e fazer o que faz, ela reproduz elementos que considera como distintivos socialmente, imitando o habitus do grupo acima dela.
Mesmo assim, uma classe média forte e muito mais ampliada pode ser um suporte excelente para nossa democracia. Quem sabe...

Um abraço,

Thadeu.

Anônimo disse...

Caro Edmilson,

falou e disse. Muito legal o post.

daniel

tania disse...

também não vou! haha, Edmilson, você sempre acaba me fazendo rir, mesmo tratando de assunto sério. Ou justamente por isso. Porque é aí mesmo que precisamos ter algum humor.
Abraço.

Unknown disse...

Nooossa senhora! o "Tom zé potyguar" resolveu sair na caverna e escrever um post "autoral" (rsrs)
Muito bom o texto! Teoria crítica sociológica na veia!!!

Unknown disse...

Caríssimo Thadeu,

Acho que você tem razão sobre uma maior heterogeneidade interna na classe média brasileira. De fato, conforme pesquisadores têm demostrado, a exemplo de Marcelo Nery e André Singer, há uma maior pluralidade de habitus de pensamento e ação no interior da nossa classe média, consequência da ascensão sócio-econômica de frações de classe da base da estratificação. O interessante é que essa maior pluralidade está se traduzindo um fenômeno muito peculiar: um "antagonismo intra-classe", isto é, um "conflito" (às vezes velado, eufemizado, às vezes manifesto) entre frações internas da classe média brasileira. Mais partocularmente entre "estabelecidos" (fração de classe média educada) e "outsides" (transfurgas de classe, ou seja, perfis individuais com gostos, habitus de pensamento e ação originados nas classes de origem: classes de baixa renda).

rodrigo sérvulo disse...

quando li esse texto me lembrei dessa canção:

http://www.youtube.com/watch?v=xWzGh_z8YmU