quinta-feira, 8 de abril de 2010

O PT nas eleições de 2010: a análise de César Maia

Uma das coisas que eu aprendi a detestar foi o escanteamento de um argumento pela desqualificação de quem o emite. Obviamente, não precisaria nem dizer, tenho nadado contra a corrente. No dia a dia, mesmo no espaço acadêmico no qual, em tese, deveria prevalecer um debate no qual a identificação do melhor argumento deveria se basear na sua força persuasiva e na sua consistência, predomina, com raras exceções, a postura de diminuir o emissor para deixar de lado a mensagem. Escrevo esse intróito para convidá-lo a ler o texto abaixo, escrito pelo ex-Prefeito César Maia, do DEM. Sei, sei, você não gosta do cara, e, sendo petista, menos ainda do teor do texto. Mas, faça um exercício: tente "ler" para além do texto, isto é, para além do interesse do autor em fazer o combate político e ideológico ao PT. Caso você consiga fazer isso, pode descobrir que há, aí, alguns elementos para um diagnóstico (que precisa ser feito) da metamorfose que o PT está vivendo neste ano de 2010.

A DEBILIDADE DO PT NA CAMPANHA ELEITORAL DE 2010!
César Maia


1. Na Alemanha dos anos 30, chamava-se de "Estado Total" a incorporação ao Estado, dos poderes, do partido político único, dos sindicatos e de todas as associações da sociedade civil, incluindo as manifestações artísticas. Por isso, os atos do partido único eram também atos do Estado e, por este, preparados com toda a coreografia e assumindo todas as despesas. No Brasil se avança para isso a passos largos. Boa parte das associações da sociedade civil e sindicatos são cooptados, patrocinados e seus dirigentes assalariados do Estado por nomeação.

2. Quando se analisa o quadro eleitoral de 2010, isso fica muito claro. Era de se esperar que com a popularidade do presidente e a competitividade de sua candidata, o PT entrasse nesse processo eleitoral como o partido mais forte, especialmente por ser um partido de Estado. Mas não é isso que se vê.

3. Fazendo um levantamento das candidaturas próprias do PT aos governos dos estados, se vê que elas são competitivas no Rio Grande do Sul, Bahia, Sergipe, Piauí e Acre, sendo que no Rio Grande do Sul, é competitiva para perder, e só no Acre franco favorita. Isso terá como reflexo a inevitável perda de deputados em relação aos que o PT elegeu em 2006.

4. Mas para os gerentes do Estado Total, Lula na frente, tanto faz. Pressionam seus pré-candidatos regionais para que desistam e apóiem seus parceiros, especialmente do PMDB e do PSB. Para eles, o fundamental é manter sob seu controle o Estado Total. Na medida em que a Federação foi colocada de joelhos por Lula, com um cheque de 'pacs' numa mão e um chicote na outra, ganhar ou perder estados não muda nada. Da mesma forma fazer mandatos de deputados federais. Afinal, a cooptação por cargos, emendas ou partido-patrimonialismo, pensam, vai lhes garantir o controle do Estado Total.

5. E se o partido é parte do Estado, que se transforma ele mesmo em partido, não faz diferença a origem partidária dos deputados da base aliada ou subserviente. O importante é vencer a eleição presidencial. E para isso vale qualquer arma, qualquer golpe, qualquer pressão. Não importa se o PT vai sair dessa com um só governador do Acre e com 60 deputados federais. O que importa é o controle do Estado, pois os mandatos de fato, estão com aqueles que ocupam os postos chaves da máquina pública. Especialmente os fiscais financeiros e previdenciários.

Um comentário:

Guru disse...

César Maia, o veneno de um paulo francis com a objetividade de um golbery! Como alguém pode não gostar dele?

Há realmente uma argumentação interessante. O que está salientado, basicamente no 5o ponto, é que nessas eleições o partido dos trabalhadores está se boicotando nas eleições estaduais em prol da presidencial (tem até um diretório em miniatura defendendo Iberê para o governo). Difícil discordar da debilidade desta atitude, mesmo que vá garantir os tão cobiçados 'fiscais financeiros e previdenciários'. Isso dá água na boca de qualquer um, né?

Mas a idéia em que César Maia se baseia, de Estado-total ou partido-patrimonialismo, me parece equivocada. Equivocada-e-meio. Tragam Foucault, ou pensem as culturas politicas como hibridizadas, ou mesmo num projeto hegemônico, arrumem alguma forma de sair do esquema política como jogo de tabuleiro! Achar que o monolito-PT está se apossando da sociedade civil e do Estado brasileiro é bem distante de tudo que temos observado. Não vi em nenhum momento um "governo do PT" na presidência, aliás, para qualquer analista está muito difícil enxergar o que diabos é o PT hoje. Sarney e Renan Calheiros tem muito mais voz no governo - e talvez no próprio partido - que a maioria do alto escalão petista - e incluo aí luminares como Mercadante e Suplicy. E, sobre a sociedade civil, o quadro é bem heterogêneo - em algums campos sociais realmente não dá para diferenciar PT e sociedade, em outros a influencia do partido é irrelevante. Sem falar, evidentemente, nas variações regionais.

Enfim, quem é esse PT? Que quer, que pensa, que age, que faz isso tudo?! César Maia fala, com maior precisão, dos "gerentes do Estado Total", mas isso é apenas inveja de quem tá com a chave do cofre ou chega a ser uma análise rigorosa do principado? Nada surpreende que o alto escalão tem interesse em continuar mandando nas coisas, mas o discurso de continuidade tem fortes embasamentos muito mais relevantes que a vontade de meia dúzia de abençoados em não perder o controle da caneta.

Eu não sei se o que está acontecendo é uma metamorfose do partido. Está mais para sublimação. Acho que até a militância firmou um acordo tácito no qual o PT não é mais relevante. Relevante se tornou discurso de prosseguimento de um projeto que a enorme maioria das pessoas não tem a mínima idéia do que seja. Engraçada ironia, se lembrarmos dos antigos esquemas de transição por sublimação.