Matéria publicada no sempre muito bom VALOR ECONÔMICO aborda a temática. Transcrevo parte do material mais aí abaixo. Peguei-no no blog LEITURAS DO FAVRE (espaço que você deve visitar diariamente, pois, lá, você encontra uma compilação de matérias interessantes publicadas na nossa imprensa.
América Latina está sob crescente ameaça das drogas
Por John Paul Rathbone e Adam Thomson Financial Times – VALOR
Em meio à alta vertiginosa dos preços das commodities na década passada, são notáveis duas exceções: a heroína e a cocaína.
Os dois produtos têm desafiado a inflação de maneiras que somente os microprocessadores para computadores conseguem igualar: os narcóticos estão mais baratas, em termos reais, do que há 20 anos. Esse é apenas um exemplo de um fracasso mundial nas tentativas de limitar a oferta de drogas ilegais. Embora a luta tenha custado bilhões de dólares e milhares de vidas, o comércio – e seus efeitos sobre aqueles que usam os produtos -, pouco diminuiu. A produção cresceu e o consumo mundial acompanhou a produção. De estimados 272 milhões usuários de drogas ilegais em todo o mundo, cerca de 250 mil consumidores perdem a vida a cada ano.
Os EUA continuam sendo o maior mercado mundial de drogas e a Europa está avançando rapidamente. É cada vez mais aceito que a política de proibição conhecida como “guerra às drogas” desfechada 40 anos atrás pelo presidente americano Richard Nixon “fracassou” – como afirma inequivocamente recente relatório da Comissão Mundial para Políticas Antidrogas -endossado por três ex-presidentes latino-americanos, um ex-secretário-geral da ONU e um ex-presidente do Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA).
ONU estima que o lucro anual dos traficantes com a venda de cocaína no mundo chega a US$ 85 bilhões
Isso está criando ansiedade em Washington e outras capitais ocidentais. Mas, na América Latina, maior centro de produção e comercialização, as consequências desse fracasso continuam a crescer. Na América Central, os níveis de violência são piores, segundo algumas estimativas, do que no Afeganistão ou no Iraque.
A paz social e política está sob ameaça. “Um tsunami de tráfico de drogas abateu-se sobre a região”, diz Kevin Casas-Zamora, ex-vice-presidente da Costa Rica. Para o general Douglas Fraser, chefe do Comando Sul dos EUA, o crime organizado alimentado pelo tráfico de drogas é a mais grave ameaça na América Central.
Pouca gente sugere que a região esteja prestes a se tornar uma coleção de narco-Estados com governos usurpados pelos cartéis, mas esse é um risco para a Guatemala, Honduras e El Salvador, o mais gravemente afligido entre os países da América Central. A maioria das economias de um continente antes associado a dívidas externas e hiperinflação registra substancial crescimento econômico. Enquanto países desenvolvidos estão atolados em alto endividamento e baixo crescimento, a América Latina tornou-se um motor da economia mundial. Mas a maioria das democracias latino-americanas é jovem. O México, segunda maior economia na América Latina, fez sua transição democrática apenas dez anos atrás, o Brasil, a maior, há apenas 25 anos. Isso torna esses países particularmente vulneráveis à corrupção e à violência.
Pelo menos ficaram no passado os dias em que os países eram “certificados” pelos EUA com base em sua capacidade de reduzir a produção de drogas. A maconha é agora o maior plantio comercial na Califórnia, com vendas estimadas de US$ 14 bilhões por ano.
Mesmo assim, o Ocidente continua a impor considerável pressão sobre a região. Os latino-americanos têm suas próprias muito fortes razões para fortalecer o Estado de direito. Os benefícios econômicos e políticos “seriam enormes”, diz Agustín Carstens, presidente do Banco Central do México. O Banco Mundial estima que o custo do crime e da violência na América Central equivale a 8% de seu Produto Interno Bruto (PIB).
Mas muita gente na região cansou da abordagem tradicional, centrada em criminalização e repressão, mas que produziu escassos resultados. Com efeito, o consumo local de drogas está aumentando; o uso de cocaína na América Latina agora está quase igual ao nível europeu, embora ainda seja metade do americano.
Em primeiro lugar, a intensidade da violência que sempre eclipsa o comércio e as tentativas para controlá-la são grotescas: decapitação, desmembramento e chacina aleatória de inocentes. El Salvador, o país mais sangrento na região, registrou 71 homicídios por 100 mil habitantes em 2010, segundo estatísticas nacionais; no Brasil foram 25. Nos EUA, a taxa de homicídios foi inferior a seis; na Europa, não chegou a dois.
Em segundo lugar, combater traficantes pressiona países carentes de recursos que o mundo desenvolvido assume como universais. O continente continua a ser uma das regiões mais desiguais do mundo. Mesmo no México, membro da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o governo define sua taxa de pobreza em 46%.
Terceiro, essa luta cria, nas instituições repressivas, tensões que não conseguem suportar. O serviço policial mexicano foi efetivamente “balcanizado” pela Constituição, de modo que existem forças distintas para os 32 Estados do país e para cada um dos seus 2,3 mil municípios. Em algumas forças policiais na América Central, os agentes da lei têm de comprar munição com seu próprio dinheiro.
Muitas instituições em nações mais ricas sofreriam dificuldades se confrontadas com uma operação transnacional sofisticada que, de acordo com estimativas da ONU, gera US$ 85 bilhões anuais em lucros apenas com a cocaína – o equivalente a seis vezes o lucro da Coca-Cola no ano passado.
“O combate à corrupção e à droga é semelhante ao uso de uma borracha de má qualidade”, diz Malcolm Deas, da Universidade de Oxford, um historiador especializado em temas colombianos que tem assessorado presidentes desse país. “A borracha sempre fica suja e uns pedacinhos dela esfarelam.”
Em todo o mundo, está emergindo o reconhecimento de que as políticas proibicionistas do século passado não funcionaram e que, enquanto as drogas permanecerem ilegais e, portanto, fornecidas por empreendedores criminosos, é improvável que tais políticas sejam eficazes.
Até mesmo a presença de 100 mil dos soldados mais bem treinados pouco serviu para ajudar a estancar o fluxo de opiáceos provenientes do Afeganistão, que responde por cerca de dois terços da produção mundial de heroína. Mau tempo e pragas nas culturas contribuíram mais para reduzir a oferta, no ano passado, do que quaisquer esforços das tropas da Otan ou da polícia afegã.
Quanto à América Latina, a única história de sucesso até agora é a da Colômbia, e apenas quando aferida por uma queda do número de homicídios, mas não pelo volume exportado de drogas ilegais. Além disso, o sucesso de Bogotá deu-se graças a condições irreproduzíveis em outros lugares.
Primeiro, houve um grande afluxo de fundos dos EUA. Os US$ 6 bilhões gastos com o atual programa de ajuda ao Plano Colômbia, de combate ao narcotráfico e à insurgência, totalizam cerca de 6% do PIB da Colômbia em 2000 (ano em que o esquema começou). Por outro lado, a iniciativa americana equivalente no México soma US$ 1,4 bilhão, menos de 0,2% do PIB mexicano em 2010.
Em segundo lugar, nos 20 anos passados, Bogotá empreendeu um esforço sustentado e quase sobre-humano à custa das vidas de um número elevado de policiais e juízes. Bogotá beneficiou-se do fato de sua polícia ser unificada, quando começou a enfrentar seriamente o problema do crime organizado, algo inexistente em muitos outros países. “Se as forças policiais estão fracionadas, o narcotraficantes simplesmente as atacam seletivamente”, enfatiza o general Oscar Naranjo, comandante da polícia colombiana.
Em terceiro lugar, os EUA e a Europa disponibilizaram treinamento e apoio de inteligência no terreno, na Colômbia, o que seria impraticável na maioria da América Latina. Quando Álvaro Uribe, então presidente da Colômbia, aceitou, em 2009, autorizar os militares americanos a usar bases aéreas no país para ajudar as forças locais a caçar traficantes, isso provocou, em toda a região, protestos contra o “imperialismo ianque”. A Constituição do México proíbe que tropas estrangeiras operem no país, embora um pequeno número de militares aposentados do Exército dos EUA tenham sido recentemente mobilizados para lá para contornar tais obstáculos legais, segundo o “The New York Times”.
Finalmente, mesmo quando a repressão tem êxito, isso simplesmente exporta o caos para outros países. “Quanto mais sucesso temos com a interdição, mais o crime organizado vai para outros lugares”, diz Laura Chinchilla, presidente da Costa Rica.
Cada vez mais pessoas, e não apenas libertários e hippies, defendem uma reconsideração radical da política antidrogas. Os EUA, por exemplo, foram capazes de ignorar os piores efeitos do seu problema por muitos anos. Na prática, a atitude era de que, enquanto não houvesse bombas explodindo ou balas voando em Washington, Nova York ou Los Angeles, a violência não importava. Mas, num mundo mais globalizado, Washington está cada vez mais na defensiva – e defronta-se com a possibilidade de a violência atravessar a fronteira.
Não há clareza sobre que medidas deveriam ser tomadas. É pouco provável que mais dinheiro seja investido contra o problema, tendo em vista a condição das finanças americanas. Campanhas de prevenção contra o uso de drogas também não deram resultados satisfatórios. Elas “têm boa relação custo-benefício, porém não são muito eficazes”, destaca Mark Kleiman, um professor da UCLA, e autor do recentemente publicado “Drugs and Drug Policy: What Everyone Needs to Know”. O debate sobre a legalização está atolado em temores legítimos sobre o risco de crescimento das taxas de dependência.
Uma alternativa promissora, e barata, seria estrangular o fluxo de armas dos EUA para o sul. O presidente colombiano, Juan Manuel Santos, lamentou recentemente o fato de que revólveres desmontados podem ser despachados pela Fedex para seu país. No México, 70% das armas apreendidas vêm dos EUA. No entanto, esse debate nunca decola devido à posição de muitos americanos que invocam o direito constitucional de portar armas. Como disse Calderón, em visita a Washington em março: “Eu respeito a Segunda Emenda, mas pedimos: ‘não vendam armas a criminosos mexicanos’”.
Algumas autoridades na região acreditam que, enquanto elas tomam medidas contra o problema, o Ocidente parece menos disposto a fazer sacrifícios. O México, por exemplo, iniciou reformas, em sua polícia, que exigirão mudanças constitucionais, ao passo que nos EUA a proibição às vendas de fuzis semiautomáticos, que expirou em 2004, ainda não voltou a vigorar. Muitos acreditam que o Ocidente também fracassou no combate à lavagem de dinheiro. Como observou Carlos Slim, magnata mexicano das telecomunicações: “É injusto que os países produtores de drogas fiquem com todos os problemas e que os países consumidores fiquem com os lucros”.
Não há solução mágica capaz de resolver o problema das drogas. Porém muitos na região acreditam que, quanto mais tempo os países ocidentais se abstiverem de assumir um papel significativo na redução da violência associada às tentativas de frear o desejo de seus cidadãos de consumir drogas ilícitas, mais se tornará evidente que eles têm sangue em suas mãos. Forças de segurança e traficantes envolveram-se numa espécie de “corrida armamentista”, diz o relatório GCDP. “É preciso romper o tabu sobre o debate e reformas. A hora de agir é agora".
quarta-feira, 31 de agosto de 2011
terça-feira, 30 de agosto de 2011
Perguntar não ofende...
Se a candidatura do Ministro Fernando Haddad fosse frágil, como alguns energúmenos alardeiam, por que diabos tanta gente está tão preocupada em atingi-lo ainda no início do vôo? Deve tem muita pesquisa qualitativa por aí, dando conta das grandes potencialidades eleitorais do preferido do Lula para concorrer à prefeitura do município de São Paulo.
segunda-feira, 29 de agosto de 2011
A candidatura Mineiro e a reinvenção da paixão pública em Natal
A crise de gestão que assola a capital do RN transmuda-se em decepção e fúria não apenas contra a prefeita, mas contra toda a atividade política. Entre os mais pobres, a revolta se confunde com um vivo sentimento de traição. Já os setores de classe média, especialmente os mais jovens e plugados nas chamadas redes sociais, encontraram no “Fora Micarla” uma forma de extravasar a sua insatisfação não apenas com a administração da cidade, mas também de colocar para fora o seu estranhamento com uma cidade que se queda paralisada ante as consequências ambientais, de mobilidade urbana e de vida cultural secretadas pela dominação, quase sem contrapontos, dos potentados da incorporação imobiliária.
Esses mundos, entretanto, não se conectam. Os decepcionados com Micarla não assomam na frente do Midway para happenings políticos. Fermentam as suas dores nas bacias apolíticas do ressentimento. Também na hora de dizer não a uma gestão claudicante, Natal é uma cidade, como diria em fantástico livro Soraya Vidal, dividida por uma ponte (agora, duas).
O que há de comum, nos dois universos sociais, é, em que pese os happenings acima mencionados, um desencanto com a vida pública. Pobres, remediados e endinheirados sonham com soluções privadas. Da moradia à mobilidade. Da saúde à educação. E essa busca invade até as relações sociais. Apenas as relações íntimas são refúgios seguros para o recosto das sensibilidades maltratadas pelo abandono dos espaços públicos. E pela transformação do debate político local em uma rebaixada luta de bucaneiros pelo abocanhamento da maior parte do butim (os cofres públicos).
Quem quiser intervir com responsabilidade cívica em Natal, terá a difícil tarefa de conjugar a sensibilidade da paixão pela política cidadã com a busca criativa de meios de se conectar com as torrentes de cidadania que (ainda) podem emergir debaixo da crosta de apatia e melancolia que cobre de cinzas essa que sempre foi uma cidade do sol.
Não, não está dado que a saída do labirinto será para um amanhã mais luminoso. Ressentimento, apatia e sentimento de traição não deságuam sempre em iniciativas críticas e criativas. Pelo contrário! É nesses momentos que emergem nas disputas eleitorais os cacarecos e as suas escatológicas promessas.
Há que se reinventar a paixão pública em Natal. Os atores políticos, com raras exceções, contribuem muito pouco para isso. O debate sucessório municipal de 2012, cuja movimentação já começa a dar sinais, é exemplar. Não temos homens com ideias se mobilizando para uma disputa. Temos, isso sim, homens se mobilizando para uma disputa (a prefeitura de Natal) e catando, na rés do chão, onde vicejam a empulhação e o marketing, alguma ideia para ser vendida em 2012 ao distinto público.
O Deputado Fernando Mineiro, reconhecido como um dos melhores vereadores que Natal já teve e um parlamentar estadual competente, está tocando a sua pré-campanha. O PT parece que já se unificou formalmente em torno do seu nome, o que é alguma coisa. Mas isso é pouco. Muito pouco, na verdade. Para fazer frente ao momento político que a cidade vive, Mineiro precisa ser mais ele mesmo do que aquilo em que está se transformando, nesses dias, um político petista. Explico-me: Mineiro é um ator político singular, sério, competente e comprometido, mas também um homem sem papas na língua e sem nenhuma preocupação em fazer salamaleques e rapapés. É, nesse sentido, como alguém já falou por aí, um político muito pouco mineiro... Para alguns, é um defeito crasso; para mim, uma virtude que pode fazer a diferença.
Como assim não ser um “político petista”? Sim, é isso mesmo. Na média, como tipo ideal, o político petista é alguém que se adaptou às regras do campo político brasileiro. A mesma estrutura mental (para economizar o meu sociologuês, fiquemos com “isso”) une o petista de hoje ao seu adversário do DEM: “política é para profissionaiso”, repetem. E, no que diz respeito à gestão da vida pública, em todos os seus mínimos detalhes, há mais pontes do que muros os separando. Das formas de condução de uma campanha até a montagem da equipe de governo, pensam da mesma forma.
Mineiro é um dos poucos políticos de Natal que ainda pode se insurgir contra o que um poeta denominou “a força das coisas”. Não vai ser fácil, concordo. Ainda outro dia, conversando com um colega, petista defensor da candidatura de Mineiro, ele me dizia, lépido e fagueiro, com uma linguagem que fala por si só, o seguinte: “o deputado tem que deixar de frescura e ir lá dizer para os caras da construção civil que, com ele, o setor não vai ter os problemas que tiveram com o Carlos Eduardo”. Fiquei a pensar no que o gajo dizia. Como matuto que sou, fico matutando vagarosamente, e, tal qual certo personagem de um programa de humor, só consigo responder muito tempo depois. Quando o meu interlocutor já se foi, na maioria das vezes. Pois bem, matutando, matutando, eu pensei: “bom, mas, seguindo esse caminho, haverá algum ganho político real para a cidade e para a cidadania?”. Quem conhece Mineiro, e muitos o conhecem, sabe que ele não é disso. Mas é preocupante saber que tem gente, com alguma influência no universo petista natalense, que pensa assim.
Por isso, Mineiro precisa segurar a companheirada, atolada no pragmatismo, e deixar claro, desde já, que a sua campanha tem um sentido bem maior do que fazer mais um “governo de reconstrução”. Passar quatro anos consertando um desastre administrativo, com o orçamento público municipal engessado por empréstimos irresponsáveis por conta do conto do vigário da Copa, eis aí uma tarefa que só tem alguma justificativa se inserir em algo maior e mais substancial: o resgate do respeito próprio e da autoestima de Natal. Sim, é isso mesmo: respeito e autoestima. Sem isso, meus caros, não há como se falar em cidadania, projetos coletivos, bens públicos e tudo o mais que, em algum momento da caminhada, iluminou a alma de muitos de nós.
Mineiro não pode se apequenar e ficar restrito ao universo mental petista. Precisa ir além e dialogar com a cidade. Ouvir é fundamental. Levar a sério os interlocutores é não apenas escutá-los em silêncio, mas fazê-los perceber-se como produtores de narrativas e proposições que podem e devem ser incorporadas pelo candidato. Para tanto, Mineiro precisa deixar claro não apenas que vai “governar para toda a cidade”, mas também que o exercício de um governo do tipo que Natal exige e precisa só será possível se se resgatar a confiança da população com os seus quadros dirigentes. E é aí que se dará o seu rompimento com a mentalidade petista (geralmente, carregada de um viés instrumental do Estado e das instituições): o candidato deverá anunciar que incorporará em sua gestão quadros técnicos locais qualificados, mesmo oriundos de forças políticas que não o apoiaram.
A abertura para a diversidade de uma cidade que se tornou metropolitana sem ter nunca levado a cabo um ajuste cultural com essa mudança, essa uma postura que deve marcar, desde o começo, uma campanha que se oriente pela reinvenção da paixão pública nestas plagas.
Natal está a exigir um ator político que enfrente desafios hercúleos. Obviamente, esse ator não é um indivíduo. Mas um indivíduo pode articular forças e energias que deem vida a esse ator. Mineiro reúne essas condições. Ele tem caráter, coragem e competência para isso. Mas, sozinho, não irá muito longe. Precisa de braços e mentes que alimentem esse projeto.
Esses mundos, entretanto, não se conectam. Os decepcionados com Micarla não assomam na frente do Midway para happenings políticos. Fermentam as suas dores nas bacias apolíticas do ressentimento. Também na hora de dizer não a uma gestão claudicante, Natal é uma cidade, como diria em fantástico livro Soraya Vidal, dividida por uma ponte (agora, duas).
O que há de comum, nos dois universos sociais, é, em que pese os happenings acima mencionados, um desencanto com a vida pública. Pobres, remediados e endinheirados sonham com soluções privadas. Da moradia à mobilidade. Da saúde à educação. E essa busca invade até as relações sociais. Apenas as relações íntimas são refúgios seguros para o recosto das sensibilidades maltratadas pelo abandono dos espaços públicos. E pela transformação do debate político local em uma rebaixada luta de bucaneiros pelo abocanhamento da maior parte do butim (os cofres públicos).
Quem quiser intervir com responsabilidade cívica em Natal, terá a difícil tarefa de conjugar a sensibilidade da paixão pela política cidadã com a busca criativa de meios de se conectar com as torrentes de cidadania que (ainda) podem emergir debaixo da crosta de apatia e melancolia que cobre de cinzas essa que sempre foi uma cidade do sol.
Não, não está dado que a saída do labirinto será para um amanhã mais luminoso. Ressentimento, apatia e sentimento de traição não deságuam sempre em iniciativas críticas e criativas. Pelo contrário! É nesses momentos que emergem nas disputas eleitorais os cacarecos e as suas escatológicas promessas.
Há que se reinventar a paixão pública em Natal. Os atores políticos, com raras exceções, contribuem muito pouco para isso. O debate sucessório municipal de 2012, cuja movimentação já começa a dar sinais, é exemplar. Não temos homens com ideias se mobilizando para uma disputa. Temos, isso sim, homens se mobilizando para uma disputa (a prefeitura de Natal) e catando, na rés do chão, onde vicejam a empulhação e o marketing, alguma ideia para ser vendida em 2012 ao distinto público.
O Deputado Fernando Mineiro, reconhecido como um dos melhores vereadores que Natal já teve e um parlamentar estadual competente, está tocando a sua pré-campanha. O PT parece que já se unificou formalmente em torno do seu nome, o que é alguma coisa. Mas isso é pouco. Muito pouco, na verdade. Para fazer frente ao momento político que a cidade vive, Mineiro precisa ser mais ele mesmo do que aquilo em que está se transformando, nesses dias, um político petista. Explico-me: Mineiro é um ator político singular, sério, competente e comprometido, mas também um homem sem papas na língua e sem nenhuma preocupação em fazer salamaleques e rapapés. É, nesse sentido, como alguém já falou por aí, um político muito pouco mineiro... Para alguns, é um defeito crasso; para mim, uma virtude que pode fazer a diferença.
Como assim não ser um “político petista”? Sim, é isso mesmo. Na média, como tipo ideal, o político petista é alguém que se adaptou às regras do campo político brasileiro. A mesma estrutura mental (para economizar o meu sociologuês, fiquemos com “isso”) une o petista de hoje ao seu adversário do DEM: “política é para profissionaiso”, repetem. E, no que diz respeito à gestão da vida pública, em todos os seus mínimos detalhes, há mais pontes do que muros os separando. Das formas de condução de uma campanha até a montagem da equipe de governo, pensam da mesma forma.
Mineiro é um dos poucos políticos de Natal que ainda pode se insurgir contra o que um poeta denominou “a força das coisas”. Não vai ser fácil, concordo. Ainda outro dia, conversando com um colega, petista defensor da candidatura de Mineiro, ele me dizia, lépido e fagueiro, com uma linguagem que fala por si só, o seguinte: “o deputado tem que deixar de frescura e ir lá dizer para os caras da construção civil que, com ele, o setor não vai ter os problemas que tiveram com o Carlos Eduardo”. Fiquei a pensar no que o gajo dizia. Como matuto que sou, fico matutando vagarosamente, e, tal qual certo personagem de um programa de humor, só consigo responder muito tempo depois. Quando o meu interlocutor já se foi, na maioria das vezes. Pois bem, matutando, matutando, eu pensei: “bom, mas, seguindo esse caminho, haverá algum ganho político real para a cidade e para a cidadania?”. Quem conhece Mineiro, e muitos o conhecem, sabe que ele não é disso. Mas é preocupante saber que tem gente, com alguma influência no universo petista natalense, que pensa assim.
Por isso, Mineiro precisa segurar a companheirada, atolada no pragmatismo, e deixar claro, desde já, que a sua campanha tem um sentido bem maior do que fazer mais um “governo de reconstrução”. Passar quatro anos consertando um desastre administrativo, com o orçamento público municipal engessado por empréstimos irresponsáveis por conta do conto do vigário da Copa, eis aí uma tarefa que só tem alguma justificativa se inserir em algo maior e mais substancial: o resgate do respeito próprio e da autoestima de Natal. Sim, é isso mesmo: respeito e autoestima. Sem isso, meus caros, não há como se falar em cidadania, projetos coletivos, bens públicos e tudo o mais que, em algum momento da caminhada, iluminou a alma de muitos de nós.
Mineiro não pode se apequenar e ficar restrito ao universo mental petista. Precisa ir além e dialogar com a cidade. Ouvir é fundamental. Levar a sério os interlocutores é não apenas escutá-los em silêncio, mas fazê-los perceber-se como produtores de narrativas e proposições que podem e devem ser incorporadas pelo candidato. Para tanto, Mineiro precisa deixar claro não apenas que vai “governar para toda a cidade”, mas também que o exercício de um governo do tipo que Natal exige e precisa só será possível se se resgatar a confiança da população com os seus quadros dirigentes. E é aí que se dará o seu rompimento com a mentalidade petista (geralmente, carregada de um viés instrumental do Estado e das instituições): o candidato deverá anunciar que incorporará em sua gestão quadros técnicos locais qualificados, mesmo oriundos de forças políticas que não o apoiaram.
A abertura para a diversidade de uma cidade que se tornou metropolitana sem ter nunca levado a cabo um ajuste cultural com essa mudança, essa uma postura que deve marcar, desde o começo, uma campanha que se oriente pela reinvenção da paixão pública nestas plagas.
Natal está a exigir um ator político que enfrente desafios hercúleos. Obviamente, esse ator não é um indivíduo. Mas um indivíduo pode articular forças e energias que deem vida a esse ator. Mineiro reúne essas condições. Ele tem caráter, coragem e competência para isso. Mas, sozinho, não irá muito longe. Precisa de braços e mentes que alimentem esse projeto.
A aproximação entre FHC e Dilma
Qual o sentido da aproximação da Presidenta com o ex-presidente? Ou, melhor, qual a lógica? Na matéria abaixo, publicada no VALOR ECONÔMICO, esse enigma é decifrado. Vale a pena conferir!
Interesses convergentes aproximam Dilma e Fernando Henrique
Por Raymundo Costa | De Brasília
Trata-se de uma operação política bem calculada a aproximação da presidente Dilma Rousseff do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Subestimada pelos tucanos e mal vista pelo PT lulista, o entendimento entre a presidente e FHC é tácito e atende aos interesses dos dois. Para Dilma, o ex-presidente é um interlocutor na oposição sem agenda eleitoral, o que facilita qualquer conversa; para FHC, a boa receptividade a políticas de Dilma serve para demarcar as diferenças entre os dois governantes do PT, especialmente no que se refere à tolerância com a corrupção.
A mudança de estilo no Palácio do Planalto contribuiu decisivamente para a mudança de cenário. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva transformou a disputa política com o PSDB quase num embate pessoal com Fernando Henrique. Não foram poucas as vezes em que fez o elogio da ignorância, ao dizer que outros, antes dele, haviam estudado muito mas não mudaram para melhor o país.
Dilma estudou na Universidade de Campinas (Unicamp) numa época em que FHC era uma referência para a intelectualidade de esquerda. Há muito de admiração pessoal, também, nessa aproximação. Pessoalmente, Fernando Henrique é atendido à medida que a presidente, ao reconhecer seu papel na história do país, permite que sua passagem pelo Palácio do Planalto seja revisada por um olhar do PT diferente do viés que tinha Lula, um presidente que passou os oito anos de mandato atribuindo à "herança maldita" recebida do antecessor os problemas que surgiam em seu governo.
Desde a transição Dilma falava em diálogo com a oposição. Em seu discurso de posse no Congresso, a presidente Dilma pediu à oposição que deixasse para trás a rivalidade da campanha eleitoral e prometeu não fazer um governo baseado em afinidades partidárias. "Não haverá no meu governo discriminação, privilégios ou compadrio. Sou, neste momento, presidenta de todos os brasileiros", declarou.
Dilma, porém, tinha um problema: o candidato derrotado da oposição, José Serra, deveria ser uma espécie de candidato natural à interlocução da presidente com as oposições. Antes da campanha, Dilma e Serra mantinham relações cordiais. Os dois estiveram na linha de frente de combate ao regime militar. O tucano, desde os primórdios do golpe de 1964, quando presidia a União Nacional dos Estudantes (UNE); a presidente, na luta armada, nos chamados anos de chumbo. Mas as afinidades desmoronaram na campanha - Dilma não perdoa Serra pela exploração que o assunto aborto teve na eleição. Os dois tratam-se educadamente, mas a relação - que também nunca foi de amizade muito próxima - não é mais a mesma.
A opção à vista para Dilma era o ex-governador e senador eleito por Minas Gerais, Aécio Neves, tucano como Serra - não há notícia de que a presidente eventualmente tenha pensado em criar essa interlocução com o Democratas (DEM). Aécio, na avaliação de Dilma e de quem a ajudou nessa estratégia, como o ex-ministro Antonio Palocci (Casa Civil), era um político com senso dos problemas que enfrenta um governo de coalizão, mas tinha contra si o fato de ter se tornado o potencial candidato do PSDB às eleições presidenciais de 2014. Enfim, um político com uma agenda eleitoral conflitante.
Havia FHC, uma conjugação mais que perfeita para atender os interesses políticos e pessoais da presidente e de um ex-presidente condenado ao purgatório por um presidente com o carisma e a popularidade de Lula. Fernando Henrique culpa Lula por sua demonização junto ao povão. Além da admiração intelectual, e ao contrário de seu antecessor, Dilma até acha que FHC fez um bom governo. O tucano, por seu turno, compreendeu de imediato a sinalização de Dilma: a presidente não pretendia ficar refém dos partidos políticos.
Em conversa semana passada com um amigo, FHC disse que havia dois ou três brasileiros capazes de entender o dilema da presidente. Um deles era ele próprio, FHC, que sabia melhor que ninguém a importância de um grupo de dez deputados na Câmara. No governo, FHC (1995-2003) chegou a criar um ministério jocosamente chamado de Mirin (Ministério das Relações Institucionais) para compor o que se chama de base de sustentação do governo. "Eu passei por essa chantagem e sei o que é", disse Fernando Henrique ao amigo. "Quantos brasileiros vivos passaram por isso?"
FHC lembrou ao amigo que contou pelo que passou em "A Arte da Política - A História Que Vivi", o livro no qual conta sua trajetória na Presidência da República. "O maior engano do Presidente (refiro-me simbolicamente, pois não se trata apenas de uma pessoa, mas do grupo vencedor) é imaginar que sozinho tudo pode e que o Congresso é um tigre de papel". Cita as crises que levaram à renúncia de Jânio Quadros e ao impeachment de Fernando Collor. "Nesses casos, o menosprezo ao Congresso levou os governos à paralisia e depois à ruína", escreveu. "Por outro lado, se o presidente 'se entrega' ao Congresso, está perdido".
Outro trecho do livro: "Quantas vezes, na ânsia de buscar mudanças, somos obrigados a pactuar com o oposto? Trata-se, como no caso do Fausto, não diria de vender, mas de alugar a alma ao diabo. Se o aluguel se prolonga e o demo não ganha pelo menos contornos do anjo, quem faz o pacto se perde."
Isso foi o que escreveu o sociólogo ex-presidente. Na prática, FHC não esconde dos amigos que considera um erro o PSDB insistir na proposta de criação de uma CPI para apurar a corrupção no governo Dilma. E erra duplamente. Primeiro, porque a presidente ganhou a bandeira da faxina ética. Ela é quem está fazendo a limpeza do governo. E o PSDB pode parecer contrário à moralização da atividade pública. Em segundo lugar, erra porque perde a oportunidade de mostrar a diferença existente entre Dilma e Lula e marcar o ex-presidente e seu desafeto político como alguém leniente com a corrupção. "Na hora em que você estende a mão para Dilma, estabelece a diferença", disse a um interlocutor.
Arte difícil esta, a da política, como diz FHC em seu livro: ao insistir na estratégia de criação da CPI, segundo falou com amigos, Fernando Henrique acha que o PSDB apenas aumenta o valor de mercado do chantagista, daquele deputado ou senador que assina requerimento de criação da Comissão Parlamentar de Inquérito para, depois, negociar com o governo a retirada da assinatura. "É aumentar o poder de fogo dos pilantras. O PSDB não olha para a sociedade", diz, segundo relato ao Valor feito por este amigo do ex-presidente.
O fato é que FHC falou contra a CPI, depois da reunião da presidente Dilma Rousseff com os governadores da região Sudeste, há pouco mais de uma semana, num Palácio dos Bandeirantes recheado de tucanos. Aliás, Fernando Henrique não foi convidado formalmente pelo cerimonial do Palácio do Planalto. Mas já na véspera avisara o tucano José Serra que iria à reunião. FHC destila ironia quando é confrontado com a impressão de que Lula não vê com bons olhos a aproximação do tucano com a presidente.
Na reunião do Bandeirantes, FHC beijou Dilma na face. Sérgio Cabral, governador do Rio, brincou: "O Lula vai ficar com ciúmes". O ex-presidente reagiu prontamente, rindo: "Diz que eu forcei, diz que eu forcei". Arte difícil esta, a da política: ninguém no Palácio do Planalto esquece que Cabral patrocinou uma reunião no Palácio Guanabara do tipo "Lula 2014", um assunto que teima rondar e causar desgosto no gabinete presidencial. Outro governador aliado identificado como saudoso do lulismo: Eduardo Campos (PE). O ministro Paulo Bernardo (Comunicações) entrou na lista depois de dar declaração falando que Lula e Dilma ainda conversariam sobre quem será o candidato na eleição presidencial de 2014.
FHC não tem a menor ilusão de que Lula e Dilma possam brigar ou romper. Para ele é conveniente política e pessoalmente a aproximação com Dilma Rousseff. A presidente, além de um interlocutor na oposição, também ganha ao manter boa relação com alguém que é ouvido pelo PIB brasileiro, especialmente o paulista. Desde a demissão de Palocci, não há ninguém com esse perfil no Palácio do Planalto. Antes da saída do executivo Fábio Barbosa do Santander, houve uma tentativa de avisar a presidente em primeiro lugar. Não havia um interlocutor. O primeiro a saber foi o vice Michel Temer.
Lula, desde a primeira manifestação de Dilma em direção a FHC, demonstrou contrariedade: o convite a todos os ex-presidentes da República para o almoço oferecido pelo governo brasileiro ao presidente dos EUA, Barack Obama. Lula alegou que já havia agendado uma viagem para a data marcada. Mas o incômodo do ex-presidente só chegou a Dilma depois que ela postou uma carta em blog na internet criado para comemorar os 80 anos de FHC. Na carta, Dilma chamou FHC de "acadêmico inovador", "político habilidoso" e "o presidente que contribuiu decisivamente para a consolidação da estabilidade econômica". Por meio de Gilberto Carvalho, seu antigo chefe de gabinete agora secretário-geral das Presidência, Lula mandou o recado: "Também não precisa exagerar".
No coquetel de comemoração dos seis primeiros meses de governo, com a base aliada, Dilma voltou ao tema de posse: "Temos que sempre dar espaço para a oposição". Um improviso no discurso feito por escrito.
Interesses convergentes aproximam Dilma e Fernando Henrique
Por Raymundo Costa | De Brasília
Trata-se de uma operação política bem calculada a aproximação da presidente Dilma Rousseff do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Subestimada pelos tucanos e mal vista pelo PT lulista, o entendimento entre a presidente e FHC é tácito e atende aos interesses dos dois. Para Dilma, o ex-presidente é um interlocutor na oposição sem agenda eleitoral, o que facilita qualquer conversa; para FHC, a boa receptividade a políticas de Dilma serve para demarcar as diferenças entre os dois governantes do PT, especialmente no que se refere à tolerância com a corrupção.
A mudança de estilo no Palácio do Planalto contribuiu decisivamente para a mudança de cenário. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva transformou a disputa política com o PSDB quase num embate pessoal com Fernando Henrique. Não foram poucas as vezes em que fez o elogio da ignorância, ao dizer que outros, antes dele, haviam estudado muito mas não mudaram para melhor o país.
Dilma estudou na Universidade de Campinas (Unicamp) numa época em que FHC era uma referência para a intelectualidade de esquerda. Há muito de admiração pessoal, também, nessa aproximação. Pessoalmente, Fernando Henrique é atendido à medida que a presidente, ao reconhecer seu papel na história do país, permite que sua passagem pelo Palácio do Planalto seja revisada por um olhar do PT diferente do viés que tinha Lula, um presidente que passou os oito anos de mandato atribuindo à "herança maldita" recebida do antecessor os problemas que surgiam em seu governo.
Desde a transição Dilma falava em diálogo com a oposição. Em seu discurso de posse no Congresso, a presidente Dilma pediu à oposição que deixasse para trás a rivalidade da campanha eleitoral e prometeu não fazer um governo baseado em afinidades partidárias. "Não haverá no meu governo discriminação, privilégios ou compadrio. Sou, neste momento, presidenta de todos os brasileiros", declarou.
Dilma, porém, tinha um problema: o candidato derrotado da oposição, José Serra, deveria ser uma espécie de candidato natural à interlocução da presidente com as oposições. Antes da campanha, Dilma e Serra mantinham relações cordiais. Os dois estiveram na linha de frente de combate ao regime militar. O tucano, desde os primórdios do golpe de 1964, quando presidia a União Nacional dos Estudantes (UNE); a presidente, na luta armada, nos chamados anos de chumbo. Mas as afinidades desmoronaram na campanha - Dilma não perdoa Serra pela exploração que o assunto aborto teve na eleição. Os dois tratam-se educadamente, mas a relação - que também nunca foi de amizade muito próxima - não é mais a mesma.
A opção à vista para Dilma era o ex-governador e senador eleito por Minas Gerais, Aécio Neves, tucano como Serra - não há notícia de que a presidente eventualmente tenha pensado em criar essa interlocução com o Democratas (DEM). Aécio, na avaliação de Dilma e de quem a ajudou nessa estratégia, como o ex-ministro Antonio Palocci (Casa Civil), era um político com senso dos problemas que enfrenta um governo de coalizão, mas tinha contra si o fato de ter se tornado o potencial candidato do PSDB às eleições presidenciais de 2014. Enfim, um político com uma agenda eleitoral conflitante.
Havia FHC, uma conjugação mais que perfeita para atender os interesses políticos e pessoais da presidente e de um ex-presidente condenado ao purgatório por um presidente com o carisma e a popularidade de Lula. Fernando Henrique culpa Lula por sua demonização junto ao povão. Além da admiração intelectual, e ao contrário de seu antecessor, Dilma até acha que FHC fez um bom governo. O tucano, por seu turno, compreendeu de imediato a sinalização de Dilma: a presidente não pretendia ficar refém dos partidos políticos.
Em conversa semana passada com um amigo, FHC disse que havia dois ou três brasileiros capazes de entender o dilema da presidente. Um deles era ele próprio, FHC, que sabia melhor que ninguém a importância de um grupo de dez deputados na Câmara. No governo, FHC (1995-2003) chegou a criar um ministério jocosamente chamado de Mirin (Ministério das Relações Institucionais) para compor o que se chama de base de sustentação do governo. "Eu passei por essa chantagem e sei o que é", disse Fernando Henrique ao amigo. "Quantos brasileiros vivos passaram por isso?"
FHC lembrou ao amigo que contou pelo que passou em "A Arte da Política - A História Que Vivi", o livro no qual conta sua trajetória na Presidência da República. "O maior engano do Presidente (refiro-me simbolicamente, pois não se trata apenas de uma pessoa, mas do grupo vencedor) é imaginar que sozinho tudo pode e que o Congresso é um tigre de papel". Cita as crises que levaram à renúncia de Jânio Quadros e ao impeachment de Fernando Collor. "Nesses casos, o menosprezo ao Congresso levou os governos à paralisia e depois à ruína", escreveu. "Por outro lado, se o presidente 'se entrega' ao Congresso, está perdido".
Outro trecho do livro: "Quantas vezes, na ânsia de buscar mudanças, somos obrigados a pactuar com o oposto? Trata-se, como no caso do Fausto, não diria de vender, mas de alugar a alma ao diabo. Se o aluguel se prolonga e o demo não ganha pelo menos contornos do anjo, quem faz o pacto se perde."
Isso foi o que escreveu o sociólogo ex-presidente. Na prática, FHC não esconde dos amigos que considera um erro o PSDB insistir na proposta de criação de uma CPI para apurar a corrupção no governo Dilma. E erra duplamente. Primeiro, porque a presidente ganhou a bandeira da faxina ética. Ela é quem está fazendo a limpeza do governo. E o PSDB pode parecer contrário à moralização da atividade pública. Em segundo lugar, erra porque perde a oportunidade de mostrar a diferença existente entre Dilma e Lula e marcar o ex-presidente e seu desafeto político como alguém leniente com a corrupção. "Na hora em que você estende a mão para Dilma, estabelece a diferença", disse a um interlocutor.
Arte difícil esta, a da política, como diz FHC em seu livro: ao insistir na estratégia de criação da CPI, segundo falou com amigos, Fernando Henrique acha que o PSDB apenas aumenta o valor de mercado do chantagista, daquele deputado ou senador que assina requerimento de criação da Comissão Parlamentar de Inquérito para, depois, negociar com o governo a retirada da assinatura. "É aumentar o poder de fogo dos pilantras. O PSDB não olha para a sociedade", diz, segundo relato ao Valor feito por este amigo do ex-presidente.
O fato é que FHC falou contra a CPI, depois da reunião da presidente Dilma Rousseff com os governadores da região Sudeste, há pouco mais de uma semana, num Palácio dos Bandeirantes recheado de tucanos. Aliás, Fernando Henrique não foi convidado formalmente pelo cerimonial do Palácio do Planalto. Mas já na véspera avisara o tucano José Serra que iria à reunião. FHC destila ironia quando é confrontado com a impressão de que Lula não vê com bons olhos a aproximação do tucano com a presidente.
Na reunião do Bandeirantes, FHC beijou Dilma na face. Sérgio Cabral, governador do Rio, brincou: "O Lula vai ficar com ciúmes". O ex-presidente reagiu prontamente, rindo: "Diz que eu forcei, diz que eu forcei". Arte difícil esta, a da política: ninguém no Palácio do Planalto esquece que Cabral patrocinou uma reunião no Palácio Guanabara do tipo "Lula 2014", um assunto que teima rondar e causar desgosto no gabinete presidencial. Outro governador aliado identificado como saudoso do lulismo: Eduardo Campos (PE). O ministro Paulo Bernardo (Comunicações) entrou na lista depois de dar declaração falando que Lula e Dilma ainda conversariam sobre quem será o candidato na eleição presidencial de 2014.
FHC não tem a menor ilusão de que Lula e Dilma possam brigar ou romper. Para ele é conveniente política e pessoalmente a aproximação com Dilma Rousseff. A presidente, além de um interlocutor na oposição, também ganha ao manter boa relação com alguém que é ouvido pelo PIB brasileiro, especialmente o paulista. Desde a demissão de Palocci, não há ninguém com esse perfil no Palácio do Planalto. Antes da saída do executivo Fábio Barbosa do Santander, houve uma tentativa de avisar a presidente em primeiro lugar. Não havia um interlocutor. O primeiro a saber foi o vice Michel Temer.
Lula, desde a primeira manifestação de Dilma em direção a FHC, demonstrou contrariedade: o convite a todos os ex-presidentes da República para o almoço oferecido pelo governo brasileiro ao presidente dos EUA, Barack Obama. Lula alegou que já havia agendado uma viagem para a data marcada. Mas o incômodo do ex-presidente só chegou a Dilma depois que ela postou uma carta em blog na internet criado para comemorar os 80 anos de FHC. Na carta, Dilma chamou FHC de "acadêmico inovador", "político habilidoso" e "o presidente que contribuiu decisivamente para a consolidação da estabilidade econômica". Por meio de Gilberto Carvalho, seu antigo chefe de gabinete agora secretário-geral das Presidência, Lula mandou o recado: "Também não precisa exagerar".
No coquetel de comemoração dos seis primeiros meses de governo, com a base aliada, Dilma voltou ao tema de posse: "Temos que sempre dar espaço para a oposição". Um improviso no discurso feito por escrito.
domingo, 28 de agosto de 2011
O jogo do poder
Quando a corrupção assoma à condição de ponto primeiro da pauta da imprensa e da oposição, podem acreditar!, essa é uma demonstração de fraqueza. Faltam-lhes alternativas concretas, especialmente econômicas.
Claro, claro, a Dilma enfrenta dificuldades com a sua base parlamentar. FHC também tinha os seus problemas, mas, não esqueçamos!, a imprensa lhe era mais, bem mais, condescendente.
O jogo não é fácil, não é? Nunca o é, na política. Mas, ao contrário do que você lê por aí, a Dilma está bem. Sabe jogar, é dura, mas tem sensibilidade para perceber a distribuição das peças no tabuleiro. Vai fazer um bom governo, tudo indica.
O danado é que, sem alternativas, a oposição vai buscar uma pauta. Vai encontra-la no receituário tradicional dos conservadores do primeiro mundo. E isso não é bom. Daí a minha expectativa positiva em relação ao Eduardo Campos. Espero que o Governador de Pernambuco se firme como um parceiro razoável no jogo político nacional, o que traria a disputa para um campo mais próximo do que poderíamos, com alguma benevolência, denominar de centro-esquerda.
Bom. Fata um tempinho até 2014, não é? Ora, para alguns, nem tanto. Veja a movimentação do Aécio... Pois é, se armar as peças com planejamento cuidadoso é fundamental em qualquer jogo, imagine se esse jogo é o jogo do poder.
Claro, claro, a Dilma enfrenta dificuldades com a sua base parlamentar. FHC também tinha os seus problemas, mas, não esqueçamos!, a imprensa lhe era mais, bem mais, condescendente.
O jogo não é fácil, não é? Nunca o é, na política. Mas, ao contrário do que você lê por aí, a Dilma está bem. Sabe jogar, é dura, mas tem sensibilidade para perceber a distribuição das peças no tabuleiro. Vai fazer um bom governo, tudo indica.
O danado é que, sem alternativas, a oposição vai buscar uma pauta. Vai encontra-la no receituário tradicional dos conservadores do primeiro mundo. E isso não é bom. Daí a minha expectativa positiva em relação ao Eduardo Campos. Espero que o Governador de Pernambuco se firme como um parceiro razoável no jogo político nacional, o que traria a disputa para um campo mais próximo do que poderíamos, com alguma benevolência, denominar de centro-esquerda.
Bom. Fata um tempinho até 2014, não é? Ora, para alguns, nem tanto. Veja a movimentação do Aécio... Pois é, se armar as peças com planejamento cuidadoso é fundamental em qualquer jogo, imagine se esse jogo é o jogo do poder.
sábado, 27 de agosto de 2011
Um documentário que é uma aula de economia
Assista e debate com os seus alunos ou amigos o documentário INSIDE JOB (a tradução para o português, parece-me, é "Tubarão interno", o que é uma droga de tradução, não é?).
O estilo Dilma
Leia abaixo artigo escrito pelo jornalista Alon Feuerwerker. Vale a pena conferir!
Dilma substituirá quando for para substituir, segurará a onda quando as águas no Congresso parecerem agitadas demais, deixará ao relento os personagens de que não gosta ou que pretende enfraquecer
A presidente da República usa retórica para dar o ritmo da reconcentração de poder. Num momento, flerta com a ideia de estar em curso a tal faxina. Noutro, cita Roma, Joana D’Arc e o que mais for para acalmar os preocupados e sugerir que não haverá caça às bruxas.
Na resultante, apenas a constatação de a suposta faxina continuar o que sempre foi. Um mecanismo legitimador da retomada do controle sobre a máquina, pulverizada por razões defensivas ao longo dos anos de Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto.
Esta é uma operação na qual vale a regra orwelliana da Revolução dos bichos. Todos são iguais, mas uns são mais iguais do que os outros. E o que torna uns mais iguais? A densidade do candidato a faxinável e a conveniência da dona da caneta. Variáveis interdependentes.
No episódio do Ministério dos Transportes, o ministro do PR recebeu sinal claríssimo de que deveria pedir o boné. O sub foi chamado ao palácio para reunião de rotina, contornando a autoridade do chefe, que nem sequer tinha conhecimento da atividade.
O episódio dos Transportes fundou a ilusão sobre a faxina ampla, geral, irrestrita e sem freios.
Nos movimentos a partir dali a coisa não segue sempre o mesmo script. Mas o resultado final é um só. Sai o alvejado e entra alguém mais próximo da presidente. Aconteceu na Agricultura, onde o ministro do PMDB já havia se transformado num ônus político para o padrinho, o número 2 da República.
Como também na única troca até agora que nada teve a ver com acusações de malfeitos, no Ministério da Defesa.
No PP, o verbalmente ousado ministro das Cidades sentiu o bafo quente do tigre e resolveu mostrar os dentes. Encomendou para si uma passagem de volta à Câmara dos Deputados.
Aos alvos da vez, resta torcer para estar do lado certo, conforme a conveniência momentânea da presidente. Que pode dançar com a opinião pública ou com a base parlamentar.
Mas ela está é bailando com os dois dançarinos, cada um a segurar uma mão presidencial. Certa hora Dilma olha para um, depois para outro. Conforme a necessidade.
E cada um deles se acha, no seu momento, o tal.
Não há maior risco à estabilidade do governo, pois nem a opinião pública, nem a oposição somariam fileiras com vítimas da faxina para colocar em questão a liderança presidencial.
Pode haver uma turbulência aqui, uma rebeliãozinha ali. Ocuparão algum espaço no noticiário, mas Dilma prosseguirá fazendo só o que bem entende.
Substituirá quando for para substituir, segurará a onda quando as águas no Congresso parecerem agitadas demais, deixará ao relento os personagens de que não gosta ou que pretende enfraquecer. Especialmente se o alvo veio como herança.
Fingirá não ser com ela quando o vespeiro parecer arriscado demais. Mas quem se interpuser no caminho estará marcado.
O pós
A revolução líbia segue o rumo, com a dúvida razoável sobre o pós-Kadafi. Instituições não se criam de uma hora para outra, e a ansiedade é saber que novo líder substituirá o deposto. Para ver como a banda vai tocar.
É razoável supor um cenário de conflito, com grupos apeados do poder recorrendo inclusive ao terror para tentar inviabilizar a estabilização da nova ordem.
Assim vai o Iraque, onde com Saddam Hussein mandava a minoria sunita, removida do mando pela invasão americana e substituída por uma aliança majoritária curdo-xiita.
Com o tempo, a insurgência terrorista deixou de ser principalmente antiamericana, tornou-se antixiita. E lateralmente anticurda.
Sistemas políticos autocráticos suficientemente longevos produzem redes abrangentes e cristalizadas, de dependência e lealdade, na estrutura estatal e nas redondezas. Com a repentina mudança política, a turma fica sem o chão. Ou sem o sustento.
Nas forças vitoriosas, a expectativa é ocupar precisamente esse espaço.
Nas derrotadas, resistir. Até faltar completamente o oxigênio.
Dança com dois pares
Alon FeuerwerkerDilma substituirá quando for para substituir, segurará a onda quando as águas no Congresso parecerem agitadas demais, deixará ao relento os personagens de que não gosta ou que pretende enfraquecer
A presidente da República usa retórica para dar o ritmo da reconcentração de poder. Num momento, flerta com a ideia de estar em curso a tal faxina. Noutro, cita Roma, Joana D’Arc e o que mais for para acalmar os preocupados e sugerir que não haverá caça às bruxas.
Na resultante, apenas a constatação de a suposta faxina continuar o que sempre foi. Um mecanismo legitimador da retomada do controle sobre a máquina, pulverizada por razões defensivas ao longo dos anos de Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto.
Esta é uma operação na qual vale a regra orwelliana da Revolução dos bichos. Todos são iguais, mas uns são mais iguais do que os outros. E o que torna uns mais iguais? A densidade do candidato a faxinável e a conveniência da dona da caneta. Variáveis interdependentes.
No episódio do Ministério dos Transportes, o ministro do PR recebeu sinal claríssimo de que deveria pedir o boné. O sub foi chamado ao palácio para reunião de rotina, contornando a autoridade do chefe, que nem sequer tinha conhecimento da atividade.
O episódio dos Transportes fundou a ilusão sobre a faxina ampla, geral, irrestrita e sem freios.
Nos movimentos a partir dali a coisa não segue sempre o mesmo script. Mas o resultado final é um só. Sai o alvejado e entra alguém mais próximo da presidente. Aconteceu na Agricultura, onde o ministro do PMDB já havia se transformado num ônus político para o padrinho, o número 2 da República.
Como também na única troca até agora que nada teve a ver com acusações de malfeitos, no Ministério da Defesa.
No PP, o verbalmente ousado ministro das Cidades sentiu o bafo quente do tigre e resolveu mostrar os dentes. Encomendou para si uma passagem de volta à Câmara dos Deputados.
Aos alvos da vez, resta torcer para estar do lado certo, conforme a conveniência momentânea da presidente. Que pode dançar com a opinião pública ou com a base parlamentar.
Mas ela está é bailando com os dois dançarinos, cada um a segurar uma mão presidencial. Certa hora Dilma olha para um, depois para outro. Conforme a necessidade.
E cada um deles se acha, no seu momento, o tal.
Não há maior risco à estabilidade do governo, pois nem a opinião pública, nem a oposição somariam fileiras com vítimas da faxina para colocar em questão a liderança presidencial.
Pode haver uma turbulência aqui, uma rebeliãozinha ali. Ocuparão algum espaço no noticiário, mas Dilma prosseguirá fazendo só o que bem entende.
Substituirá quando for para substituir, segurará a onda quando as águas no Congresso parecerem agitadas demais, deixará ao relento os personagens de que não gosta ou que pretende enfraquecer. Especialmente se o alvo veio como herança.
Fingirá não ser com ela quando o vespeiro parecer arriscado demais. Mas quem se interpuser no caminho estará marcado.
O pós
A revolução líbia segue o rumo, com a dúvida razoável sobre o pós-Kadafi. Instituições não se criam de uma hora para outra, e a ansiedade é saber que novo líder substituirá o deposto. Para ver como a banda vai tocar.
É razoável supor um cenário de conflito, com grupos apeados do poder recorrendo inclusive ao terror para tentar inviabilizar a estabilização da nova ordem.
Assim vai o Iraque, onde com Saddam Hussein mandava a minoria sunita, removida do mando pela invasão americana e substituída por uma aliança majoritária curdo-xiita.
Com o tempo, a insurgência terrorista deixou de ser principalmente antiamericana, tornou-se antixiita. E lateralmente anticurda.
Sistemas políticos autocráticos suficientemente longevos produzem redes abrangentes e cristalizadas, de dependência e lealdade, na estrutura estatal e nas redondezas. Com a repentina mudança política, a turma fica sem o chão. Ou sem o sustento.
Nas forças vitoriosas, a expectativa é ocupar precisamente esse espaço.
Nas derrotadas, resistir. Até faltar completamente o oxigênio.
Artigo de Paulo Linhares
Leia abaixo o artigo da semana de Paulo Linhares.
MUITO ALÉM DO RAZOÁVEL
Paulo Afonso Linhares
Muito tocante, posto que jocosa, a frase dita recentemente pelo mais do que centenário arquiteto Oscar Niemeyer, esse mito (ainda) vivo da civilização brasileira: "Projetar Brasília para os políticos que vocês colocaram lá, foi como criar um lindo vaso de flores prá vocês usarem como pinico. Hoje eu vejo, tristemente, que Brasília nunca deveria ter sido projetada em forma de avião, mas, sim, de camburão". Tem razão o velho lutador das causas do povo brasileiro, pois é altíssimo o nível de degradação que atinge os altos escalões da República. Embora não goste de ser chamada de “faxineira”, de que não está a fazer tal “faxina ética” no ministério, a presidente Dilma parece não ter disposição de usar o belo jarro de flores como penico, nessa salada geral em que se transformou a política brasileira. E não para por ai. Algumas coisas que ocorrem neste país, na política, que são difíceis de acreditar.
O mais grave é que a degradação política e ética não ocorre apenas no nível da elite, mas, encontra-se fundamente instalada no corpo da sociedade brasileira. Veja-se o exemplo da sociedade nordestina, sobretudo nas áreas mais remotas do sertão, cada vez mais permeável à invasão (do lixo) cultural que escorre tanto pelas telas das TVs quanto mesmo pela Internet. A banalização de certas práticas sociais e a tolerância com o crescimento do tráfico de drogas, impõem novos perfis às comunidades sertanejas onde hábitos seculares são abandonados, outros jazem mesclados com motivos alienígenas muitas vezes incompatíveis com a cultura e até mesmo com fatores ambientais da região semi-árida. Bem ilustrativo dessa inadequação é o caso daquela jovem senhora que, numa festa em que seu marido inauguraria um novo empreendimento lá estava ela a envergar pesado casaco de peles que era capaz de aquecer mesmo um esquimó no rigoroso inverno ártico, enquanto ali na festa a coluna de mercúrio do termômetro escalava o trigésimo grau da escala de Celsius.
O colonialismo cultural do “sul maravilha” é mais que evidente. Com efeito, sob o influxo do processo de globalização padrões estéticos, culinários e até lingüísticos atropelam as tradições locais e “pasteurizam” o modo de ser dos povos da caatinga. E já não se ouve o bom baião de Gonzaga, de Dominguinhos, os experimentos musicais de um genial Sivuca, ou os xaxados de Marinês e de Jackson do Pandeiro. Esses sons tão nordestinos não passam de vagas lembranças em nossos ouvidos. E isto não é nenhuma crise de passadismo, mas, a constatação da perda de traços importantes de cultura sertaneja.
Há práticas que iniciam sem que se saibam os porquês. Algumas chegam a ser hilárias, a exemplo dos carros de som que, em muitas cidades do interior nordestino, anunciam velórios. Hoje é comum vê-los a anunciar que “fulano faleceu às tantas horas e os parentes e amigos são convidados para o velório que está acontecendo em tal local e o sepultamento ocorrerá...” Incrível é como essa prática se generalizou, do mesmo modo como, nas dentaduras postiças que adornam os sorrisos sertanejos, brilham esses aparelhinhos metálicos que primitivamente serviam para correção ortodôntica. Bem, todo esse embananamento parece ter a mesma raiz do problema crucial, posto por Niemayer, de se querer usar como penicos bonitos jarros de flores.
MUITO ALÉM DO RAZOÁVEL
Paulo Afonso Linhares
Muito tocante, posto que jocosa, a frase dita recentemente pelo mais do que centenário arquiteto Oscar Niemeyer, esse mito (ainda) vivo da civilização brasileira: "Projetar Brasília para os políticos que vocês colocaram lá, foi como criar um lindo vaso de flores prá vocês usarem como pinico. Hoje eu vejo, tristemente, que Brasília nunca deveria ter sido projetada em forma de avião, mas, sim, de camburão". Tem razão o velho lutador das causas do povo brasileiro, pois é altíssimo o nível de degradação que atinge os altos escalões da República. Embora não goste de ser chamada de “faxineira”, de que não está a fazer tal “faxina ética” no ministério, a presidente Dilma parece não ter disposição de usar o belo jarro de flores como penico, nessa salada geral em que se transformou a política brasileira. E não para por ai. Algumas coisas que ocorrem neste país, na política, que são difíceis de acreditar.
O mais grave é que a degradação política e ética não ocorre apenas no nível da elite, mas, encontra-se fundamente instalada no corpo da sociedade brasileira. Veja-se o exemplo da sociedade nordestina, sobretudo nas áreas mais remotas do sertão, cada vez mais permeável à invasão (do lixo) cultural que escorre tanto pelas telas das TVs quanto mesmo pela Internet. A banalização de certas práticas sociais e a tolerância com o crescimento do tráfico de drogas, impõem novos perfis às comunidades sertanejas onde hábitos seculares são abandonados, outros jazem mesclados com motivos alienígenas muitas vezes incompatíveis com a cultura e até mesmo com fatores ambientais da região semi-árida. Bem ilustrativo dessa inadequação é o caso daquela jovem senhora que, numa festa em que seu marido inauguraria um novo empreendimento lá estava ela a envergar pesado casaco de peles que era capaz de aquecer mesmo um esquimó no rigoroso inverno ártico, enquanto ali na festa a coluna de mercúrio do termômetro escalava o trigésimo grau da escala de Celsius.
O colonialismo cultural do “sul maravilha” é mais que evidente. Com efeito, sob o influxo do processo de globalização padrões estéticos, culinários e até lingüísticos atropelam as tradições locais e “pasteurizam” o modo de ser dos povos da caatinga. E já não se ouve o bom baião de Gonzaga, de Dominguinhos, os experimentos musicais de um genial Sivuca, ou os xaxados de Marinês e de Jackson do Pandeiro. Esses sons tão nordestinos não passam de vagas lembranças em nossos ouvidos. E isto não é nenhuma crise de passadismo, mas, a constatação da perda de traços importantes de cultura sertaneja.
Há práticas que iniciam sem que se saibam os porquês. Algumas chegam a ser hilárias, a exemplo dos carros de som que, em muitas cidades do interior nordestino, anunciam velórios. Hoje é comum vê-los a anunciar que “fulano faleceu às tantas horas e os parentes e amigos são convidados para o velório que está acontecendo em tal local e o sepultamento ocorrerá...” Incrível é como essa prática se generalizou, do mesmo modo como, nas dentaduras postiças que adornam os sorrisos sertanejos, brilham esses aparelhinhos metálicos que primitivamente serviam para correção ortodôntica. Bem, todo esse embananamento parece ter a mesma raiz do problema crucial, posto por Niemayer, de se querer usar como penicos bonitos jarros de flores.
quarta-feira, 24 de agosto de 2011
O Governo trata muito mal sua base
Não, não estou me referindo ao que se chama por aí de base aliada. Refiro-me à base social. Ou a uma pequena, mas ativa parte desta, vá lá. Isto é, a professores e funcionários públicos federais. Essas categorias, é forçoso reconhecer, deram todo apoio à então candidata Dilma, até porque não tinham mesmo outra alternativa viável (quer dizer, tinha a Marina...). E qual o tratamento que o governo nos dispensa? Em relação ao professores, uma proposta de aumento que é desrespeitosa.
Vá lá que o Governo tenha que bancar o díficil, mas tratar assim quem lhe fornece tanto apoio é uma atitude, no mínimo, de insensibilidade política. Criar animosia com uma categoria que é estratégica para a formação da base técnica para o desenvolvimento do país, em um momento crucial, é,, para não dizer mais, contraproducente.
E nós não temos muitas saídas: de um lado, o caminho já trilhado do sindicalismo bolchevista do ANDES; e, do outro, a novidade envelhecida do sindicalismo governista do Proifes. Fazer o quê?
Isso cansa...
Vá lá que o Governo tenha que bancar o díficil, mas tratar assim quem lhe fornece tanto apoio é uma atitude, no mínimo, de insensibilidade política. Criar animosia com uma categoria que é estratégica para a formação da base técnica para o desenvolvimento do país, em um momento crucial, é,, para não dizer mais, contraproducente.
E nós não temos muitas saídas: de um lado, o caminho já trilhado do sindicalismo bolchevista do ANDES; e, do outro, a novidade envelhecida do sindicalismo governista do Proifes. Fazer o quê?
Isso cansa...
terça-feira, 23 de agosto de 2011
O Brasil e a Líbia
Mais uma mudança na geopolítica mundial: o governo de Kadafi já é história, quaisquer que sejam os desdobramentos do avanço rebelde sobre Trípoli. E o Brasil com isso? Leia abaixo a análise sempre instigante do jornalista Alon Feuerwerker.
De pipoca e refrigerante (23/08)
Alon Feuerwerker
E o Brasil? Para o país que ofereceu mediação no impasse árabe/israelense e tentou costurar o acordo entre Teerã e as potências em torno do programa nuclear iraniano, o atual silêncio é ensurdecedor. A explicação mais provável: o Itamaraty e o Palácio do Planalto não têm a mínima ideia do que fazer
A resistência a apoiar os levantes democráticos no mundo árabe e islâmico têm dupla origem. Uns torcem o nariz pois preferem a continuidade dos déspotas amigos. Outros não, mas temem a emergência de forças político-religiosas fundamentalistas e autoritárias.
O exemplo é sempre o Irã. Onde a Revolução Islâmica libertou ventos democratizantes, para suprimi-los em seguida e lançar o país numa poliarquia teocrática. A esquerda iraniana, aliás, participou ativamente do movimento de 1979, antes de ser suprimida pelos aiatolás.
É o temor mais frequente no desdobramento da situação egípcia. Mas quem busca enfraquecer a influência ocidental na região não teme o cenário. Desse ângulo, o ideal seria ver emergir uma república islâmica sunita no Cairo.
Que em seguida poderia unir-se aos xiitas de Teerã e criar uma situação de forças na qual Washington só teria a retirada como alternativa.
Infelizmente para quem pensa assim, a conflagração iraquiana serve de termômetro da (im)possibilidade de coesão estratégica entre xiitas e sunitas. A união de todas as facções contra o elemento externo pode frequentar o discurso, mas daí à prática vai uma distância daquelas. O pan-arabismo foi e é apenas palavrório vazio.
Na Líbia, por exemplo, a república ditatorial, algo laica e bastante nepótico-cleptocrática do Coronel Muamar Gadafi vai sendo empurrada para a lata de lixo da História, na expressão clássica de Leon Trotsky sobre os socialistas-revolucionários que recusaram apoiar a Revolução Bolchevique de outubro/novembro de 17.
E quem empurra é uma composição heterodoxa.
A faxina de Trípoli é feita a quatro mãos pela aliança militar do Ocidente, a Otan, e rebeldes que também bebem da fonte fundamentalista. Inclusive com ligações marginais à Al Qaeda. Parece-lhe bizarro? Pois é a política. A arte de estar sempre pronto a romper com o aliado e a aliar-se ao adversário/inimigo.
O universo árabe e islâmico é um emaranhado de facções religiosas, políticas e militares. De nações desenhadas artificialmente pelo colonialismo. Não há linhas demarcatórias definitivas.
Isso complica ainda mais a vida de quem precisa tomar posição sobre o assunto. A esquerda brasileira é um exemplo. Comemorou a queda dos ditadores tunisiano e egípcio, aliados dos Estados Unidos, mas cerra fileiras em torno de Gadafi e do açougueiro de Damasco, Bashar Al Assad.
Em meio à confusão, a melhor abordagem, por enquanto, é a de Barack Obama. Que descartou sem muita hesitação aliados importantes, para estar em posição de lutar pela influência na nova ordem.
Pois árabes e muçulmanos têm o mesmo direito à democracia que os demais.
E o Brasil? Para o país que ofereceu recentemente mediação no impasse árabe/israelense e tentou costurar o acordo entre Teerã e as potências em torno do programa nuclear iraniano, o silêncio é ensurdecedor.
Podem querer que pareça sabedoria, mas a explicação provável é outra: o Itamaraty e o Palácio do Planalto não têm a mínima ideia do que fazer.
Pois só haveria duas opções: 1) apoiar decididamente a onda democrática ou 2) agir caso a caso conforme o interesse, conforme quem está no poder ou na oposição.
O governo brasileiro não anda convicto do primeiro caminho, nem está disposto a pagar o preço político embutido no segundo.
E aí fica de saquinho de pipoca e refrigerante na mão vendo passar o filme da História. Quando não sobra com o mico, como vai acontecendo na Líbia. E tem boa chance de acontecer na Síria.
Nem aí
Todas as pesquisas mostram que o eleitor não aceita abrir mão de eleger diretamente os deputados e vereadores. O último levantamento a mostrar isso foi feito com os usuários do serviço 0800 da Câmara dos Deputados.
73% disseram acompanhar a discussão da reforma política no Congresso, 57% discordam do financiamento público de campanhas eleitorais, 67% discordam da lista fechada (voto indireto) para o Legislativo e 75% concordam com o fim das coligações nas eleições para deputado e vereador.
Deveria ser suficiente para os alquimistas da reforma. Mas eles não estão interessados no que o povo acha ou deixa de achar.
De pipoca e refrigerante (23/08)
Alon Feuerwerker
E o Brasil? Para o país que ofereceu mediação no impasse árabe/israelense e tentou costurar o acordo entre Teerã e as potências em torno do programa nuclear iraniano, o atual silêncio é ensurdecedor. A explicação mais provável: o Itamaraty e o Palácio do Planalto não têm a mínima ideia do que fazer
A resistência a apoiar os levantes democráticos no mundo árabe e islâmico têm dupla origem. Uns torcem o nariz pois preferem a continuidade dos déspotas amigos. Outros não, mas temem a emergência de forças político-religiosas fundamentalistas e autoritárias.
O exemplo é sempre o Irã. Onde a Revolução Islâmica libertou ventos democratizantes, para suprimi-los em seguida e lançar o país numa poliarquia teocrática. A esquerda iraniana, aliás, participou ativamente do movimento de 1979, antes de ser suprimida pelos aiatolás.
É o temor mais frequente no desdobramento da situação egípcia. Mas quem busca enfraquecer a influência ocidental na região não teme o cenário. Desse ângulo, o ideal seria ver emergir uma república islâmica sunita no Cairo.
Que em seguida poderia unir-se aos xiitas de Teerã e criar uma situação de forças na qual Washington só teria a retirada como alternativa.
Infelizmente para quem pensa assim, a conflagração iraquiana serve de termômetro da (im)possibilidade de coesão estratégica entre xiitas e sunitas. A união de todas as facções contra o elemento externo pode frequentar o discurso, mas daí à prática vai uma distância daquelas. O pan-arabismo foi e é apenas palavrório vazio.
Na Líbia, por exemplo, a república ditatorial, algo laica e bastante nepótico-cleptocrática do Coronel Muamar Gadafi vai sendo empurrada para a lata de lixo da História, na expressão clássica de Leon Trotsky sobre os socialistas-revolucionários que recusaram apoiar a Revolução Bolchevique de outubro/novembro de 17.
E quem empurra é uma composição heterodoxa.
A faxina de Trípoli é feita a quatro mãos pela aliança militar do Ocidente, a Otan, e rebeldes que também bebem da fonte fundamentalista. Inclusive com ligações marginais à Al Qaeda. Parece-lhe bizarro? Pois é a política. A arte de estar sempre pronto a romper com o aliado e a aliar-se ao adversário/inimigo.
O universo árabe e islâmico é um emaranhado de facções religiosas, políticas e militares. De nações desenhadas artificialmente pelo colonialismo. Não há linhas demarcatórias definitivas.
Isso complica ainda mais a vida de quem precisa tomar posição sobre o assunto. A esquerda brasileira é um exemplo. Comemorou a queda dos ditadores tunisiano e egípcio, aliados dos Estados Unidos, mas cerra fileiras em torno de Gadafi e do açougueiro de Damasco, Bashar Al Assad.
Em meio à confusão, a melhor abordagem, por enquanto, é a de Barack Obama. Que descartou sem muita hesitação aliados importantes, para estar em posição de lutar pela influência na nova ordem.
Pois árabes e muçulmanos têm o mesmo direito à democracia que os demais.
E o Brasil? Para o país que ofereceu recentemente mediação no impasse árabe/israelense e tentou costurar o acordo entre Teerã e as potências em torno do programa nuclear iraniano, o silêncio é ensurdecedor.
Podem querer que pareça sabedoria, mas a explicação provável é outra: o Itamaraty e o Palácio do Planalto não têm a mínima ideia do que fazer.
Pois só haveria duas opções: 1) apoiar decididamente a onda democrática ou 2) agir caso a caso conforme o interesse, conforme quem está no poder ou na oposição.
O governo brasileiro não anda convicto do primeiro caminho, nem está disposto a pagar o preço político embutido no segundo.
E aí fica de saquinho de pipoca e refrigerante na mão vendo passar o filme da História. Quando não sobra com o mico, como vai acontecendo na Líbia. E tem boa chance de acontecer na Síria.
Nem aí
Todas as pesquisas mostram que o eleitor não aceita abrir mão de eleger diretamente os deputados e vereadores. O último levantamento a mostrar isso foi feito com os usuários do serviço 0800 da Câmara dos Deputados.
73% disseram acompanhar a discussão da reforma política no Congresso, 57% discordam do financiamento público de campanhas eleitorais, 67% discordam da lista fechada (voto indireto) para o Legislativo e 75% concordam com o fim das coligações nas eleições para deputado e vereador.
Deveria ser suficiente para os alquimistas da reforma. Mas eles não estão interessados no que o povo acha ou deixa de achar.
A candidatura de Haddad já causa desespero
Nossa! Vocês estão acompanhando a reação de certo, como direi?, colunista da Veja ao crescimento do nome do Ministro Haddad dentro do PT para ser o candidato do partido à prefeitura de Sâo Paulo? Eu, hein? É coisa de desespero. O Lula não joga prá platéia, não é? Ele sabe que a candidatura da Marta não cola mais. E os adversários devem ter muitas pesquisas qualitativas apontando as possibilidades de crescimento do Haddad. Não se bate em cachorro morto, não é mesmo?
sábado, 20 de agosto de 2011
O cancão vai piar?
Confira mais abaixo artigo da lavra de Paulo Linhares. Um articulista de primeira. Professor de direito na UERN, com doutorado na área pela UFPE, Paulo não é apenas um dos mais competentes juristas deste estado, mas um escriba de primeira. Prova disso é que é um dos poucos potiguares honrados com o Prêmio Wladimir Herzog de Jornalismo.
O NINHO DE CANCÃO
Paulo Afonso Linhares
Um anônimo e não menos perspicaz espectador da política mossoroense ousou fazer uma comparação que não deixa de ser genial, quando comparou o cenário da sucessão municipal de 2012 a um autêntico “ninho de cancão”. Ora, a sabedoria sertaneja usa essa locução para se referir a algo tumultuado e onde ninguém se entende. A gralha-cancã ou simplesmente cancão (Cyanocorax cyanopogon) é uma ave da família dos corvídeos, típica das zonas semi-áridas do Nordeste brasileiro, que constrói seu ninho em árvores altas, com formato de uma tigela grande e forrada com folhas secas, onde cria dois a três filhotes. Pássaro inteligente, a exemplo do corvo, seu parente próximo, a cancão utiliza várias estratégias de sobrevivência no agressivo ambiente da caatinga. E tudo de alimento que leva para o ninho vira objeto de acirradas brigas entre os filhotes, que armam disputas terríveis e até fraticidas. Enfim, o ninho do cancão é sempre numa enorme zorra. Mais feliz, pois, não poderia ser a comparação.
O primeiro complicador dessa história é se Mossoró tem ou não um dono. Para alguns analistas da cena política mossoroense somente a família Rosado teria a primazia de eleger prefeitos de Mossoró, cogitação que se afigurava como absurda até passado recente, embora vários membros dessa tradicional família tenham exercido esse cargo desde o começo do século XX, com a investidura do patriarca Jerônimo Rosado na intendência de Mossoró. Depois vieram Dix-Sept, Vingt, Dix-Huit e Fafá Rosado. Rosalba, três vezes eleita prefeita mossoroense, é apenas casada com um membro dessa família.
Claro, embora sem absolutizar o fetiche das urnas (nem sempre a eleição democrática confere a necessária legitimação do poder político, pois práticas clientelísticas como a compra do voto podem desvirtuá-la completamente), o certo é que toda pessoa que esteja em exercício de seus direitos políticos e filiada a um partido, pode concorrer ao cargo de prefeito de Mossoró. Se vai ser eleita, é uma outra história. Por outro lado, não se pode negar que os Rosado estão disseminados, no mínimo, em três subgrupos que, por seu turno, dominam o cenário político local: (i) o comandado pelo ex-deputado Carlos Augusto Rosado; (ii) o da prefeita Fafá Rosado; e o que atende à liderança da deputada federal Sandra Rosado. Obviamente que, nesse contexto de dominação oligárquica, os partidos políticos têm pouca ou quase nenhuma expressão, pois são meros joguetes na composição dos interesses estratégicos desses “pedaços” do rosadismo. Só que essa realidade é percebida, por alguns analistas, sempre com fortes cores de determinismo, como se esse cenário fosse imutável.
Fato é que se torna inconcebível a ideia de que uma cidade com o “pique” de Mossoró, uma das que mais crescem no país, possa ter donos. E não tem, nem jamais terá, muito mais enquanto se disseminar nas cabeças das pessoas noções de cidadania e do sentido republicano. O desenvolvimento econômico e social gera uma categoria de cidadão que pode votar livremente e sem vínculos com as tradições oligárquicas. Enquanto essas possibilidades não forem construídas e efetivadas – o que não chega a ser impossível nem extraordinário! -, restará apenas a observação distanciada, e não menos enfadonha, desse genuíno “ninho de cancão” em que se transformou a política de Mossoró.
O NINHO DE CANCÃO
Paulo Afonso Linhares
Um anônimo e não menos perspicaz espectador da política mossoroense ousou fazer uma comparação que não deixa de ser genial, quando comparou o cenário da sucessão municipal de 2012 a um autêntico “ninho de cancão”. Ora, a sabedoria sertaneja usa essa locução para se referir a algo tumultuado e onde ninguém se entende. A gralha-cancã ou simplesmente cancão (Cyanocorax cyanopogon) é uma ave da família dos corvídeos, típica das zonas semi-áridas do Nordeste brasileiro, que constrói seu ninho em árvores altas, com formato de uma tigela grande e forrada com folhas secas, onde cria dois a três filhotes. Pássaro inteligente, a exemplo do corvo, seu parente próximo, a cancão utiliza várias estratégias de sobrevivência no agressivo ambiente da caatinga. E tudo de alimento que leva para o ninho vira objeto de acirradas brigas entre os filhotes, que armam disputas terríveis e até fraticidas. Enfim, o ninho do cancão é sempre numa enorme zorra. Mais feliz, pois, não poderia ser a comparação.
O primeiro complicador dessa história é se Mossoró tem ou não um dono. Para alguns analistas da cena política mossoroense somente a família Rosado teria a primazia de eleger prefeitos de Mossoró, cogitação que se afigurava como absurda até passado recente, embora vários membros dessa tradicional família tenham exercido esse cargo desde o começo do século XX, com a investidura do patriarca Jerônimo Rosado na intendência de Mossoró. Depois vieram Dix-Sept, Vingt, Dix-Huit e Fafá Rosado. Rosalba, três vezes eleita prefeita mossoroense, é apenas casada com um membro dessa família.
Claro, embora sem absolutizar o fetiche das urnas (nem sempre a eleição democrática confere a necessária legitimação do poder político, pois práticas clientelísticas como a compra do voto podem desvirtuá-la completamente), o certo é que toda pessoa que esteja em exercício de seus direitos políticos e filiada a um partido, pode concorrer ao cargo de prefeito de Mossoró. Se vai ser eleita, é uma outra história. Por outro lado, não se pode negar que os Rosado estão disseminados, no mínimo, em três subgrupos que, por seu turno, dominam o cenário político local: (i) o comandado pelo ex-deputado Carlos Augusto Rosado; (ii) o da prefeita Fafá Rosado; e o que atende à liderança da deputada federal Sandra Rosado. Obviamente que, nesse contexto de dominação oligárquica, os partidos políticos têm pouca ou quase nenhuma expressão, pois são meros joguetes na composição dos interesses estratégicos desses “pedaços” do rosadismo. Só que essa realidade é percebida, por alguns analistas, sempre com fortes cores de determinismo, como se esse cenário fosse imutável.
Fato é que se torna inconcebível a ideia de que uma cidade com o “pique” de Mossoró, uma das que mais crescem no país, possa ter donos. E não tem, nem jamais terá, muito mais enquanto se disseminar nas cabeças das pessoas noções de cidadania e do sentido republicano. O desenvolvimento econômico e social gera uma categoria de cidadão que pode votar livremente e sem vínculos com as tradições oligárquicas. Enquanto essas possibilidades não forem construídas e efetivadas – o que não chega a ser impossível nem extraordinário! -, restará apenas a observação distanciada, e não menos enfadonha, desse genuíno “ninho de cancão” em que se transformou a política de Mossoró.
sexta-feira, 19 de agosto de 2011
Música para uma de sexta
Tudo de bom para você nesta sexta. Aproveite bem o dia. Pense em quem você gosta e deixa de fora da mente pessoas e coisas que te jogam prá baixo. Não vale a pena, você sabe, mas, dada a força das coisas, insiste em incorrer nos mesmos erros. Não continue nessa senda. Ouça a música abaixo, relaxe, espie pela janela ou abra a porta da frente. Fez isso? Há um mundo lá fora, que tem muita graça. Ainda.
Henrique Alves, o Senador
Em que ano você nasceu? Olhe, é mais do que provável que, na época, Henrique Alves já fosse deputado. Sempre pelo mesmo partido (o então MDB, que, depois, com a reforma política imposta pela ditadura, teve que acrescentar um "P" ao nome). Chegou à Câmara dos Deputados em uma idade em que muitos ainda nem chegaram aos bancos da Universidade.
Com 40 anos de casa, o deputado peemedebista conhece, como se diz em Apodi, da frente prá trás e de trás para a frente, todos os meandros do poder legislativo. E isso foi lhe garantindo conhecimento em um espaço onde a tradução deste em poder é algo quase imediato.
Foi patrolado quando quis voar mais alto. Algumas vezes por desastres eleitorais evitáveis, como a candidatura a prefeito de Natal. Perdeu para o então desconhecido Aldo Tinôco (na época, PSB; hoje, não sei) devido a entrada em cena de ninguém menos que sua irmã, Ana Catarina, apoiada pelo então Governador José Agripino (PFL, na época; hoje, DEM). Já havia perdido antes, disputando o mesmo cargo, para Vilma de Faria (então ainda Maia).
Essas duas derrotas para cargos majoritários e mais a atropelada que sofreu quando quis ser candidato a Vice de Serra, em 2002, não arrefeceram a gana política do deputado. Pelo contrário! Com o passar dos anos, enquanto Garibaldi Alves acumulava a fama de grande político e negociador, ele, nos bastidores, foi construindo extensas redes de apoio em todas as estruturas de poder e nos mais diversos espaços sociais. Tornou-se uma das caras do poder, não no RN, mas no Brasil.
Dizia o saudoso Deputado Ulisses Guimarães que ciúme de homem é o pior dos ciúmes. Traduz-se em atos destruidores. Henrique ganhou muito poder nos anos Lula e continua como o grande treinador do time do PMDB na Câmara, agora no Governo Dilma. Isso deve causar uma ciumeira daquelas. E o deputado, que não nasceu ontem, deve estar preparado para as caneladas.
Uma dessas caneladas, que seria dada pelo PT, agremiação que não é lá muito afeita a cumprir compromissos, tiraria-lhe a presidência da Câmara no início de 2013. Mas, aí é que tá, a Dilma não é Lula. Não é uma petista de carteirinha. A Presidenta não vai sacrificar a governabilidade para aplacar a insaciável fome de cargos e poder da companheirada. Henrique já se acercou da presidenta, para sentir a diposição dela em cumprir o acordo que dá ao PMDB a presidência da casa após o término do mandato do petista Marco Maia. A presidenta deu mostras de que não vai aceitar que cravem um punhal nas costas do veterano deputado. Então, desse lado, por enquanto, o flanco está protegido.
O problema, parece-me, está em "casa". Ou seja, no PMDB. A moçada está um tantinho rebelde. E Henrique terá que se segurar um pouco, pois, os rebeldes, especialmente aqueles da região sul, não têm o jogo de cintura do político potiguar. Nem parecem querer tê-lo.
Bueno, mas Henrique vai ser Presidente da Câmara dos Deputados. Nisso, eu aposto. E daí? Como e daí? Ora, independente do partido de sua afeição, tome tento, pois, esse será um bom acontecimento para o Rio Grande do Norte. Mais prestígio político, mais visibilidade e reconhecimento para este cantão (cantinho, na verdade) da federação.
Por outro lado, em ocupando esse cargo, Henrique poderá disputar a única vaga de senador em 2014. Quem terá cacife para enfrentá-lo? Vilma? Duvido muito. Robinson? E este vai correr o risco de ficar de fora do Palácio Potengi? Fátima Bezerra? A petista não corre riscos, sabemos todos...
Henrique Alves, tudo indica, deixará a Câmara dos Deputados em janeiro de 2015. Irá para o Senado. Para o Céu, segundo definição do falecido Senador Angenor Maria.
Com 40 anos de casa, o deputado peemedebista conhece, como se diz em Apodi, da frente prá trás e de trás para a frente, todos os meandros do poder legislativo. E isso foi lhe garantindo conhecimento em um espaço onde a tradução deste em poder é algo quase imediato.
Foi patrolado quando quis voar mais alto. Algumas vezes por desastres eleitorais evitáveis, como a candidatura a prefeito de Natal. Perdeu para o então desconhecido Aldo Tinôco (na época, PSB; hoje, não sei) devido a entrada em cena de ninguém menos que sua irmã, Ana Catarina, apoiada pelo então Governador José Agripino (PFL, na época; hoje, DEM). Já havia perdido antes, disputando o mesmo cargo, para Vilma de Faria (então ainda Maia).
Essas duas derrotas para cargos majoritários e mais a atropelada que sofreu quando quis ser candidato a Vice de Serra, em 2002, não arrefeceram a gana política do deputado. Pelo contrário! Com o passar dos anos, enquanto Garibaldi Alves acumulava a fama de grande político e negociador, ele, nos bastidores, foi construindo extensas redes de apoio em todas as estruturas de poder e nos mais diversos espaços sociais. Tornou-se uma das caras do poder, não no RN, mas no Brasil.
Dizia o saudoso Deputado Ulisses Guimarães que ciúme de homem é o pior dos ciúmes. Traduz-se em atos destruidores. Henrique ganhou muito poder nos anos Lula e continua como o grande treinador do time do PMDB na Câmara, agora no Governo Dilma. Isso deve causar uma ciumeira daquelas. E o deputado, que não nasceu ontem, deve estar preparado para as caneladas.
Uma dessas caneladas, que seria dada pelo PT, agremiação que não é lá muito afeita a cumprir compromissos, tiraria-lhe a presidência da Câmara no início de 2013. Mas, aí é que tá, a Dilma não é Lula. Não é uma petista de carteirinha. A Presidenta não vai sacrificar a governabilidade para aplacar a insaciável fome de cargos e poder da companheirada. Henrique já se acercou da presidenta, para sentir a diposição dela em cumprir o acordo que dá ao PMDB a presidência da casa após o término do mandato do petista Marco Maia. A presidenta deu mostras de que não vai aceitar que cravem um punhal nas costas do veterano deputado. Então, desse lado, por enquanto, o flanco está protegido.
O problema, parece-me, está em "casa". Ou seja, no PMDB. A moçada está um tantinho rebelde. E Henrique terá que se segurar um pouco, pois, os rebeldes, especialmente aqueles da região sul, não têm o jogo de cintura do político potiguar. Nem parecem querer tê-lo.
Bueno, mas Henrique vai ser Presidente da Câmara dos Deputados. Nisso, eu aposto. E daí? Como e daí? Ora, independente do partido de sua afeição, tome tento, pois, esse será um bom acontecimento para o Rio Grande do Norte. Mais prestígio político, mais visibilidade e reconhecimento para este cantão (cantinho, na verdade) da federação.
Por outro lado, em ocupando esse cargo, Henrique poderá disputar a única vaga de senador em 2014. Quem terá cacife para enfrentá-lo? Vilma? Duvido muito. Robinson? E este vai correr o risco de ficar de fora do Palácio Potengi? Fátima Bezerra? A petista não corre riscos, sabemos todos...
Henrique Alves, tudo indica, deixará a Câmara dos Deputados em janeiro de 2015. Irá para o Senado. Para o Céu, segundo definição do falecido Senador Angenor Maria.
Dilma no seu quadrado
Leia abaixo a sempre arguta análise de conjuntura escrita pelo jornalista Alon Feuerwerker.
De vagão trocado (17/08)
Alon Feuerwerker
Dependentes da clemência presidencial.
E o Congresso? Há alguns cenários. No mais desfavorável, a rebelião da base permitirá ao Parlamento enfileirar uma sequência de gastos amalucados, para inviabilizar o governo.
No mais favorável, daqui a pouco as coisas se ajeitam. Pois é melhor sair da primeira para a segunda classe do que ser expelido para fora do trem.
Pelas razões expostas ao longo desta coluna, e mesmo que a verdade esteja -como sempre- num ponto intermediário, tende a prevalecer a segunda opção.
A não ser que Dilma se mostre ruim de serviço para além da conta. Muito além.
Daqui a pouco as coisas se ajeitam. Pois é melhor sair da primeira para a segunda classe do que ser expelido para fora do trem. A não ser que Dilma se mostre ruim de serviço para além da conta. Muito além
A presidente da República não tem por que ceder agora na trilha que ela escolheu para se relacionar com a base governista. Se decidir recuar correrá o risco de precisar doravante pedir licença aos aliados até para escolher o cardápio do Alvorada.
Mas Dilma Rousseff não pode prescindir da base, pois tem pelo menos mais três anos e meio de governo. Sem contar a possível campanha pela reeleição. Já que a presidente se movimenta como candidata a tal.
Inclusive pelo contraste que imprime com o período do antecessor e padrinho. Para quem a conta do rearranjo governamental anda pesada.
Administrar a tensão com os aliados vai exigir sintonia fina e sangue frio. O segundo quesito não parece faltar, ainda que a presidente não esteja imune a escorregadas.
Como quando diz que não se move em função do publicado na imprensa.
Fora a operação da Polícia Federal no Ministério do Turismo, nasceram do trabalho jornalístico as encrencas que vêm permitindo à presidente agarrar o manche do governo dela.
A fala talvez tenha sido uma gentileza, um gesto em direção a aliados preocupados. O ritual útil de falar mal de um adversário histórico, para adicionar alguma coesão às próprias fileiras. Vai saber...
Dilma está no jogo em vantagem. Se abrir mão da base não é opção para ela, renunciar aos espaços governamentais tampouco é alternativa para a base. E no fim das contas quem nomeia e demite é ela.
Então a base precisará, certa hora, compor com o Planalto. Com Dilma Rousseff, a única possuidora da caneta que desembaraça verbas e cargos.
Por isso deve-se olhar com alguma cautela a agitação nestes dias cheios de novidades.
Uma novidade foi o apoio da ala que, na falta de expressão melhor, poderia ser chamada de setor independente dentro dos partidos da base do governo no Senado.
A coisa tem lá sua dose de “não é o que parece”, pois o grupo de senadores está mais para oposição do que para governo. Já é quase uma dissidência. E ninguém consegue governar apenas ou principalmente apoiado por dissidências.
Trocar o establishment senatorial por esse grupo tampouco é possibilidade realista.
No cabo de guerra, Dilma tem outro trunfo: não se ter proposto uma pauta agressiva de reformas legislativas. Precisa pouco do Congresso.
Só não pode deixar a situação sair do controle, como aconteceu no Código Florestal na Câmara dos deputados. Quando o Palácio do Planalto construiu cuidadosamente a derrota, por desconsiderar a correlação de forças.
Dilma precisa aprovar a renovação da DRU (a desvinculação parcial de receitas, que permite mais flexibilidade orçamentária) e talvez goste de fazer avançar algum arremedo de reforma tributária.
Só. No mais, é governar. No caso de Dilma, cumprir as metas no avanço na infraestrutura nacional. Será (ou não) a marca do governo dela, um bolo cuja cereja são as obras da Copa do Mundo de 2014.
Daí que a presidente avance com apetite no controle da máquina. Num caso trocou o ministro (Transportes), noutros vem deixando os titulares, por enquanto. Mas privados de poder real.
De vagão trocado (17/08)
Alon Feuerwerker
Dependentes da clemência presidencial.
E o Congresso? Há alguns cenários. No mais desfavorável, a rebelião da base permitirá ao Parlamento enfileirar uma sequência de gastos amalucados, para inviabilizar o governo.
No mais favorável, daqui a pouco as coisas se ajeitam. Pois é melhor sair da primeira para a segunda classe do que ser expelido para fora do trem.
Pelas razões expostas ao longo desta coluna, e mesmo que a verdade esteja -como sempre- num ponto intermediário, tende a prevalecer a segunda opção.
A não ser que Dilma se mostre ruim de serviço para além da conta. Muito além.
Daqui a pouco as coisas se ajeitam. Pois é melhor sair da primeira para a segunda classe do que ser expelido para fora do trem. A não ser que Dilma se mostre ruim de serviço para além da conta. Muito além
A presidente da República não tem por que ceder agora na trilha que ela escolheu para se relacionar com a base governista. Se decidir recuar correrá o risco de precisar doravante pedir licença aos aliados até para escolher o cardápio do Alvorada.
Mas Dilma Rousseff não pode prescindir da base, pois tem pelo menos mais três anos e meio de governo. Sem contar a possível campanha pela reeleição. Já que a presidente se movimenta como candidata a tal.
Inclusive pelo contraste que imprime com o período do antecessor e padrinho. Para quem a conta do rearranjo governamental anda pesada.
Administrar a tensão com os aliados vai exigir sintonia fina e sangue frio. O segundo quesito não parece faltar, ainda que a presidente não esteja imune a escorregadas.
Como quando diz que não se move em função do publicado na imprensa.
Fora a operação da Polícia Federal no Ministério do Turismo, nasceram do trabalho jornalístico as encrencas que vêm permitindo à presidente agarrar o manche do governo dela.
A fala talvez tenha sido uma gentileza, um gesto em direção a aliados preocupados. O ritual útil de falar mal de um adversário histórico, para adicionar alguma coesão às próprias fileiras. Vai saber...
Dilma está no jogo em vantagem. Se abrir mão da base não é opção para ela, renunciar aos espaços governamentais tampouco é alternativa para a base. E no fim das contas quem nomeia e demite é ela.
Então a base precisará, certa hora, compor com o Planalto. Com Dilma Rousseff, a única possuidora da caneta que desembaraça verbas e cargos.
Por isso deve-se olhar com alguma cautela a agitação nestes dias cheios de novidades.
Uma novidade foi o apoio da ala que, na falta de expressão melhor, poderia ser chamada de setor independente dentro dos partidos da base do governo no Senado.
A coisa tem lá sua dose de “não é o que parece”, pois o grupo de senadores está mais para oposição do que para governo. Já é quase uma dissidência. E ninguém consegue governar apenas ou principalmente apoiado por dissidências.
Trocar o establishment senatorial por esse grupo tampouco é possibilidade realista.
No cabo de guerra, Dilma tem outro trunfo: não se ter proposto uma pauta agressiva de reformas legislativas. Precisa pouco do Congresso.
Só não pode deixar a situação sair do controle, como aconteceu no Código Florestal na Câmara dos deputados. Quando o Palácio do Planalto construiu cuidadosamente a derrota, por desconsiderar a correlação de forças.
Dilma precisa aprovar a renovação da DRU (a desvinculação parcial de receitas, que permite mais flexibilidade orçamentária) e talvez goste de fazer avançar algum arremedo de reforma tributária.
Só. No mais, é governar. No caso de Dilma, cumprir as metas no avanço na infraestrutura nacional. Será (ou não) a marca do governo dela, um bolo cuja cereja são as obras da Copa do Mundo de 2014.
Daí que a presidente avance com apetite no controle da máquina. Num caso trocou o ministro (Transportes), noutros vem deixando os titulares, por enquanto. Mas privados de poder real.
quinta-feira, 18 de agosto de 2011
O futuro do Rio Grande do Norte está dormindo na Chapada do Apodi
Sob a Chapada do Apodi, ainda dormindo, encontra-se um dos maiores aqüíferos subterrâneos do Rio Grande do Norte. Embora a fruticultura de exportação praticada no município de Mossoró tenha dilapidado parte desse patrimônio, ainda há muito desse que será um dos recursos estratégicos nas próximas décadas – a água. Especialmente, nos municípios de Apodi, Felipe Guerra e Governador Dix-Sept Rosado.
Para aumentar o valor das terras situadas nesses municípios, temos a Barragem de Santa Cruz (Apodi), um dos maiores reservatórios de águas do Nordeste. Se água, esse líquido cada vez mais precioso, não faltará, resta-nos indagar: é a qualidade do solo? Fertilíssimo, dizia-me, há anos, o nosso saudoso Professor Maurício Oliveira (da atual UFERSA, então ESAM).
Por isso, o futuro econômico do RN não está no litoral, espaço detonado pela ocupação predatório que dilapida em alguns anos o que a natureza levou milênios para configurar, mas, sim, na “boca do sertão”, polarizada por Mossoró. Mas, e Mossoró? Mossoró também precisa se redefinir. Assumir a sua condição de capital de um espaço regional interestadual, e não apenas alimentar-se economicamente de um recurso finito como o petróleo.
O que nos falta? Elites com visão, e inseridas no seu contexto regional. A UFERSA, nesse sentido, tem todo um espaço para crescer e se firmar. Mais do que a UFRN, caberá a esta IES, fincada em Mossoró, ser a base que catapultará o Rio Grande do Norte para o futuro. Papel importante deverá cumprir também a UERN, caso se deslinde de questiúnculas e atores que a jogam para baixo, tomando-a como lócus da reprodução de interesses que estão distantes, mais bota distantes nisso, de preocupações acadêmicas de peso.
E os políticos locais? Depois de Vingt, Vignt-Un e Dix-Huit, todos Rosados, quem, no RN, e, mais particularmente em Mossoró, toma o regional como referência, mesmo que discursiva, de sua atuação política? Esses homens ("os Rosados" tradicionais), não importa o seu credo político ou interesses pessoais, foram decisivos para a construção de uma elaboração discursiva sobre o desenvolvimento regional. Depois deles, a mediocridade domina. É uma desolação... Daí a minha aposta nas instituições de ensino. Ou elas nos salvam ou a Chapada do Apodi se tornará um colônia de produção agrícola dos chineses... E aí, ao invés de futuro e desenvolvimento, será melhor começarmos a discutir (coisa chique e pós-moderna, mas inócua, a não ser para os produtores de papers para convescotes acadêmicos) sobre a distopia no semi-árido.
Voltarei ao tema.
Para aumentar o valor das terras situadas nesses municípios, temos a Barragem de Santa Cruz (Apodi), um dos maiores reservatórios de águas do Nordeste. Se água, esse líquido cada vez mais precioso, não faltará, resta-nos indagar: é a qualidade do solo? Fertilíssimo, dizia-me, há anos, o nosso saudoso Professor Maurício Oliveira (da atual UFERSA, então ESAM).
Por isso, o futuro econômico do RN não está no litoral, espaço detonado pela ocupação predatório que dilapida em alguns anos o que a natureza levou milênios para configurar, mas, sim, na “boca do sertão”, polarizada por Mossoró. Mas, e Mossoró? Mossoró também precisa se redefinir. Assumir a sua condição de capital de um espaço regional interestadual, e não apenas alimentar-se economicamente de um recurso finito como o petróleo.
O que nos falta? Elites com visão, e inseridas no seu contexto regional. A UFERSA, nesse sentido, tem todo um espaço para crescer e se firmar. Mais do que a UFRN, caberá a esta IES, fincada em Mossoró, ser a base que catapultará o Rio Grande do Norte para o futuro. Papel importante deverá cumprir também a UERN, caso se deslinde de questiúnculas e atores que a jogam para baixo, tomando-a como lócus da reprodução de interesses que estão distantes, mais bota distantes nisso, de preocupações acadêmicas de peso.
E os políticos locais? Depois de Vingt, Vignt-Un e Dix-Huit, todos Rosados, quem, no RN, e, mais particularmente em Mossoró, toma o regional como referência, mesmo que discursiva, de sua atuação política? Esses homens ("os Rosados" tradicionais), não importa o seu credo político ou interesses pessoais, foram decisivos para a construção de uma elaboração discursiva sobre o desenvolvimento regional. Depois deles, a mediocridade domina. É uma desolação... Daí a minha aposta nas instituições de ensino. Ou elas nos salvam ou a Chapada do Apodi se tornará um colônia de produção agrícola dos chineses... E aí, ao invés de futuro e desenvolvimento, será melhor começarmos a discutir (coisa chique e pós-moderna, mas inócua, a não ser para os produtores de papers para convescotes acadêmicos) sobre a distopia no semi-árido.
Voltarei ao tema.
quarta-feira, 17 de agosto de 2011
Dilma, a Presidenta
Dilma não aceitou ser coadjuvante no projeto do Lula. Está assumindo, de fato, a gestão do governo. E isso é bom além da conta. Depois de dois presidentes que eram mais primeiros-ministros do que presidentes (Lula e FHC), ao que tudo está indicando, vamos ter um(a) presidente de fato. O custo é alto, sabemos bem. Mas, para o nosso amadurecimento político é bom.
Dilma não está se curvando à tal base de apoio, isso lhe trará enormes problemas, mas, por enquanto, ela está ancorada em uma popularidade razoável. A classe média gosta do estilo de durona e de implacável contra a corrupção. Os alidados tremem nas bases, mas a coisa avança. Afinal, para onde mesmo iria essa galera? Vocês conseguem imaginar o PMDB sem os cargos? E o PT?
Agora, ao que parece, a novidade é que Dilma teria afirmada ao Lula que não partirá para a disputa pelo segundo mandato. Essa é uma bomba de grande efeito. Por diversos motivos. O primeiro deles, o mais óbvio, é que, com isso, ela abre antecipadamente o jogo sucessório. Aécio e Lula ficarão incontroláveis.
Por outro lado, e há sempre esse outro lado nas análise comezinhas, não é?, a Dilma ficará mais solto para ser o que ela realmenter quer ser: Presidenta. A base aliada vai resmungar, vai dar piti, mas ela não vai recurar. Por que o faria? Dilma não é disso. Ela joga pesado e aberto. Sem salamaleques. Diz na bucha, não manda recados. Quem já passou por torturas terríveis e enfrentou o câncer, vai tremer diante dos arroubos de "independência" do PR? Nem por cem e uma cocada, como dizem lá em Apodi.
Dilma não está se curvando à tal base de apoio, isso lhe trará enormes problemas, mas, por enquanto, ela está ancorada em uma popularidade razoável. A classe média gosta do estilo de durona e de implacável contra a corrupção. Os alidados tremem nas bases, mas a coisa avança. Afinal, para onde mesmo iria essa galera? Vocês conseguem imaginar o PMDB sem os cargos? E o PT?
Agora, ao que parece, a novidade é que Dilma teria afirmada ao Lula que não partirá para a disputa pelo segundo mandato. Essa é uma bomba de grande efeito. Por diversos motivos. O primeiro deles, o mais óbvio, é que, com isso, ela abre antecipadamente o jogo sucessório. Aécio e Lula ficarão incontroláveis.
Por outro lado, e há sempre esse outro lado nas análise comezinhas, não é?, a Dilma ficará mais solto para ser o que ela realmenter quer ser: Presidenta. A base aliada vai resmungar, vai dar piti, mas ela não vai recurar. Por que o faria? Dilma não é disso. Ela joga pesado e aberto. Sem salamaleques. Diz na bucha, não manda recados. Quem já passou por torturas terríveis e enfrentou o câncer, vai tremer diante dos arroubos de "independência" do PR? Nem por cem e uma cocada, como dizem lá em Apodi.
Vírus
Estou meio devagar nesta semana. Culpa de um vírus, é o que disse a minha médica. Mas, estou na ativa. Deixar a peteca cair, isso nunca.
Já, já, tem novidades por aqui, ok?
Já, já, tem novidades por aqui, ok?
segunda-feira, 15 de agosto de 2011
Cristina sai na frente
A Argentina incorporou ao seu processo eleitoral as eleições primárias. Você sabe, o processo aberto de escolha pelos eleitores dos candidatos dos partidos. É, mais ou menos, o modelo norte-americano. É interessante, pois, propicia um debate mais acentuado do que aquele que ocorre, por exemplo, no nosso processo eleitoral.
Claro, o sistema de partidos políticos na Argentina é muito complicado de se entender. Existe umas centenas de partidos, mas, na prática, apenas o peronismo e os radicais (que, para ser sincero, não vai lá muito nas raízes...). Para quem escuta o debate sobre reforma política no Brasil, essa situação seria vista pelos nossos bem pensantes como insustentável. Bueno, parece que, por lá, tem funcionalidade.
Mas o que eu queria falar mesmo é que nas primárias do final de semana, a Presidente Cristina Kirchner colocou mais de trinta pontos de vantagem sobre aquele que deverá ser o seu mais sério opositor, o deputado Ricardo Alfonsin.
Bueno, assim sendo acho que haverá renovação do mandato da Presidente. Uma notícia boa, dado que mantém a atual correlação de forças no continente. Obviamente, a presidente argentina tem, como direi?, guinadas bruscas ao populismo que são preocupantes. Mais do que Lula ou Dilma, ela passa a mão na cabeça quando o Hugo Chavez apronta das suas na Venezuela. Não por acaso é na Argentina que o "socialismo" do caudilho encontra maior guarida.
Por outro lado, dada a queda livre do Piñera (Chile), a reeleição da Cristina é importante também para sinalizar que não há saída à direita para o nosso sofrido continente.
Claro, o sistema de partidos políticos na Argentina é muito complicado de se entender. Existe umas centenas de partidos, mas, na prática, apenas o peronismo e os radicais (que, para ser sincero, não vai lá muito nas raízes...). Para quem escuta o debate sobre reforma política no Brasil, essa situação seria vista pelos nossos bem pensantes como insustentável. Bueno, parece que, por lá, tem funcionalidade.
Mas o que eu queria falar mesmo é que nas primárias do final de semana, a Presidente Cristina Kirchner colocou mais de trinta pontos de vantagem sobre aquele que deverá ser o seu mais sério opositor, o deputado Ricardo Alfonsin.
Bueno, assim sendo acho que haverá renovação do mandato da Presidente. Uma notícia boa, dado que mantém a atual correlação de forças no continente. Obviamente, a presidente argentina tem, como direi?, guinadas bruscas ao populismo que são preocupantes. Mais do que Lula ou Dilma, ela passa a mão na cabeça quando o Hugo Chavez apronta das suas na Venezuela. Não por acaso é na Argentina que o "socialismo" do caudilho encontra maior guarida.
Por outro lado, dada a queda livre do Piñera (Chile), a reeleição da Cristina é importante também para sinalizar que não há saída à direita para o nosso sofrido continente.
sábado, 13 de agosto de 2011
O Governo Dilma
No artigo abaixo, uma análise a respeito das iniciativas da Presidente Dilma. O texto é de autoria de Paulo Linhares.
O PREÇO DA FAXINA
Paulo Afonso Linhares
A presidente Dilma Rousseff surpreendeu a maioria dos analistas políticos com os enormes índices de popularidade, segundo aferição de diversos institutos de pesquisa, algo bem difícil de ser alcançado por um presidente em início de governo. Aliás, ela apresentou índices superiores aos que teve o presidente Lula – talvez o chefe de Estado brasileiro melhor avaliado em sondagem da opinião pública que se tem notícia – no mesmo período de governo. Todavia, recentemente o governo Dilma foi avaliado pelo Ibope a mando do próprio governo e o resultado foi desestimulante em razão da queda de sua popularidade e da própria presidente, em todos os níveis, numa média de seis (6) pontos percentuais.
As pessoas ficaram atônitas. Ora, depois da enorme e corajosa “faxina” que a presidente Dilma está a fazer em seu governo, cortando pela raiz as traquinagens que têm aprontado os seus aliados políticos, a começar pelos republicanos comandados pelo senador e até então ministro Alfredo
Nascimento (PR-AM) encarapitados no poderoso Ministério dos Transportes e, sobretudo, no Dnit, autarquia a ele vinculada e que detém um dos maiores orçamentos da União Federal, isso depois de ter defenestrado da Casa Civil o ministro Antônio Palocci, sob uma avalanche de acusação de favorecimento indevido e advocacia administrativa, embora ela tenha deixado que o governo sangrasse por um tempo mais do que razoável. Mais recentemente a insubordinação e grosseria do ministro Nelson Jobim, da Defesa, que agrediu gratuitamente a própria presidente (dizendo à imprensa que não votara nela em 2010, mas, em José Serra ), além de outras colegas de ministério, foi respondida com a demissão sumária.
Enfim, neste sentido as atitudes da presidente Dilma foram positivas e que indicam uso das regras de governança, aqui entendida simples e genericamente como a arte do bom governo. Claro, os aliados atingidos pela cimitarra vingadora da presidente Dilma começaram a chiar, a exemplo do discurso que o senador Alfredo Nascimento proferiu no Senado Federal depois de afastado do governo, cuja tônica foi uma torrente de acusações de ter sido abandonado pela antiga chefa. Para ele e outros conhecedores da cena política atual, os atos de Dilma poderiam comprometer a chamada “governabilidade”, com a perda de importantes aliados políticos do governo. Ora, Dilma nada poderia fazer para salvar quase três dezenas de ocupantes de cargos importantes no Ministério dos Transportes/Dnit, inclusive Nascimento, diante das graves acusações de corrupção divulgadas na mídia. Assim, era impossível esperar dela uma atitude que não fosse de mandar apurar tudo e mais: afastar dos cargos as pessoas que têm sido alvos dessas acusações.
A vassoura presidencial tem continuado a atuar. Desta feita voltou-se para os ministérios da Agricultura e do Turismo, com a prisão de várias exercentes de postos chaves nessas rapartições, dessa feita com comprometimento do PMDB, PTB e do próprio PT. No entanto, com tantos casos de corrupção vindos à baila, a opinião pública nacional fez uma leitura enviezada desses episódios, computando à presidente Dilma toda a carga negativa por eles, ou seja, como se a corrupção fosse culpa não apenas de membros de seu governo, mas, dela própria. Óbvio, isso é um absurdo. No entanto, é assim que o populacho faz certas leituras de fatos políticos. Do tipo: “Jesus ou Barrabás”, na célebre votação encaminhada por Pôncio Pilatos, embora sem querer (nem dever) comparações. O povo fez uma leitura fora de ordem e de lógica: o bandido Barrabás foi absolvido e solto; Jesus foi para os açoites cruéis, para a coroa de espinhos, para a morte na cruz.
Por isso, não se pode estranhar os números das pesquisas, desfavoráveis à presidente Dilma e seu governo. O povo acha que a responsabilidade é sua. Ora, apesar da tolerância à corrupção havida nos governos anteriores, em nome sempre da governabilidade, esse vistoso biombo de indignidades inconfessáveis. Dilma está certa e continua a sua faina contra os corruptos, embora pague um preço por isso. O alarme dos tantos ratos que infestam a máquina estatal e, malgré tout, também, se aboletam em gabinetes das duas casas do Congresso Nacional, não devem ser suficientes para deter a mão firme da presidente Dilma. Afinal, como qualquer boa dona de casa, ele deve querer a casa limpa. E haja faxina.
* Paulo Linhares é doutor em Direito pela UFPE e Professor da UERN.
O PREÇO DA FAXINA
Paulo Afonso Linhares
A presidente Dilma Rousseff surpreendeu a maioria dos analistas políticos com os enormes índices de popularidade, segundo aferição de diversos institutos de pesquisa, algo bem difícil de ser alcançado por um presidente em início de governo. Aliás, ela apresentou índices superiores aos que teve o presidente Lula – talvez o chefe de Estado brasileiro melhor avaliado em sondagem da opinião pública que se tem notícia – no mesmo período de governo. Todavia, recentemente o governo Dilma foi avaliado pelo Ibope a mando do próprio governo e o resultado foi desestimulante em razão da queda de sua popularidade e da própria presidente, em todos os níveis, numa média de seis (6) pontos percentuais.
As pessoas ficaram atônitas. Ora, depois da enorme e corajosa “faxina” que a presidente Dilma está a fazer em seu governo, cortando pela raiz as traquinagens que têm aprontado os seus aliados políticos, a começar pelos republicanos comandados pelo senador e até então ministro Alfredo
Nascimento (PR-AM) encarapitados no poderoso Ministério dos Transportes e, sobretudo, no Dnit, autarquia a ele vinculada e que detém um dos maiores orçamentos da União Federal, isso depois de ter defenestrado da Casa Civil o ministro Antônio Palocci, sob uma avalanche de acusação de favorecimento indevido e advocacia administrativa, embora ela tenha deixado que o governo sangrasse por um tempo mais do que razoável. Mais recentemente a insubordinação e grosseria do ministro Nelson Jobim, da Defesa, que agrediu gratuitamente a própria presidente (dizendo à imprensa que não votara nela em 2010, mas, em José Serra ), além de outras colegas de ministério, foi respondida com a demissão sumária.
Enfim, neste sentido as atitudes da presidente Dilma foram positivas e que indicam uso das regras de governança, aqui entendida simples e genericamente como a arte do bom governo. Claro, os aliados atingidos pela cimitarra vingadora da presidente Dilma começaram a chiar, a exemplo do discurso que o senador Alfredo Nascimento proferiu no Senado Federal depois de afastado do governo, cuja tônica foi uma torrente de acusações de ter sido abandonado pela antiga chefa. Para ele e outros conhecedores da cena política atual, os atos de Dilma poderiam comprometer a chamada “governabilidade”, com a perda de importantes aliados políticos do governo. Ora, Dilma nada poderia fazer para salvar quase três dezenas de ocupantes de cargos importantes no Ministério dos Transportes/Dnit, inclusive Nascimento, diante das graves acusações de corrupção divulgadas na mídia. Assim, era impossível esperar dela uma atitude que não fosse de mandar apurar tudo e mais: afastar dos cargos as pessoas que têm sido alvos dessas acusações.
A vassoura presidencial tem continuado a atuar. Desta feita voltou-se para os ministérios da Agricultura e do Turismo, com a prisão de várias exercentes de postos chaves nessas rapartições, dessa feita com comprometimento do PMDB, PTB e do próprio PT. No entanto, com tantos casos de corrupção vindos à baila, a opinião pública nacional fez uma leitura enviezada desses episódios, computando à presidente Dilma toda a carga negativa por eles, ou seja, como se a corrupção fosse culpa não apenas de membros de seu governo, mas, dela própria. Óbvio, isso é um absurdo. No entanto, é assim que o populacho faz certas leituras de fatos políticos. Do tipo: “Jesus ou Barrabás”, na célebre votação encaminhada por Pôncio Pilatos, embora sem querer (nem dever) comparações. O povo fez uma leitura fora de ordem e de lógica: o bandido Barrabás foi absolvido e solto; Jesus foi para os açoites cruéis, para a coroa de espinhos, para a morte na cruz.
Por isso, não se pode estranhar os números das pesquisas, desfavoráveis à presidente Dilma e seu governo. O povo acha que a responsabilidade é sua. Ora, apesar da tolerância à corrupção havida nos governos anteriores, em nome sempre da governabilidade, esse vistoso biombo de indignidades inconfessáveis. Dilma está certa e continua a sua faina contra os corruptos, embora pague um preço por isso. O alarme dos tantos ratos que infestam a máquina estatal e, malgré tout, também, se aboletam em gabinetes das duas casas do Congresso Nacional, não devem ser suficientes para deter a mão firme da presidente Dilma. Afinal, como qualquer boa dona de casa, ele deve querer a casa limpa. E haja faxina.
* Paulo Linhares é doutor em Direito pela UFPE e Professor da UERN.
quarta-feira, 10 de agosto de 2011
Música para alegrar a alma
Ligue o som do computador, apague as luzes e sinta a música. Respire pausadamente e viaje no pensamento. Esses momentos são únicos. Você precisa se presentear com eles, de vez em quando. Você merece! Tudo de bom para você nesta quarta-feira.
Multiculturalismo: uma indicação de leitura de Cynthia Hamilim
Cynthia Hamlim, professora de sociologia da UFPE é, como dizia os meus alunso há alguns anos, uma Jedi (ué, por que só Cavaleiros Jedis?) da sociologia brasileira. Atenada com o que ocorre no campo (Bourdieu, assim como Freud, Balzac e Charles Dickens, há tempos atrás, faz parte da "atmosfera" de nosso tempo, não é?) e com os acontecimentos adjacentes.
Bueno, pois ela me honra com a sua visita neste espaço. Fico envaidecido, mas morto de vergonha. Coisa de caboclo, vocês sabem, não é? A gente faz tudo para ser reconhecido, mas, quando isso ocorre, fica querendo se enterrar no chão. Eita!
Bom. Mas o post não é sobre multiculturalismo, oxente? Peraí, muito calma. É o seguinte: a nosa Jedi fez um comentário sobre postagem anterior na qual eu linkava um texto provocativo do jornalista Alon Feuerwerker (este também um Jedi, só que do jornalismo). No seu comentário, ela fez menção a um texto publicado no site da AL JAZEERA. Acho que capturei o dito cujo e coloca aí para vocês darem uma espiada. Vale a pena a leitura!
Norway: Muslims and metaphors
After the Norway attacks, as after many others, Muslims were the first to be blamed.
Hamid Dabashi*
The frightful mass murder in Norway on July 22, 2011 and the instant, knee-jerk reaction of a number of leading European and American news organisations - including the BBC, The Financial Times, The New York Times, The Wall Street Journal, the Washington Post and a wide range of television and radio stations, website, blogs, etc. - to assume and in fact globally to publicise their assumption that the heinous crime was perpetrated by Muslim terrorists (before a single fact was officially known or announced about the suspect or suspects) has once again invoked the largely repressed memories of the Oklahoma Bombing of 1995, in which yet another white, blonde, terrorist had gone on a rampage murdering hundreds of people and injuring even more and terrorising an entire nation - and when again the same racist disposition went on a rampage accusing Muslims before the terrorist turned out to be a blue-blooded, blonde, Christian fundamentalist, American named Timothy James McVeigh. I still remember my Columbia University "colleague" (a white, Anglo-Saxon male) who accosted me on our campus on my way from my class to my office on that dreadful Wednesday, April 19, 1995, telling me that a massive terrorist attack had been perpetrated in Oklahoma and that "three Iranian suspects" had been arrested in the airport in connection with it - and he then just stared at me waiting for my baffled look to jell into embarrassment and shame. It did not.
The two identical reactions in span of some sixteen years that bracket the events of 9/11, one before and the other after it, has once again widely exposed the politically motivated racism operative, not just in the mass media, but in fact at the heart of the societies this media represents. Now that the dust of the early frenzy of the Norway massacre has settled, the suspect has been arrested, identified as a blonde, blue eye, Norwegian named Anders Behring Breivik, and he has officially confessed to his crime, and now that we know he is a man with a sustained record of hating the Left and Muslims (the Left for allowing, in his estimation, Muslims to come to Europe and the United States and thus pollute his race, and Muslims just for being Muslim), we need to attend to this enduring disease at the root of that knee-jerk reaction and finally ask why is it that every time there is a ghastly crime of this magnitude perpetrated in Western Europe or North America the gut and knee-jerk reaction of these societies, as evident in and perpetuated by their mass media, is to suspect a Muslim.
The question is not easy, but the answer is. This time around, we are fortunately no longer at the mercy of these ghastly news organisations to do their bigotry apace, frighten our communities out of their wits, and then once they are caught red-handed with their horrid racism just write a cursory "correction" and think it done with. This time around the miracle of the New Media - from Al Jazeera and Jadaliyya to countless blogs, Facebook pages, YouTube clips, tweeters, etc - has made it possible to grab these white supremacist racists by the throat of their conceited mendacity and force them to look at their ugly faces. The age of European colonial hubris and American imperial arrogance is over. This is the season of the Arab Spring. We talk back. This gang of badly educated, monolingual, provincial goons who masquerade as responsible journalists and is quick to assume the posture of a respectable institution, and who even congratulate themselves to be the paper of record and keep giving themselves the Pulitzer Prize, and who have for generations intimidated our parents and children will never, should never, be left off the hook this time around. They have frightened our parental generation into silence. We will not allow them to send our children to school yet again frightened by their names and their parental faith and by who and what they are. They have terrorised us enough. It is time to get even and theorise them.
Muslims and the Left
Consider the following titles: Unholy Alliance: Radical Islam And The American Left (2004) by David Horowitz, The Enemy At Home: The Cultural Left and Its Responsibility for 9/11 (2007) by Dinesh D'Souza, The Grand Jihad: How Islam and the Left Sabotage America (2010) by Andrew C. McCarthy. The list is long, almost interminable, ad nauseum, if you were to hold your nose and look it up in the Internet, on Amazon, on websites that pop up like unseemly mushrooms, or else just visit your local bookstore anywhere in North America or Western Europe. They are usually on the bestseller's desk. Phrases fulminate: "the modern left and Islamic fascism", "unholy alliance of Islam and leftists", "exposing liberal lies: the odd marriage between Islam and the Left". It is quite an industry: Books, articles, websites, blogs, tweeters, think tanks, white supremacists, native informers, comprador intellectuals, terrorist experts, entrenched Zionists, neoconservatives for hire. The message is simple: The Left and the Islamists have come together to destroy the Western civilisation, beginning with its first and final defense line, the good state of Israel. One of the grandest charlatans among them published a book he called The Professors: The 101 Most Dangerous Academics in America (2006) - I am one of them - in which he lists the leading American academics who are either characterised as Left or else profiled as Muslim.
This "Left" is a generic term, a sponge-word. It includes feminists, gay activists and scholars, as well as activists and scholars in the fields of African-American studies, Race and Ethnic Studies, whatever it is that the white masculinist imagination wishes to mean by "multiculturalism" - all the undesirable elements, to be short, populating the nightmare of those authors who write those books, the publishers who publish them, the people who actualy pay money and buy and read these books. If you were to see Zach Snyder's movie "300" (2007) all those creatures you see populating Xerxes' army, well, they are the visual summation of "Muslims and the Left".
Look at just one of these bestselling authors - this person called Dinesh D'Souza. Look at the title of some of his books: What's So Great About Christianity; What's So Great About America; Ronald Reagan: How An Ordinary Man Became an Extraordinary Leader; Life After Death: The Evidence. The man has one simple idea: America and Christianity are the greatest things that ever happened to humanity - and everything else - the Left and Islam in particular - are the darkest evils that ever were, categorically condemned to hell unless like him they see the light, join his church, and be saved. This man used to be in the company of like-minded people at the Hoover Institute in California that evidently has a whole collection of these sorts of antics. He is now the president of a whole college for himself, responsible for the education of an entire generation of students.
Writer Dinesh D'Souza
Look at those titles and ask yourself: Is this Dinesh D'Souza person for real, is he a used-car salesman - or does he really believe in what he writes. Should we call him delusional, wanting in his mental make-up, or should we consider the possibility of career opportunism - that the man realises that the nonsense he says actually sells. He is a Christian fundamentalist warmonger who hates gays, hates Muslims, hates feminists, hates the Left, he in fact hates anything and everything that is non-Christians, as he understands Christianity, but he loves an abstraction he calls "America", which to him is a white America - but, and there is the rub, he is not white. What sort of a mental case is that? The man is a dark-skin Indian. But he sees himself as a white warrior of Greek mythology in Zach Snyder's movie. Muslims and the Left, gays and blacks, feminists and multiculturalists - these are the creatures he sees in front of him, his nightmares. But he is not alone. He is a New York Times "bestseller", as they say. People buy what he sells in America - and thus prominent editors seek him out, offer him lucrative contracts, publish him with pomp and ceremony, and countless numbers of his books are sold, read, discussed, reviewed in print and electronic media, on the basis of which he then gets invitations to give public lectures, interviews, etc. The cycle is self-perpetuating, endless, implicating an entire industry, not just a person and his own perhaps outlandish, perhaps plausible to those who buy these sorts of, ideas.
Vintage D'Souza: "The cultural left in this country [USA] is responsible for causing 9/11 ... the cultural left and its allies in Congress, the media, Hollywood, the non-profit sector and the universities are the primary cause of the volcano of anger toward America that is erupting from the Islamic world." Cultural left and Islam: put together, with their allies in government, media ... responsible for an act of terrorism. Does that ring a Norwegian bell? Before an insanity plea on behalf of Anders Behring Breivik is entered and accepted, which seems to be his lawyer's, Mr. Geir Lippestad's, assertion, the office of the Norwegian Attorney General may want to take a look at these sorts of books, their authors, publishers, audiences, readerships. There is an entire industry catering to precisely the sort of "insanity" with which the Norwegian mass murderer is afflicted - an industry that banks on people fusing the Left and Muslim and see the result as the supreme metaphor of menace to civilised life.
The larger picture
The history of American slang is filled with racial slurs that reflect the condescending contempt towards people at the receiving end of North American military invasions and/or conquests: Commie, Brownie, Buffie, Camel Jockey, Chinaman, Chinky, Coolie, Darkie, Gooky, etc. - and soon after the US-led invasion of Iraq, "Haji", referring to any Iraqi or Arab in or out of sight of American GIs. These are derogatory terms of condescension and disdain used to distance and denigrate the person they were fighting, subjugating, conquering. These are dehumanising terms - terms that turn "the enemy" into a "thing" before he is dispensed with - with a clear conscience.
Since the 1950's and the McCarthyite witch-hunt, "the Left" has been made into the nightmare of America by "the Right". "The Left" is a Fifth Column, the enemy within. If the Soviet Union was the enemy without, the Left was the enemy within, the entity that wanted to sabotage the system to further the cause of the enemy without - the same way that the early Catholics were accused of being more loyal to the Pope in Rome than to the American constitution - and the same way that now Muslims are considered the enemy within, the enemy that has come into the heart of the empire, threatening it from within, on behalf of the Muslims around the world. There is a siege mentality here. "The West," people ranging from Bernard Lewis to Niall Ferguson have been saying to their lucrative market, is threatened by these Muslims invading the heart of their empire. Looking for that enemy within is straight out of the trope of a witch-hunt. Arthur Miller in "The Crucible" (1953) went all the way back to the Salem, Massachusetts witch-hunt of 1692 to diagnose the pathological fear that had engulfed Americans in the 1950s during the so-called "Red Scare": the First (1919-1920) and the Second (1947-1957) Red Scare. Today the identification of the Left with the Muslim - the way we see it articulated from bestselling American authors to the Norwegian mass murderer Anders Behring Breivik - is straight out of the genre of witch-hunt, from Salem, Massachusetts in 1692 to Oklahoma Bombing of 1995, to the list of Neoconservative and Zionist bestsellers.
What Dinesh D'Souza and a whole platoon of less talented but more pestiferous crowd of old and new conservatives he represents have been doing over the last few decades in the United States is to help transfuse the fear and loathing of the Left onto the fear and loathing of Muslims - and they have succeeded. This transmutation of the Left and the Muslims into each other is a very recent development that dates back to before the horrid events of 9/11, and began in earnest soon after the Hostage Crisis of 1979-1980, and is predicated on a simple mental translation of the McCarthy period suspicion and hatred of the Left onto Muslims. A key contributing factor here is of course the Israeli propaganda machinery that has succeeded in persuading Americans that (facts be damned) all Palestinians are Muslims, Muslims are terrorists, and thus Israel is really fighting for Americans in the frontline of defense against barbarity. That in his "Clash of Civilisations" thesis, Samuel Huntington, a chief theorist of American imperialism, perceived of Islam, as the civilisational enemy number one of "the West" is a key summit point in this transmutation. The practice is straight out of German Nazi political philosopher Karl Schmitt (1888-1985) - without an enemy there is no concept of the political. The very concept of the political is predicated on the existence (fabrication) of an enemy.
A combined hatred of the Left and of Muslims (being a Black radical Muslim gay is really the full Sunday Best regalia here) informs a wide range of public commentary in the United States that goes far beyond Dinesh D'Souza and Samuel Huntington and has employed a whole regiment of less intellectually gifted but nevertheless quite verbose characters. These two neo-conservative icons are just symptomatic of a much more widely-spread syndrome.
* Hamid Dabashi is Hagop Kevorkian Professor of Iranian Studies and Comparative Literature at Columbia University in New York. He is the author, most recently, of Shi’ism: A Religion of Protest (Harvard University Press, 2011).
Bueno, pois ela me honra com a sua visita neste espaço. Fico envaidecido, mas morto de vergonha. Coisa de caboclo, vocês sabem, não é? A gente faz tudo para ser reconhecido, mas, quando isso ocorre, fica querendo se enterrar no chão. Eita!
Bom. Mas o post não é sobre multiculturalismo, oxente? Peraí, muito calma. É o seguinte: a nosa Jedi fez um comentário sobre postagem anterior na qual eu linkava um texto provocativo do jornalista Alon Feuerwerker (este também um Jedi, só que do jornalismo). No seu comentário, ela fez menção a um texto publicado no site da AL JAZEERA. Acho que capturei o dito cujo e coloca aí para vocês darem uma espiada. Vale a pena a leitura!
Norway: Muslims and metaphors
After the Norway attacks, as after many others, Muslims were the first to be blamed.
Hamid Dabashi*
The frightful mass murder in Norway on July 22, 2011 and the instant, knee-jerk reaction of a number of leading European and American news organisations - including the BBC, The Financial Times, The New York Times, The Wall Street Journal, the Washington Post and a wide range of television and radio stations, website, blogs, etc. - to assume and in fact globally to publicise their assumption that the heinous crime was perpetrated by Muslim terrorists (before a single fact was officially known or announced about the suspect or suspects) has once again invoked the largely repressed memories of the Oklahoma Bombing of 1995, in which yet another white, blonde, terrorist had gone on a rampage murdering hundreds of people and injuring even more and terrorising an entire nation - and when again the same racist disposition went on a rampage accusing Muslims before the terrorist turned out to be a blue-blooded, blonde, Christian fundamentalist, American named Timothy James McVeigh. I still remember my Columbia University "colleague" (a white, Anglo-Saxon male) who accosted me on our campus on my way from my class to my office on that dreadful Wednesday, April 19, 1995, telling me that a massive terrorist attack had been perpetrated in Oklahoma and that "three Iranian suspects" had been arrested in the airport in connection with it - and he then just stared at me waiting for my baffled look to jell into embarrassment and shame. It did not.
The two identical reactions in span of some sixteen years that bracket the events of 9/11, one before and the other after it, has once again widely exposed the politically motivated racism operative, not just in the mass media, but in fact at the heart of the societies this media represents. Now that the dust of the early frenzy of the Norway massacre has settled, the suspect has been arrested, identified as a blonde, blue eye, Norwegian named Anders Behring Breivik, and he has officially confessed to his crime, and now that we know he is a man with a sustained record of hating the Left and Muslims (the Left for allowing, in his estimation, Muslims to come to Europe and the United States and thus pollute his race, and Muslims just for being Muslim), we need to attend to this enduring disease at the root of that knee-jerk reaction and finally ask why is it that every time there is a ghastly crime of this magnitude perpetrated in Western Europe or North America the gut and knee-jerk reaction of these societies, as evident in and perpetuated by their mass media, is to suspect a Muslim.
The question is not easy, but the answer is. This time around, we are fortunately no longer at the mercy of these ghastly news organisations to do their bigotry apace, frighten our communities out of their wits, and then once they are caught red-handed with their horrid racism just write a cursory "correction" and think it done with. This time around the miracle of the New Media - from Al Jazeera and Jadaliyya to countless blogs, Facebook pages, YouTube clips, tweeters, etc - has made it possible to grab these white supremacist racists by the throat of their conceited mendacity and force them to look at their ugly faces. The age of European colonial hubris and American imperial arrogance is over. This is the season of the Arab Spring. We talk back. This gang of badly educated, monolingual, provincial goons who masquerade as responsible journalists and is quick to assume the posture of a respectable institution, and who even congratulate themselves to be the paper of record and keep giving themselves the Pulitzer Prize, and who have for generations intimidated our parents and children will never, should never, be left off the hook this time around. They have frightened our parental generation into silence. We will not allow them to send our children to school yet again frightened by their names and their parental faith and by who and what they are. They have terrorised us enough. It is time to get even and theorise them.
Muslims and the Left
Consider the following titles: Unholy Alliance: Radical Islam And The American Left (2004) by David Horowitz, The Enemy At Home: The Cultural Left and Its Responsibility for 9/11 (2007) by Dinesh D'Souza, The Grand Jihad: How Islam and the Left Sabotage America (2010) by Andrew C. McCarthy. The list is long, almost interminable, ad nauseum, if you were to hold your nose and look it up in the Internet, on Amazon, on websites that pop up like unseemly mushrooms, or else just visit your local bookstore anywhere in North America or Western Europe. They are usually on the bestseller's desk. Phrases fulminate: "the modern left and Islamic fascism", "unholy alliance of Islam and leftists", "exposing liberal lies: the odd marriage between Islam and the Left". It is quite an industry: Books, articles, websites, blogs, tweeters, think tanks, white supremacists, native informers, comprador intellectuals, terrorist experts, entrenched Zionists, neoconservatives for hire. The message is simple: The Left and the Islamists have come together to destroy the Western civilisation, beginning with its first and final defense line, the good state of Israel. One of the grandest charlatans among them published a book he called The Professors: The 101 Most Dangerous Academics in America (2006) - I am one of them - in which he lists the leading American academics who are either characterised as Left or else profiled as Muslim.
This "Left" is a generic term, a sponge-word. It includes feminists, gay activists and scholars, as well as activists and scholars in the fields of African-American studies, Race and Ethnic Studies, whatever it is that the white masculinist imagination wishes to mean by "multiculturalism" - all the undesirable elements, to be short, populating the nightmare of those authors who write those books, the publishers who publish them, the people who actualy pay money and buy and read these books. If you were to see Zach Snyder's movie "300" (2007) all those creatures you see populating Xerxes' army, well, they are the visual summation of "Muslims and the Left".
Look at just one of these bestselling authors - this person called Dinesh D'Souza. Look at the title of some of his books: What's So Great About Christianity; What's So Great About America; Ronald Reagan: How An Ordinary Man Became an Extraordinary Leader; Life After Death: The Evidence. The man has one simple idea: America and Christianity are the greatest things that ever happened to humanity - and everything else - the Left and Islam in particular - are the darkest evils that ever were, categorically condemned to hell unless like him they see the light, join his church, and be saved. This man used to be in the company of like-minded people at the Hoover Institute in California that evidently has a whole collection of these sorts of antics. He is now the president of a whole college for himself, responsible for the education of an entire generation of students.
Writer Dinesh D'Souza
Look at those titles and ask yourself: Is this Dinesh D'Souza person for real, is he a used-car salesman - or does he really believe in what he writes. Should we call him delusional, wanting in his mental make-up, or should we consider the possibility of career opportunism - that the man realises that the nonsense he says actually sells. He is a Christian fundamentalist warmonger who hates gays, hates Muslims, hates feminists, hates the Left, he in fact hates anything and everything that is non-Christians, as he understands Christianity, but he loves an abstraction he calls "America", which to him is a white America - but, and there is the rub, he is not white. What sort of a mental case is that? The man is a dark-skin Indian. But he sees himself as a white warrior of Greek mythology in Zach Snyder's movie. Muslims and the Left, gays and blacks, feminists and multiculturalists - these are the creatures he sees in front of him, his nightmares. But he is not alone. He is a New York Times "bestseller", as they say. People buy what he sells in America - and thus prominent editors seek him out, offer him lucrative contracts, publish him with pomp and ceremony, and countless numbers of his books are sold, read, discussed, reviewed in print and electronic media, on the basis of which he then gets invitations to give public lectures, interviews, etc. The cycle is self-perpetuating, endless, implicating an entire industry, not just a person and his own perhaps outlandish, perhaps plausible to those who buy these sorts of, ideas.
Vintage D'Souza: "The cultural left in this country [USA] is responsible for causing 9/11 ... the cultural left and its allies in Congress, the media, Hollywood, the non-profit sector and the universities are the primary cause of the volcano of anger toward America that is erupting from the Islamic world." Cultural left and Islam: put together, with their allies in government, media ... responsible for an act of terrorism. Does that ring a Norwegian bell? Before an insanity plea on behalf of Anders Behring Breivik is entered and accepted, which seems to be his lawyer's, Mr. Geir Lippestad's, assertion, the office of the Norwegian Attorney General may want to take a look at these sorts of books, their authors, publishers, audiences, readerships. There is an entire industry catering to precisely the sort of "insanity" with which the Norwegian mass murderer is afflicted - an industry that banks on people fusing the Left and Muslim and see the result as the supreme metaphor of menace to civilised life.
The larger picture
The history of American slang is filled with racial slurs that reflect the condescending contempt towards people at the receiving end of North American military invasions and/or conquests: Commie, Brownie, Buffie, Camel Jockey, Chinaman, Chinky, Coolie, Darkie, Gooky, etc. - and soon after the US-led invasion of Iraq, "Haji", referring to any Iraqi or Arab in or out of sight of American GIs. These are derogatory terms of condescension and disdain used to distance and denigrate the person they were fighting, subjugating, conquering. These are dehumanising terms - terms that turn "the enemy" into a "thing" before he is dispensed with - with a clear conscience.
Since the 1950's and the McCarthyite witch-hunt, "the Left" has been made into the nightmare of America by "the Right". "The Left" is a Fifth Column, the enemy within. If the Soviet Union was the enemy without, the Left was the enemy within, the entity that wanted to sabotage the system to further the cause of the enemy without - the same way that the early Catholics were accused of being more loyal to the Pope in Rome than to the American constitution - and the same way that now Muslims are considered the enemy within, the enemy that has come into the heart of the empire, threatening it from within, on behalf of the Muslims around the world. There is a siege mentality here. "The West," people ranging from Bernard Lewis to Niall Ferguson have been saying to their lucrative market, is threatened by these Muslims invading the heart of their empire. Looking for that enemy within is straight out of the trope of a witch-hunt. Arthur Miller in "The Crucible" (1953) went all the way back to the Salem, Massachusetts witch-hunt of 1692 to diagnose the pathological fear that had engulfed Americans in the 1950s during the so-called "Red Scare": the First (1919-1920) and the Second (1947-1957) Red Scare. Today the identification of the Left with the Muslim - the way we see it articulated from bestselling American authors to the Norwegian mass murderer Anders Behring Breivik - is straight out of the genre of witch-hunt, from Salem, Massachusetts in 1692 to Oklahoma Bombing of 1995, to the list of Neoconservative and Zionist bestsellers.
What Dinesh D'Souza and a whole platoon of less talented but more pestiferous crowd of old and new conservatives he represents have been doing over the last few decades in the United States is to help transfuse the fear and loathing of the Left onto the fear and loathing of Muslims - and they have succeeded. This transmutation of the Left and the Muslims into each other is a very recent development that dates back to before the horrid events of 9/11, and began in earnest soon after the Hostage Crisis of 1979-1980, and is predicated on a simple mental translation of the McCarthy period suspicion and hatred of the Left onto Muslims. A key contributing factor here is of course the Israeli propaganda machinery that has succeeded in persuading Americans that (facts be damned) all Palestinians are Muslims, Muslims are terrorists, and thus Israel is really fighting for Americans in the frontline of defense against barbarity. That in his "Clash of Civilisations" thesis, Samuel Huntington, a chief theorist of American imperialism, perceived of Islam, as the civilisational enemy number one of "the West" is a key summit point in this transmutation. The practice is straight out of German Nazi political philosopher Karl Schmitt (1888-1985) - without an enemy there is no concept of the political. The very concept of the political is predicated on the existence (fabrication) of an enemy.
A combined hatred of the Left and of Muslims (being a Black radical Muslim gay is really the full Sunday Best regalia here) informs a wide range of public commentary in the United States that goes far beyond Dinesh D'Souza and Samuel Huntington and has employed a whole regiment of less intellectually gifted but nevertheless quite verbose characters. These two neo-conservative icons are just symptomatic of a much more widely-spread syndrome.
* Hamid Dabashi is Hagop Kevorkian Professor of Iranian Studies and Comparative Literature at Columbia University in New York. He is the author, most recently, of Shi’ism: A Religion of Protest (Harvard University Press, 2011).
terça-feira, 9 de agosto de 2011
Multiculturalismo, uma farsa intelectual?
Confira aqui uma provocativa análise a respeito da tragedia da Noruega, formulada pelo jornalista Alon Feuerwerker.
segunda-feira, 8 de agosto de 2011
Há tanta beleza na arte...
Sim, há tanta beleza na arte que a alma, não raro, embotada pelo cinzento do cotidiano e pela mediocridade de quem mais joga prá baixo do que erige algo de bom, exulta feliz quando a percebe/encontra no caminho. Há vida, sim, gritamos nesses momentos.
É possível uma arte amiga da vida. Em Lisboa, nestes dias, ocorre o FESTIVAL DOS OCEANOS. Formas distintas de linguagem (da palavra ao ato de dançar) tematizam esses espaços vitais para a nossa espécie. Dê uma conferida no vídeo abaixo e deixe a arte adoçar a sua tarde.
É possível uma arte amiga da vida. Em Lisboa, nestes dias, ocorre o FESTIVAL DOS OCEANOS. Formas distintas de linguagem (da palavra ao ato de dançar) tematizam esses espaços vitais para a nossa espécie. Dê uma conferida no vídeo abaixo e deixe a arte adoçar a sua tarde.
Uma revista acadêmica para quem gosta da boa leitura
Já está na rede o novo número da revista Mneme, editada por professores do Ceres. Na cabine de comando, pelo que me foi possível constatar, encontra-se o multifacetado Professor Muyrakitan, um cara que sabe fazer as coisas e que não precisa fazer alarde da sua competência. Esta é evidente.
Bueno, pois não é que a revista traz uma penca de artigos de muito boa qualidade nesta edição? O primeiro artigo tem a autoria de Luiz Mott e intitula-se "Feiticeiros de Angola na inquisição". Bom prá caramba! Destaco ainda o texto "O campo religioso em Belém do Pará: Reflexões sobre o evento fundador da Assembléia de Deus no Brasil", de Maxwell Pinheiro Fajardo.
Acesse a revista e confira! Clique aqui.
Bueno, pois não é que a revista traz uma penca de artigos de muito boa qualidade nesta edição? O primeiro artigo tem a autoria de Luiz Mott e intitula-se "Feiticeiros de Angola na inquisição". Bom prá caramba! Destaco ainda o texto "O campo religioso em Belém do Pará: Reflexões sobre o evento fundador da Assembléia de Deus no Brasil", de Maxwell Pinheiro Fajardo.
Acesse a revista e confira! Clique aqui.
domingo, 7 de agosto de 2011
Congresso, eleições, Dilma e muito mais sobre a conjuntura: Fernando Limongi coloca as coisas no seu devido lugar
O jornal VALOR ECONÔMICO e a revista PIAUÍ são as melhores publicações da imprensa brasileira na atualidade. É uma pena que, aqui em Natal, só encontremos as edições de final de semana do excelente jornal. Pois bem, na edição que está circulando, você encontrará, além de ótimas matérias sobre economia, uma entrevista com um dos mais criativos cientistas políticas brasileiros, o Professor Fernando Limongi (USP). Nela, análises provocativas e bem formuladas sobre coalizão, disputa política, base aliada e muitos outros temas do momento. Confira abaixo!.
Sem exemplos a seguir
Autor(es): Maria Cristina Fernandes De São Paulo
Valor Econômico - 05/08/2011
No tempo em que se dizia que o país precisava de reforma política para se tornar governável, Fernando Limongi publicou o livro definitivo - "Executivo e Legislativo na Nova Ordem Constitucional" (1999) - mostrando voto a voto que o Executivo não tinha embaraços em formar maioria. Quando o debate passou a ser dominado pela fisiologia paralisante das comissões de Orçamento, novo livro, também em parceria com Argelina Figueiredo - "Política Orçamentária no Presidencialismo de Coalizão" (2008) - mostrava que as emendas comprometem migalhas do investimento e que, ao rifá-las da lei orçamentária, se arriscava a empobrecer a representação.
Aos 53 anos, professor titular de ciência política da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), que presidiu de 2001 a 2005, Limongi continua incomodado. Não aceita a tese de que a amplitude da base aliada é a raiz dos problemas da presidente Dilma Rousseff nem que seu governo começa sob mais turbulência que os precedentes.
Em entrevista ao Valor, afirma que a maior novidade da conjuntura política brasileira é a unidade do PMDB, mas ainda se confessa aturdido pela tendência de fragmentação do quadro partidário que acreditava estar em processo de reversão.
Diz que a crise política por que passa o governo Barack Obama revela uma crise decisória no sistema político americano que não deveria servir de inspiração para nenhuma das democracias emergentes. E lança uma provocação aos compatriotas que não conseguem enxergar nenhum outro país mais corrupto que o Brasil: "Não há como medir a corrupção. Todos os indicadores são baseados em percepção que é um nome bonito para "pré-conceito". É possível obter uma correlação quase perfeita entre índices desse tipo e pigmentação da pele. Os países africanos em geral aparecem como os mais corruptos e os escandinavos como os menos".
A seguir, a entrevista:
Valor: O governo Dilma Rousseff mal começou e já trocou dois ministros. Aliados se dizem apreensivos com seu estilo. Teme-se que colha troco lá na frente. Dilma corre o risco de se inviabilizar?
Fernando Limongi: Se você acompanha o início do [Fernando] Collor, do Fernando Henrique e do [Luiz Inácio] Lula [da Silva], todos começaram com um rearranjo muito profundo das bases. Collor superestimou seu poder e precisou reformular o ministério. FHC começou com um governo majoritário para aprovar legislação ordinária, mas minoritário para reforma constitucional. Para passar a reforma da Previdência, chamou o PP e rearrumou a coalizão. Lula também começou minoritário. Na primeira fase o [ex] PFL e o PSDB cooperaram, depois ele também refez o ministério.
Valor: A base excessivamente heterogênea do governo não é fonte permanente de tensão?
Limongi: O que ocorreu com o [Antonio] Palocci também ocorreu no governo FHC, que teve uma crise no caso de escuta telefônica na Casa Civil [conversa grampeada entre o embaixador Júlio Cesar dos Santos e o representante da Raytheon, empresa que disputava o Sivam, levou à queda do chefe de gabinete do presidente, Xico Graziano]. Esse tipo de problema sempre acontece. Os governos sempre custam a engrenar e a encontrar seu ponto de equilíbrio. Dilma, por ter maior continuidade com Lula - com o fim do governo, não com seu início -, parecia que não ia ter esse problema de ajuste, mas é sempre difícil botar a coisa pra funcionar. O governo começa, tenta achar o prumo e encaixar as peças. É o contrário da ideia da lua de mel, do período de graça. Só com o início de governo é possível saber se as pessoas combinam com os cargos e as lideranças são de fato exercidas. Lula só foi achar o prumo quando Dilma subiu para a Casa Civil e botou a máquina para andar. Até lá, a visão era toda negativa porque a coisa não funcionava. Tinha-se grande expectativa de que [José] Dirceu ia ser o condutor, mas ele se mostrou muito aquém das expectativas. Além do mensalão, só deu problema e nunca foi o homem da máquina que se esperava.
Valor: Essa fase inicial de ajustes pode ser semelhante a outros governos, mas a base dela é mais ampla do que a de qualquer outro. São 17 partidos na base, sendo 7 representados no governo. A dificuldade de abrigar todos no primeiro escalão não é parte da explicação?
Limongi: Pode ser, mas não há evidências de que esse é o problema. Do ponto de vista das evidências, o que chama a atenção, e não se dá a devida atenção, é que o PMDB tem votado absolutamente disciplinado. Ter votado 100% unido no salário mínimo e no Código Florestal não é pouca coisa. O PMDB nunca teve essa unidade.
Valor: Qual é sua leitura dessa unidade?
Limongi: Essa unidade é politicamente construída. [Michel] Temer exerce uma liderança sobre a bancada que ninguém nunca teve. O PMDB sempre esteve em todos os governos, mas nunca com essa disciplina. Isso é disciplina de PT. O PMDB hoje tem mais cadeiras e representação nacional do que qualquer outro partido. Está jogando diferente. Se há tensão no interior da base por espaço, o PMDB vai ocupá-lo. O partido já não era pequeno no fim do governo Lula. E agora joga com unidade para aumentar seu espaço. Todo mundo falou do seu lado fisiológico ou ruralista no Código Florestal. Até pode ser que o PMDB tenha sido majoritariamente ruralista, mas e o PCdoB, que votou igual?
Limongi: É parte da estratégia política do PMDB, e não necessariamente o partido é o mal. Não existe um lado do bem e do mal, como todo mundo tende a ler. Meus filhos de cinco e oito anos podem pensar assim, mas as coisas são muito mais complexas. O Código Florestal tinha muitos lados, vi alguns debates e não conseguia saber de que lado eu estava. Ninguém, no fundo, sabia de que lado estava.
Valor: Mas o fato é que o governo foi derrotado na votação...
Limongi: Em situações semelhantes outros governos sempre foram mais ambíguos, mais coniventes e dançaram conforme a música. Dilma bateu ficha numa questão difícil. FHC e Lula sempre fugiram pela tangente nessas horas, fizeram algum acordo que diluía o embate. Lula decidia por decreto no tema. Dilma não diluiu. Talvez tenha sobre-estimado forças, não tenha querido voltar atrás, perder imagem. Ex post foi desnecessário, até porque ainda tem Senado e a negociação vai e volta.
Valor: Essa disposição de bater ficha, no limite, não pode comprometê-la com a base?
Limongi: As demissões nos Transportes vão na mesma direção, muito menos panos quentes do que normalmente se coloca nessas questões. O curioso é que quando ela compõe é porque está sendo conivente. Quando enfrenta é porque não tem jogo de cintura. O partido com o qual está brigando, o PR, teve problemas similares no governo FHC, quando ainda se chamava PL. Valdemar Costa Neto meteu-se num conflito que envolveu a Polícia Federal em Guarulhos. Saiu atirando e foi a partir daí que começou a construir a aliança com o PT. Quando o PL saiu do governo, Valdemar disse que cada um tem o porto que merece, falando que o Temer controlava o porto de Santos e ele, Guarulhos. Essa redefinição de espaços tem muito a ver com a renovação das cúpulas, que vai bater no mensalão. O PL era controlado por Álvaro Valle. Quando ele morreu, o controle passou para Valdemar. O PTB era controlado por aquele banqueiro do Paraná que foi ministro de FHC [José Eduardo de Andrade Vieira, do Bamerindus]. Aí o cara saiu e veio [Roberto] Jefferson. [Paulo] Maluf perdeu o controle do PP com a reeleição. Não se sabe como esses partidos são controlados. São extremamente centralizados e baseados em comissões provisórias. Seu eleitor votava numa direita tipo PFL, PDS ou PMDB, controlada por velhas lideranças mais acomodadas. Quando veio a transição PSDB-PT, começou a hemorragia na direita tradicional e esses partidos começaram a disputar espaço. É essa a malta que Dilma está tentando segurar em áreas com muito dinheiro, de Copa do Mundo e Olimpíada, e onde o Estado tem que se mostrar eficiente. Então decidiu enfrentar.
Valor: Sua aposta é de que, na indefinição de como se dará a relação de Dilma com esses partidos médios, o PMDB decidiu apostar cada vez mais na condição de fiador da governabilidade?
Limongi: O PMDB pode crescer muito aí. Não fiz os cálculos, mas acho que o PR é dispensável.
Valor: São 41 deputados...
Limongi: É, mas tem o bloco que o PR controla de todos os pequenos partidos de direita. Boa parte desses caras, se o governo falar "ó, ou joga direito ou tá fora", não tem muito para onde correr. O PR não controla nenhum Estado, não tem nenhuma máquina.
Valor: Dilma tem sido persistentemente questionada sobre suas condições para lidar com essa base política, ao contrário de Lula e de FHC. Sua inexperiência nesse campo não pesa?
Limongi: Na verdade, no início dos governos Lula e FHC ninguém lhes reconhecia essas qualidades. Depois ambos viraram gênios. Dizem que Dilma é inexperiente, mas FHC nunca foi um cara prático. Dona Ruth é que administrava a conta corrente dele. Lula nunca tinha administrado nada, não tinha relação com a máquina do Estado. Dilma cresceu na máquina gaúcha e foi bater na Casa Civil. Foi superbem-sucedida e subiu como um foguete. Conhece como se governa, muito mais do que conheciam FHC, Collor, Itamar ou Lula. O que é que há no governo que a ministra da Casa Civil não conheça?
Valor: O controle da corrupção passa pela redução dos cargos comissionados?
Limongi: O problema é mais complicado do que parece. Algumas dessas questões que aparecem hoje são problemas e ambiguidades presentes desde o início do governo representativo de quem deve ocupar cargos, qual é o critério para a distribuição, se deve ser a competência ou o critério partidário. Nos Estados Unidos, esse é um problema desde o conflito federalistas versus republicanos no século XIX e até hoje não se resolveu. É verdade que esses conflitos por vezes são inadministráveis. O assassino de [Abraham] Lincoln foi um cara que não recebeu o emprego que esperava. Quem deve governar? Se forem os mais competentes, então quem governa são sempre os mesmos, os mais competentes. Mas você votou num partido para exercer o governo. O que a gente chama de loteamento é o exercício do governo partidário. Se o PT nomeia todo mundo e governa mal, a gente bota o partido para fora e vota no PSDB. O PSDB põe seus homens, se não derem no couro, que venha o próximo. Na coligação governista, o partido que tem quadros é o PT, mas o caso dos Transportes mostra que alguns partidos vão construindo ramificações com o setor privado e formando "quadros" em alguns setores.
Valor: E o combate à corrupção não passa pelo corte dessas ramificações?
Limongi: A gente não tem nenhuma forma de saber se a corrupção aqui é mais alta ou mais baixa do que no resto do mundo. O problema é óbvio: como se mede corrupção? Não pode ser medida objetivamente por razões óbvias. Os indicadores normalmente usados em pesquisas comparadas são indiretos e se referem à percepção. Muitas vezes essa percepção é um nome mais bonito para "pré-conceito". Eu brinco que é possível obter uma correlação quase perfeita entre esses índices e pigmentação da pele. Os países africanos em geral aparecem como os mais corruptos e os escandinavos como os menos. Todas as indicações são de que a corrupção aqui é como em qualquer outro lugar. A Inglaterra, com esse escândalo da imprensa, mostra que quando os interesses privados chegam junto do Estado você não consegue mais distingui-los. De repente o cara está na Scotland Yard, de vez em quando ele está no jornal, ele vai na Scotland Yard... Esse é o jeito que os interesses se constroem. Não tem saída para isso. É um problema de assimetria de informações. Como é que você vai ter um setor de empreiteiras que seja verdadeiramente competitivo? Três ou quatro grandes empresas vão controlar o mercado. E quem vai contratar esses caras? No fim é o cara que era da empreiteira e foi para o Estado e de lá para o setor privado, e esses interesses acabam não se distinguindo como se gostaria.
Valor: O sr. diz que não há como medir se o Brasil é mais ou menos corrupto do que outros países. A que o sr. atribui, então, a difusão dessa convicção entre os brasileiros?
Limongi: É puro "pré-conceito". Quem acompanha política em outros lugares do mundo sabe que coisas feias acontecem em todo lugar. Uma vez fui fazer uma conferência para banqueiros na Europa. Eles queriam saber como funcionava o sistema político brasileiro. Fui lá e mostrei que funcionava bem, que tinha lógica, que a forma como eles entendiam os sistemas políticos europeus poderiam ser usadas para entender o Brasil. Daí, no debate, um senhor começou a me espinafrar, dizendo que estava cansado de ouvir que os políticos brasileiros eram confiáveis, que as coisas aqui eram OK, e quando ele abria o jornal só lia notícias desabonadoras quanto às nossas práticas políticas, que o governo brasileiro só fazia aumentar o déficit. Quando ele acabou de falar, eu estava meio nas cordas e para ganhar tempo perguntei de que país ele vinha. Ele respondeu: Itália. Não precisei responder. Só "I see" com riso meio cínico bastou.
Valor: O sr. vê alguma relação entre a perda de prerrogativas legislativas e a ocupação dos aliados em desencavar os podres da República? As MPs têm saído com mais de 50 temas, tanto que uma recebeu o nome de "árvore de Natal"...
Limongi:: Na entrevista do Temer para o Valor, ele começa falando: "Participei de um grupo que elaborou uma medida provisória. Nós ficamos estudando e todo mundo participou". Então quem fez a medida? Dilma não tem tempo para fazer isso. Quando sai uma MP, não é uma decisão unilateral do Executivo.
Valor: Pode ser uma costura partidária, mas que foge do âmbito legislativo...
Limongi: Se está saindo como "árvore de Natal" é porque todo mundo já deu "pitaco". Quando o texto começa a tramitar, não foi Deus quem o criou. Todo mundo já botou a mão. O texto não é confeccionado a portas fechadas.
Valor: Mas a oposição não participa...
Limongi: Nem é para participar. Tem a tramitação para espernear. Quando passou a reforma das MPs no governo FHC, todo mundo achou que estava fazendo uma grande coisa. E, na verdade, foi um desastre institucional. A MP tramitava no Congresso, em sessão conjunta da Câmara e do Senado. Não atrapalhava a tramitação dos demais projetos nem travava a pauta. Agora a medida passa pela Câmara, depois vai para o Senado, tem um tempo para correr, e tem que apresentar emenda aqui e lá, mas ninguém sabe como funciona. O fato é que se o Congresso quiser rejeitar uma medida porque não é pertinente à matéria em tramitação, derruba. O regimento garante. Não tem essa de nosso Legislativo estar subjugado, isso é tudo bobagem.
Valor: Num artigo polêmico, FHC disse que a política tem que ser buscada fora das instituições, nos jovens e na internet. A maior surpresa de 2010, Marina Silva, não veio desse mundo?
Limongi: Marina, de fato, surpreendeu. Mas só foi tão bem votada porque Serra e Dilma perderam votos. Lula polarizou demais no fim da campanha, chamou para a briga e tirou votos de Dilma, que, pelo desempenho da economia, teve um resultado eleitoral aquém do esperado no primeiro turno. Tanto que seguraram Lula no segundo. José Serra cresceu, mas puxando um voto que não era dele, de quem achava que, por ter religião, não podia votar em Dilma. Foi um voto que também beneficiou Marina. Teve a coisa religiosa que surpreendeu todo mundo. Marina não conseguiu segurar nem o PV. Então tem um apoio muito difuso e desorganizado para ser considerado um trunfo. Tirante o PT, nenhum partido consegue penetrar na sociedade, mas o que os petistas têm de voto é muito mais do que têm de militância e penetração. É outro modelo de partido daquele do pós-guerra, que tinha células, militância, cobrava contribuição, fazia jornal e tinha escolinha. Hoje partido não precisa disso, vai à TV. Se é isso que FHC quer dizer, realmente mudou e não apenas no Brasil. Mas não é de hoje.
Valor: A internet, então, ainda vai demorar a dar as cartas na política?
Limongi: Deve ter muita gente tentando transformar o que se passa na internet em voto. Não vai ser espontâneo. FHC é sociólogo e sabe que não há nada de espontâneo nesse mundo de meu Deus. Tem que ter coisa organizada, estruturada. Onde isso tudo junta? No modelo institucional da eleição majoritária. Por isso PT e PSDB têm vantagem. Porque polarizam as eleições e coordenam a competição. PT e PSDB saem na frente na hora de lançar candidato à Presidência. Vai ter um candidato do PSDB, um do PT e uma terceira via. Marina vai ter que correr por fora para montar uma estrutura de campanha. Não vai ter os governos estaduais do PSDB nem a estrutura de governo federal do PT. Não vai ganhar pelo Twitter, até porque as pessoas, para votarem nela, precisam saber que ela tem chance de ganhar. Uma candidatura desastrosa do PSDB poderia fazer isso. Mas o PSDB teria que pisar muito na bola. A história é cheia de partidos que dilapidam patrimônio brigando internamente. Serra já fez isso uma vez e ameaça repetir ao resistir a ceder a liderança.
Valor: Se a tendência de polarização na eleição presidencial é tão forte assim, por que não afeta a disputa pelo Congresso?
Limongi: O resultado mais intrigante dessas eleições foi o descasamento entre as eleições majoritárias e proporcionais. A eleição presidencial vertebra a disputa nos Estados, que foi totalmente casada com a presidencial. Em todo Estado teve o candidato da Dilma e do Serra. E o PMDB ora jogou com um, ora com o outro. Agora, no Congresso, os sinais de que o número de partidos estava diminuindo desapareceram. E não apenas porque PP, PDT, PTB, que eram partidos médios, caíram e se igualaram ao PR ou ao PSB. PMDB, PT e PSDB também caíram. Pode ter a ver com esse terreno pantanoso que saiu da órbita do PSDB e caiu na do PT, mas ainda não está fazendo muito sentido. O que parece de fato diferente é essa coisa de o PMDB votar unido.
Valor: Esse pacto político pela distribuição de renda, contra o qual ninguém se rebela, não é o substrato dessa fragmentação tão acentuada?
Limongi: Há uma certa indistinção entre o PT e o PSDB quanto às propostas. A gente não sabe o que o PSDB teria para fazer de diferente do PT. O discurso do Serra foi da eficiência, faço-melhor-do-que-eles-que-só-seguem-nossa-cartilha. Mas não deu certo. O PSDB não tem realmente uma agenda alternativa. O PT, enquanto na oposição, conseguia fazer uma imagem de que era diferente e tal, que depois com o mensalão se viu que não era tão diferente assim.
Valor: E como conseguem polarizar o eleitorado se não têm propostas diferentes?
Limongi: Não é fácil entender qual é a percepção que de fato os eleitores têm dos partidos, se os veem ou não como diferentes e se essas diferenças são programáticas ou de outra natureza. Para saber essas coisas é preciso fazer pesquisa de opinião, entender como os eleitores organizam a disputa partidária na cabeça. E quando a gente lê pesquisa bem feita sobre esse tipo de coisa sempre acaba se surpreendendo. O que me parece interessante é que os partidos brasileiros podem não estar organizados como estavam os da Europa do pós-guerra, mas a divisão do eleitor é forte. Todo mundo diz que brasileiro é pouco politizado. Mas é o contrário. Nessa última eleição presidencial, minha filha mudou de escola e passei a levá-la à casa das novas amiguinhas. Chegava lá e os pais me perguntavam: "Voto em tal partido, e você?" Ouvi inúmeras vezes no metrô gente falando em quem iria votar. Passei duas eleições presidenciais nos Estados Unidos sem ouvir nenhuma pessoa falar sobre eleição presidencial. E estava dentro do departamento de ciência política de uma universidade. Isso é impensável no Brasil. Todo mundo emite opinião política o tempo inteiro. E todo mundo declara suas preferências. E isso não pode se dar sem que os partidos desempenhem um papel. O voto é obrigatório, mas sempre se pode votar em branco ou nulo. E, se os partidos não fossem capazes de mobilizar eleitores, a taxa de votos brancos e nulos deveria ser muito alta. Até foram em algumas eleições, mas caíram violentamente com o voto eletrônico. É possível que votações como a de Enéas, Clodovil e Tiririca venham de eleitores que os partidos não conseguem mobilizar. Sempre há um candidato com discurso antipolítica para o qual um caminhão de eleitores converge.
Valor: Muito se especula sobre o vetor político da chamada nova classe média. Essa seria a última eleição da distribuição de renda?
Limongi: Acho que leva algumas gerações para a ascensão social virar conservadorismo. Não acredito que o cara que subiu na vida em dois anos vai ficar defendendo o dele e virar conservador. O eleitor pode ser extremamente volátil, no sentido de que, se o PT amanhã vem com uma crise econômica e esses ganhos são perdidos de um governo para o outro, o eleitor pode se bandear para a oposição. Com isso estou de acordo. Foi o que aconteceu no segundo mandato de FHC. No primeiro, ele estava com tudo, distribuiu renda e fez crescer. Veio a crise, o eleitor bandeou para o outro lado. Mas se o crescimento se mantiver não vejo esse cenário.
Valor: A última vez em que a política balançou o mercado foi na eleição de 2002. De lá para cá, entra mensalão, sai mensalão, entra PR, sai PR, e a política não abala mais a economia. Por que houve esse insulamento? Por que ninguém se arrisca a mexer no dito tripé da economia?
Limongi: Não sei se foi a política ou se foi a economia que se insulou. No fim do governo, Lula fez um certo keynesianismo e ninguém se insurgiu contra. Até porque se saíssem batendo poderiam colher rejeição eleitoral. Os políticos observam e esperam se vai dar resultado. Se der, não criticam. Na hora em que der errado, a oposição vai sair criticando e aí o PSDB vai montar seu discurso alternativo. Se a economia continuar bem até 2014, não vai haver plano alternativo. O fato é que todo mundo foi surpreendido pelas mudanças estruturais no mercado de trabalho do Brasil, muito mais significativas que a Bolsa Família. O mundo político também parece ter sido surpreendido pelas conexões do Brasil com a China, que o tornaram menos dependente dos Estados Unidos.
Valor: Se a gente olha para o Congresso americano, vê o fracasso tanto das tentativas de aprovar uma regulação mais rígida para o mercado financeiro quanto esse embate republicano com o Obama. Como é que o sr. vê a resposta da política à crise financeira?
Limongi: A má qualidade do sistema politico americano é uma coisa inacreditável. Quem fica falando que o sistema brasileiro não funciona é porque não conhece o americano. Se tem um sistema político travado, parado, incapaz de produzir decisão, é o americano. É um sistema em que a Presidência tem pouco poder efetivo, depende muito de um Congresso que é capaz de barrar e está repleto de traidores. [Paul] Krugman afirmou em artigo recente que esse limite de endividamento foi renegociado e ampliado mais de uma vez ao longo do governo Bush. Que rever e readaptar o limite à realidade não teria consequência econômica alguma. Que o ponto é pura ideologia. Que os republicanos querem nocautear o Obama. Creio que ele esteja certo. Acompanhei in loco a reforma da saúde pública. Vi e ouvi os argumentos dos republicanos. É pura ideologia. Desculpe o exagero, mas é realmente primitivo. O reacionarismo é impressionante. E já radicalizaram dessa forma no passado. Fecharam o governo Clinton ao não aprovar o Orçamento. Tomaram uma tunda depois. No que fechou o governo, a população se voltou contra os republicanos.
Valor: Foi naquele momento que Clinton conseguiu a reeleição, não foi?
Limongi: Clinton estava morto e aí eles resolveram pisar em cima e espicaçar. E aí o Clinton renasceu e foi reeleito. Então é mais ou menos a mesma situação que Obama, só que agora em proporções muito maiores. A única coisa que os republicanos querem é corte de gasto e de imposto. Estão criando um sistema inviável. Todos os dados que se tem sobre desigualdade nos Estados Unidos mostram que aumentou uma barbaridade no governo republicano porque se cortou imposto no topo e gasto para base sem se conseguir, com isso, dar impulso à economia. É um exemplo de mau funcionamento do sistema político inacreditável. Faz a gente falar "puxa, estamos numa maravilha!"
Valor: Os EUA, ao contrário do Brasil, não têm um Congresso que reproduz mais ou menos as mesmas divisões da eleição presidencial?
Limongi: Nos Estados Unidos você tem a eleição presidencial e o "coattail", que é o efeito do voto puxado pelo presidente sobre o Congresso. Mas depois você tem reversão no meio do ano - em geral, o partido do presidente perde cadeira no meio do mandato. Quanto perde é que varia. Obama perdeu muito porque o americano médio é da direita brava. Se existe um sistema político que dá veto a minorias, esse sistema é o americano. No Senado há o que se chama de "filibuster", que é basicamente o direto de a minoria estender indefinidamente o debate, evitando que a matéria venha a voto. Se a minoria é contra, a coisa não vem a voto. Bloqueia. Para tudo. O que Obama passou de reforma da Previdência foi um negocinho desse tamanho sob um custo inacreditável. Aqui o presidente passaria aquilo tranquilo.
Valor: Os dividendos políticos dessa crise que já dura três anos é o crescimento da direita, em alguns países, como a Noruega, tragicamente?
Limongi: A Europa tem um problema grave, que é a pouca tolerância para com o imigrante. Tem dificuldade para assimilá-lo, ao mesmo tempo em que precisa dele. Há países que estão com crescimento negativo, como a Itália. Todo mundo sabe que eles precisam de mão de obra, mas não querem imigrantes. Vão acabar com déficit populacional. Todos os estudos mostram. Isso pode ser fonte de tensão política grande, mas qualquer projeção seria arriscada de como é que isso vai se resolver. Olhando para o que está acontecendo nos EUA e Europa, essas ideias de que o Brasil tem um sistema político problemático, que atrapalha a economia, a distribuição de renda, é história para boi dormir. Tudo se provou errado. Tivemos todas essas coisas sem reforma do sistema político.
Valor: E por que sistemas políticos tão vigorosos não conseguem dar uma resposta à crise?
Limongi: Esses sistemas políticos que sempre foram modelos estão embaralhados com um problema de decisão. O que pode mostrar que o sistema político é muito menos importante do que se pode achar. Há uma supervalorização das escolhas institucionais, uma expectativa de que se possa reformar tudo por modelos institucionais. Li recentemente uma citação do [Pierre] Rosanvallon [historiador francês], dizendo que logo depois da Revolução Francesa os caras começaram a falar em reforma das instituições, sempre com a expectativa de que assim se poderia eliminar todas as impurezas do sistema político. Estamos pensando isso até hoje.
Valor: Em meio a essa crise, os países emergentes têm reivindicado maior parte da governança global, mas há resistências dos ricos, que não lhes reconhecem maturidade institucional para dividir essa governança. Com que argumento se pode sustentar a justeza dessas reivindicações?
Limongi: Quem quer que olhe para o sistema político americano e seu desempenho recente colocará em questão essa ideia. O governo de Bush filho - aliás, imagina só se tivéssemos pai e filho eleitos em tão curto espaço de tempo em um país latino-americano - já começou com uma lambança institucional sem igual. Não se pode dizer que a eleição na Flórida esteve livre de fraudes e, mais, que as fraudes não influíram no resultado. Ao longo do seu governo, explodiram vários escândalos envolvendo financiadores das campanhas de Bush. Basta lembrar a Enron. Isso para não citar a invasão do Iraque, toda ela montada em relatórios discutíveis. Qual é a maturidade institucional do grande líder? E o pior é que não são só os republicanos. O livro do [Joseph] Stiglitz ["O Mundo em Queda Livre"], deveria ser leitura obrigatória. Mostra que os economistas que dirigiam os bancos que causaram a crise de 2008 foram convocados por Obama para resolvê-la. Não é apenas ideologia ou ideias básicas que guiam as políticas. São as pessoas. São os mesmos caras. E eles fizeram o que se esperava que fizessem: protegeram os bancos e deixaram os eleitores pagar a conta.
Sem exemplos a seguir
Autor(es): Maria Cristina Fernandes De São Paulo
Valor Econômico - 05/08/2011
No tempo em que se dizia que o país precisava de reforma política para se tornar governável, Fernando Limongi publicou o livro definitivo - "Executivo e Legislativo na Nova Ordem Constitucional" (1999) - mostrando voto a voto que o Executivo não tinha embaraços em formar maioria. Quando o debate passou a ser dominado pela fisiologia paralisante das comissões de Orçamento, novo livro, também em parceria com Argelina Figueiredo - "Política Orçamentária no Presidencialismo de Coalizão" (2008) - mostrava que as emendas comprometem migalhas do investimento e que, ao rifá-las da lei orçamentária, se arriscava a empobrecer a representação.
Aos 53 anos, professor titular de ciência política da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), que presidiu de 2001 a 2005, Limongi continua incomodado. Não aceita a tese de que a amplitude da base aliada é a raiz dos problemas da presidente Dilma Rousseff nem que seu governo começa sob mais turbulência que os precedentes.
Em entrevista ao Valor, afirma que a maior novidade da conjuntura política brasileira é a unidade do PMDB, mas ainda se confessa aturdido pela tendência de fragmentação do quadro partidário que acreditava estar em processo de reversão.
Diz que a crise política por que passa o governo Barack Obama revela uma crise decisória no sistema político americano que não deveria servir de inspiração para nenhuma das democracias emergentes. E lança uma provocação aos compatriotas que não conseguem enxergar nenhum outro país mais corrupto que o Brasil: "Não há como medir a corrupção. Todos os indicadores são baseados em percepção que é um nome bonito para "pré-conceito". É possível obter uma correlação quase perfeita entre índices desse tipo e pigmentação da pele. Os países africanos em geral aparecem como os mais corruptos e os escandinavos como os menos".
A seguir, a entrevista:
Valor: O governo Dilma Rousseff mal começou e já trocou dois ministros. Aliados se dizem apreensivos com seu estilo. Teme-se que colha troco lá na frente. Dilma corre o risco de se inviabilizar?
Fernando Limongi: Se você acompanha o início do [Fernando] Collor, do Fernando Henrique e do [Luiz Inácio] Lula [da Silva], todos começaram com um rearranjo muito profundo das bases. Collor superestimou seu poder e precisou reformular o ministério. FHC começou com um governo majoritário para aprovar legislação ordinária, mas minoritário para reforma constitucional. Para passar a reforma da Previdência, chamou o PP e rearrumou a coalizão. Lula também começou minoritário. Na primeira fase o [ex] PFL e o PSDB cooperaram, depois ele também refez o ministério.
Valor: A base excessivamente heterogênea do governo não é fonte permanente de tensão?
Limongi: O que ocorreu com o [Antonio] Palocci também ocorreu no governo FHC, que teve uma crise no caso de escuta telefônica na Casa Civil [conversa grampeada entre o embaixador Júlio Cesar dos Santos e o representante da Raytheon, empresa que disputava o Sivam, levou à queda do chefe de gabinete do presidente, Xico Graziano]. Esse tipo de problema sempre acontece. Os governos sempre custam a engrenar e a encontrar seu ponto de equilíbrio. Dilma, por ter maior continuidade com Lula - com o fim do governo, não com seu início -, parecia que não ia ter esse problema de ajuste, mas é sempre difícil botar a coisa pra funcionar. O governo começa, tenta achar o prumo e encaixar as peças. É o contrário da ideia da lua de mel, do período de graça. Só com o início de governo é possível saber se as pessoas combinam com os cargos e as lideranças são de fato exercidas. Lula só foi achar o prumo quando Dilma subiu para a Casa Civil e botou a máquina para andar. Até lá, a visão era toda negativa porque a coisa não funcionava. Tinha-se grande expectativa de que [José] Dirceu ia ser o condutor, mas ele se mostrou muito aquém das expectativas. Além do mensalão, só deu problema e nunca foi o homem da máquina que se esperava.
Valor: Essa fase inicial de ajustes pode ser semelhante a outros governos, mas a base dela é mais ampla do que a de qualquer outro. São 17 partidos na base, sendo 7 representados no governo. A dificuldade de abrigar todos no primeiro escalão não é parte da explicação?
Limongi: Pode ser, mas não há evidências de que esse é o problema. Do ponto de vista das evidências, o que chama a atenção, e não se dá a devida atenção, é que o PMDB tem votado absolutamente disciplinado. Ter votado 100% unido no salário mínimo e no Código Florestal não é pouca coisa. O PMDB nunca teve essa unidade.
Valor: Qual é sua leitura dessa unidade?
Limongi: Essa unidade é politicamente construída. [Michel] Temer exerce uma liderança sobre a bancada que ninguém nunca teve. O PMDB sempre esteve em todos os governos, mas nunca com essa disciplina. Isso é disciplina de PT. O PMDB hoje tem mais cadeiras e representação nacional do que qualquer outro partido. Está jogando diferente. Se há tensão no interior da base por espaço, o PMDB vai ocupá-lo. O partido já não era pequeno no fim do governo Lula. E agora joga com unidade para aumentar seu espaço. Todo mundo falou do seu lado fisiológico ou ruralista no Código Florestal. Até pode ser que o PMDB tenha sido majoritariamente ruralista, mas e o PCdoB, que votou igual?
Limongi: É parte da estratégia política do PMDB, e não necessariamente o partido é o mal. Não existe um lado do bem e do mal, como todo mundo tende a ler. Meus filhos de cinco e oito anos podem pensar assim, mas as coisas são muito mais complexas. O Código Florestal tinha muitos lados, vi alguns debates e não conseguia saber de que lado eu estava. Ninguém, no fundo, sabia de que lado estava.
Valor: Mas o fato é que o governo foi derrotado na votação...
Limongi: Em situações semelhantes outros governos sempre foram mais ambíguos, mais coniventes e dançaram conforme a música. Dilma bateu ficha numa questão difícil. FHC e Lula sempre fugiram pela tangente nessas horas, fizeram algum acordo que diluía o embate. Lula decidia por decreto no tema. Dilma não diluiu. Talvez tenha sobre-estimado forças, não tenha querido voltar atrás, perder imagem. Ex post foi desnecessário, até porque ainda tem Senado e a negociação vai e volta.
Valor: Essa disposição de bater ficha, no limite, não pode comprometê-la com a base?
Limongi: As demissões nos Transportes vão na mesma direção, muito menos panos quentes do que normalmente se coloca nessas questões. O curioso é que quando ela compõe é porque está sendo conivente. Quando enfrenta é porque não tem jogo de cintura. O partido com o qual está brigando, o PR, teve problemas similares no governo FHC, quando ainda se chamava PL. Valdemar Costa Neto meteu-se num conflito que envolveu a Polícia Federal em Guarulhos. Saiu atirando e foi a partir daí que começou a construir a aliança com o PT. Quando o PL saiu do governo, Valdemar disse que cada um tem o porto que merece, falando que o Temer controlava o porto de Santos e ele, Guarulhos. Essa redefinição de espaços tem muito a ver com a renovação das cúpulas, que vai bater no mensalão. O PL era controlado por Álvaro Valle. Quando ele morreu, o controle passou para Valdemar. O PTB era controlado por aquele banqueiro do Paraná que foi ministro de FHC [José Eduardo de Andrade Vieira, do Bamerindus]. Aí o cara saiu e veio [Roberto] Jefferson. [Paulo] Maluf perdeu o controle do PP com a reeleição. Não se sabe como esses partidos são controlados. São extremamente centralizados e baseados em comissões provisórias. Seu eleitor votava numa direita tipo PFL, PDS ou PMDB, controlada por velhas lideranças mais acomodadas. Quando veio a transição PSDB-PT, começou a hemorragia na direita tradicional e esses partidos começaram a disputar espaço. É essa a malta que Dilma está tentando segurar em áreas com muito dinheiro, de Copa do Mundo e Olimpíada, e onde o Estado tem que se mostrar eficiente. Então decidiu enfrentar.
Valor: Sua aposta é de que, na indefinição de como se dará a relação de Dilma com esses partidos médios, o PMDB decidiu apostar cada vez mais na condição de fiador da governabilidade?
Limongi: O PMDB pode crescer muito aí. Não fiz os cálculos, mas acho que o PR é dispensável.
Valor: São 41 deputados...
Limongi: É, mas tem o bloco que o PR controla de todos os pequenos partidos de direita. Boa parte desses caras, se o governo falar "ó, ou joga direito ou tá fora", não tem muito para onde correr. O PR não controla nenhum Estado, não tem nenhuma máquina.
Valor: Dilma tem sido persistentemente questionada sobre suas condições para lidar com essa base política, ao contrário de Lula e de FHC. Sua inexperiência nesse campo não pesa?
Limongi: Na verdade, no início dos governos Lula e FHC ninguém lhes reconhecia essas qualidades. Depois ambos viraram gênios. Dizem que Dilma é inexperiente, mas FHC nunca foi um cara prático. Dona Ruth é que administrava a conta corrente dele. Lula nunca tinha administrado nada, não tinha relação com a máquina do Estado. Dilma cresceu na máquina gaúcha e foi bater na Casa Civil. Foi superbem-sucedida e subiu como um foguete. Conhece como se governa, muito mais do que conheciam FHC, Collor, Itamar ou Lula. O que é que há no governo que a ministra da Casa Civil não conheça?
Valor: O controle da corrupção passa pela redução dos cargos comissionados?
Limongi: O problema é mais complicado do que parece. Algumas dessas questões que aparecem hoje são problemas e ambiguidades presentes desde o início do governo representativo de quem deve ocupar cargos, qual é o critério para a distribuição, se deve ser a competência ou o critério partidário. Nos Estados Unidos, esse é um problema desde o conflito federalistas versus republicanos no século XIX e até hoje não se resolveu. É verdade que esses conflitos por vezes são inadministráveis. O assassino de [Abraham] Lincoln foi um cara que não recebeu o emprego que esperava. Quem deve governar? Se forem os mais competentes, então quem governa são sempre os mesmos, os mais competentes. Mas você votou num partido para exercer o governo. O que a gente chama de loteamento é o exercício do governo partidário. Se o PT nomeia todo mundo e governa mal, a gente bota o partido para fora e vota no PSDB. O PSDB põe seus homens, se não derem no couro, que venha o próximo. Na coligação governista, o partido que tem quadros é o PT, mas o caso dos Transportes mostra que alguns partidos vão construindo ramificações com o setor privado e formando "quadros" em alguns setores.
Valor: E o combate à corrupção não passa pelo corte dessas ramificações?
Limongi: A gente não tem nenhuma forma de saber se a corrupção aqui é mais alta ou mais baixa do que no resto do mundo. O problema é óbvio: como se mede corrupção? Não pode ser medida objetivamente por razões óbvias. Os indicadores normalmente usados em pesquisas comparadas são indiretos e se referem à percepção. Muitas vezes essa percepção é um nome mais bonito para "pré-conceito". Eu brinco que é possível obter uma correlação quase perfeita entre esses índices e pigmentação da pele. Os países africanos em geral aparecem como os mais corruptos e os escandinavos como os menos. Todas as indicações são de que a corrupção aqui é como em qualquer outro lugar. A Inglaterra, com esse escândalo da imprensa, mostra que quando os interesses privados chegam junto do Estado você não consegue mais distingui-los. De repente o cara está na Scotland Yard, de vez em quando ele está no jornal, ele vai na Scotland Yard... Esse é o jeito que os interesses se constroem. Não tem saída para isso. É um problema de assimetria de informações. Como é que você vai ter um setor de empreiteiras que seja verdadeiramente competitivo? Três ou quatro grandes empresas vão controlar o mercado. E quem vai contratar esses caras? No fim é o cara que era da empreiteira e foi para o Estado e de lá para o setor privado, e esses interesses acabam não se distinguindo como se gostaria.
Valor: O sr. diz que não há como medir se o Brasil é mais ou menos corrupto do que outros países. A que o sr. atribui, então, a difusão dessa convicção entre os brasileiros?
Limongi: É puro "pré-conceito". Quem acompanha política em outros lugares do mundo sabe que coisas feias acontecem em todo lugar. Uma vez fui fazer uma conferência para banqueiros na Europa. Eles queriam saber como funcionava o sistema político brasileiro. Fui lá e mostrei que funcionava bem, que tinha lógica, que a forma como eles entendiam os sistemas políticos europeus poderiam ser usadas para entender o Brasil. Daí, no debate, um senhor começou a me espinafrar, dizendo que estava cansado de ouvir que os políticos brasileiros eram confiáveis, que as coisas aqui eram OK, e quando ele abria o jornal só lia notícias desabonadoras quanto às nossas práticas políticas, que o governo brasileiro só fazia aumentar o déficit. Quando ele acabou de falar, eu estava meio nas cordas e para ganhar tempo perguntei de que país ele vinha. Ele respondeu: Itália. Não precisei responder. Só "I see" com riso meio cínico bastou.
Valor: O sr. vê alguma relação entre a perda de prerrogativas legislativas e a ocupação dos aliados em desencavar os podres da República? As MPs têm saído com mais de 50 temas, tanto que uma recebeu o nome de "árvore de Natal"...
Limongi:: Na entrevista do Temer para o Valor, ele começa falando: "Participei de um grupo que elaborou uma medida provisória. Nós ficamos estudando e todo mundo participou". Então quem fez a medida? Dilma não tem tempo para fazer isso. Quando sai uma MP, não é uma decisão unilateral do Executivo.
Valor: Pode ser uma costura partidária, mas que foge do âmbito legislativo...
Limongi: Se está saindo como "árvore de Natal" é porque todo mundo já deu "pitaco". Quando o texto começa a tramitar, não foi Deus quem o criou. Todo mundo já botou a mão. O texto não é confeccionado a portas fechadas.
Valor: Mas a oposição não participa...
Limongi: Nem é para participar. Tem a tramitação para espernear. Quando passou a reforma das MPs no governo FHC, todo mundo achou que estava fazendo uma grande coisa. E, na verdade, foi um desastre institucional. A MP tramitava no Congresso, em sessão conjunta da Câmara e do Senado. Não atrapalhava a tramitação dos demais projetos nem travava a pauta. Agora a medida passa pela Câmara, depois vai para o Senado, tem um tempo para correr, e tem que apresentar emenda aqui e lá, mas ninguém sabe como funciona. O fato é que se o Congresso quiser rejeitar uma medida porque não é pertinente à matéria em tramitação, derruba. O regimento garante. Não tem essa de nosso Legislativo estar subjugado, isso é tudo bobagem.
Valor: Num artigo polêmico, FHC disse que a política tem que ser buscada fora das instituições, nos jovens e na internet. A maior surpresa de 2010, Marina Silva, não veio desse mundo?
Limongi: Marina, de fato, surpreendeu. Mas só foi tão bem votada porque Serra e Dilma perderam votos. Lula polarizou demais no fim da campanha, chamou para a briga e tirou votos de Dilma, que, pelo desempenho da economia, teve um resultado eleitoral aquém do esperado no primeiro turno. Tanto que seguraram Lula no segundo. José Serra cresceu, mas puxando um voto que não era dele, de quem achava que, por ter religião, não podia votar em Dilma. Foi um voto que também beneficiou Marina. Teve a coisa religiosa que surpreendeu todo mundo. Marina não conseguiu segurar nem o PV. Então tem um apoio muito difuso e desorganizado para ser considerado um trunfo. Tirante o PT, nenhum partido consegue penetrar na sociedade, mas o que os petistas têm de voto é muito mais do que têm de militância e penetração. É outro modelo de partido daquele do pós-guerra, que tinha células, militância, cobrava contribuição, fazia jornal e tinha escolinha. Hoje partido não precisa disso, vai à TV. Se é isso que FHC quer dizer, realmente mudou e não apenas no Brasil. Mas não é de hoje.
Valor: A internet, então, ainda vai demorar a dar as cartas na política?
Limongi: Deve ter muita gente tentando transformar o que se passa na internet em voto. Não vai ser espontâneo. FHC é sociólogo e sabe que não há nada de espontâneo nesse mundo de meu Deus. Tem que ter coisa organizada, estruturada. Onde isso tudo junta? No modelo institucional da eleição majoritária. Por isso PT e PSDB têm vantagem. Porque polarizam as eleições e coordenam a competição. PT e PSDB saem na frente na hora de lançar candidato à Presidência. Vai ter um candidato do PSDB, um do PT e uma terceira via. Marina vai ter que correr por fora para montar uma estrutura de campanha. Não vai ter os governos estaduais do PSDB nem a estrutura de governo federal do PT. Não vai ganhar pelo Twitter, até porque as pessoas, para votarem nela, precisam saber que ela tem chance de ganhar. Uma candidatura desastrosa do PSDB poderia fazer isso. Mas o PSDB teria que pisar muito na bola. A história é cheia de partidos que dilapidam patrimônio brigando internamente. Serra já fez isso uma vez e ameaça repetir ao resistir a ceder a liderança.
Valor: Se a tendência de polarização na eleição presidencial é tão forte assim, por que não afeta a disputa pelo Congresso?
Limongi: O resultado mais intrigante dessas eleições foi o descasamento entre as eleições majoritárias e proporcionais. A eleição presidencial vertebra a disputa nos Estados, que foi totalmente casada com a presidencial. Em todo Estado teve o candidato da Dilma e do Serra. E o PMDB ora jogou com um, ora com o outro. Agora, no Congresso, os sinais de que o número de partidos estava diminuindo desapareceram. E não apenas porque PP, PDT, PTB, que eram partidos médios, caíram e se igualaram ao PR ou ao PSB. PMDB, PT e PSDB também caíram. Pode ter a ver com esse terreno pantanoso que saiu da órbita do PSDB e caiu na do PT, mas ainda não está fazendo muito sentido. O que parece de fato diferente é essa coisa de o PMDB votar unido.
Valor: Esse pacto político pela distribuição de renda, contra o qual ninguém se rebela, não é o substrato dessa fragmentação tão acentuada?
Limongi: Há uma certa indistinção entre o PT e o PSDB quanto às propostas. A gente não sabe o que o PSDB teria para fazer de diferente do PT. O discurso do Serra foi da eficiência, faço-melhor-do-que-eles-que-só-seguem-nossa-cartilha. Mas não deu certo. O PSDB não tem realmente uma agenda alternativa. O PT, enquanto na oposição, conseguia fazer uma imagem de que era diferente e tal, que depois com o mensalão se viu que não era tão diferente assim.
Valor: E como conseguem polarizar o eleitorado se não têm propostas diferentes?
Limongi: Não é fácil entender qual é a percepção que de fato os eleitores têm dos partidos, se os veem ou não como diferentes e se essas diferenças são programáticas ou de outra natureza. Para saber essas coisas é preciso fazer pesquisa de opinião, entender como os eleitores organizam a disputa partidária na cabeça. E quando a gente lê pesquisa bem feita sobre esse tipo de coisa sempre acaba se surpreendendo. O que me parece interessante é que os partidos brasileiros podem não estar organizados como estavam os da Europa do pós-guerra, mas a divisão do eleitor é forte. Todo mundo diz que brasileiro é pouco politizado. Mas é o contrário. Nessa última eleição presidencial, minha filha mudou de escola e passei a levá-la à casa das novas amiguinhas. Chegava lá e os pais me perguntavam: "Voto em tal partido, e você?" Ouvi inúmeras vezes no metrô gente falando em quem iria votar. Passei duas eleições presidenciais nos Estados Unidos sem ouvir nenhuma pessoa falar sobre eleição presidencial. E estava dentro do departamento de ciência política de uma universidade. Isso é impensável no Brasil. Todo mundo emite opinião política o tempo inteiro. E todo mundo declara suas preferências. E isso não pode se dar sem que os partidos desempenhem um papel. O voto é obrigatório, mas sempre se pode votar em branco ou nulo. E, se os partidos não fossem capazes de mobilizar eleitores, a taxa de votos brancos e nulos deveria ser muito alta. Até foram em algumas eleições, mas caíram violentamente com o voto eletrônico. É possível que votações como a de Enéas, Clodovil e Tiririca venham de eleitores que os partidos não conseguem mobilizar. Sempre há um candidato com discurso antipolítica para o qual um caminhão de eleitores converge.
Valor: Muito se especula sobre o vetor político da chamada nova classe média. Essa seria a última eleição da distribuição de renda?
Limongi: Acho que leva algumas gerações para a ascensão social virar conservadorismo. Não acredito que o cara que subiu na vida em dois anos vai ficar defendendo o dele e virar conservador. O eleitor pode ser extremamente volátil, no sentido de que, se o PT amanhã vem com uma crise econômica e esses ganhos são perdidos de um governo para o outro, o eleitor pode se bandear para a oposição. Com isso estou de acordo. Foi o que aconteceu no segundo mandato de FHC. No primeiro, ele estava com tudo, distribuiu renda e fez crescer. Veio a crise, o eleitor bandeou para o outro lado. Mas se o crescimento se mantiver não vejo esse cenário.
Valor: A última vez em que a política balançou o mercado foi na eleição de 2002. De lá para cá, entra mensalão, sai mensalão, entra PR, sai PR, e a política não abala mais a economia. Por que houve esse insulamento? Por que ninguém se arrisca a mexer no dito tripé da economia?
Limongi: Não sei se foi a política ou se foi a economia que se insulou. No fim do governo, Lula fez um certo keynesianismo e ninguém se insurgiu contra. Até porque se saíssem batendo poderiam colher rejeição eleitoral. Os políticos observam e esperam se vai dar resultado. Se der, não criticam. Na hora em que der errado, a oposição vai sair criticando e aí o PSDB vai montar seu discurso alternativo. Se a economia continuar bem até 2014, não vai haver plano alternativo. O fato é que todo mundo foi surpreendido pelas mudanças estruturais no mercado de trabalho do Brasil, muito mais significativas que a Bolsa Família. O mundo político também parece ter sido surpreendido pelas conexões do Brasil com a China, que o tornaram menos dependente dos Estados Unidos.
Valor: Se a gente olha para o Congresso americano, vê o fracasso tanto das tentativas de aprovar uma regulação mais rígida para o mercado financeiro quanto esse embate republicano com o Obama. Como é que o sr. vê a resposta da política à crise financeira?
Limongi: A má qualidade do sistema politico americano é uma coisa inacreditável. Quem fica falando que o sistema brasileiro não funciona é porque não conhece o americano. Se tem um sistema político travado, parado, incapaz de produzir decisão, é o americano. É um sistema em que a Presidência tem pouco poder efetivo, depende muito de um Congresso que é capaz de barrar e está repleto de traidores. [Paul] Krugman afirmou em artigo recente que esse limite de endividamento foi renegociado e ampliado mais de uma vez ao longo do governo Bush. Que rever e readaptar o limite à realidade não teria consequência econômica alguma. Que o ponto é pura ideologia. Que os republicanos querem nocautear o Obama. Creio que ele esteja certo. Acompanhei in loco a reforma da saúde pública. Vi e ouvi os argumentos dos republicanos. É pura ideologia. Desculpe o exagero, mas é realmente primitivo. O reacionarismo é impressionante. E já radicalizaram dessa forma no passado. Fecharam o governo Clinton ao não aprovar o Orçamento. Tomaram uma tunda depois. No que fechou o governo, a população se voltou contra os republicanos.
Valor: Foi naquele momento que Clinton conseguiu a reeleição, não foi?
Limongi: Clinton estava morto e aí eles resolveram pisar em cima e espicaçar. E aí o Clinton renasceu e foi reeleito. Então é mais ou menos a mesma situação que Obama, só que agora em proporções muito maiores. A única coisa que os republicanos querem é corte de gasto e de imposto. Estão criando um sistema inviável. Todos os dados que se tem sobre desigualdade nos Estados Unidos mostram que aumentou uma barbaridade no governo republicano porque se cortou imposto no topo e gasto para base sem se conseguir, com isso, dar impulso à economia. É um exemplo de mau funcionamento do sistema político inacreditável. Faz a gente falar "puxa, estamos numa maravilha!"
Valor: Os EUA, ao contrário do Brasil, não têm um Congresso que reproduz mais ou menos as mesmas divisões da eleição presidencial?
Limongi: Nos Estados Unidos você tem a eleição presidencial e o "coattail", que é o efeito do voto puxado pelo presidente sobre o Congresso. Mas depois você tem reversão no meio do ano - em geral, o partido do presidente perde cadeira no meio do mandato. Quanto perde é que varia. Obama perdeu muito porque o americano médio é da direita brava. Se existe um sistema político que dá veto a minorias, esse sistema é o americano. No Senado há o que se chama de "filibuster", que é basicamente o direto de a minoria estender indefinidamente o debate, evitando que a matéria venha a voto. Se a minoria é contra, a coisa não vem a voto. Bloqueia. Para tudo. O que Obama passou de reforma da Previdência foi um negocinho desse tamanho sob um custo inacreditável. Aqui o presidente passaria aquilo tranquilo.
Valor: Os dividendos políticos dessa crise que já dura três anos é o crescimento da direita, em alguns países, como a Noruega, tragicamente?
Limongi: A Europa tem um problema grave, que é a pouca tolerância para com o imigrante. Tem dificuldade para assimilá-lo, ao mesmo tempo em que precisa dele. Há países que estão com crescimento negativo, como a Itália. Todo mundo sabe que eles precisam de mão de obra, mas não querem imigrantes. Vão acabar com déficit populacional. Todos os estudos mostram. Isso pode ser fonte de tensão política grande, mas qualquer projeção seria arriscada de como é que isso vai se resolver. Olhando para o que está acontecendo nos EUA e Europa, essas ideias de que o Brasil tem um sistema político problemático, que atrapalha a economia, a distribuição de renda, é história para boi dormir. Tudo se provou errado. Tivemos todas essas coisas sem reforma do sistema político.
Valor: E por que sistemas políticos tão vigorosos não conseguem dar uma resposta à crise?
Limongi: Esses sistemas políticos que sempre foram modelos estão embaralhados com um problema de decisão. O que pode mostrar que o sistema político é muito menos importante do que se pode achar. Há uma supervalorização das escolhas institucionais, uma expectativa de que se possa reformar tudo por modelos institucionais. Li recentemente uma citação do [Pierre] Rosanvallon [historiador francês], dizendo que logo depois da Revolução Francesa os caras começaram a falar em reforma das instituições, sempre com a expectativa de que assim se poderia eliminar todas as impurezas do sistema político. Estamos pensando isso até hoje.
Valor: Em meio a essa crise, os países emergentes têm reivindicado maior parte da governança global, mas há resistências dos ricos, que não lhes reconhecem maturidade institucional para dividir essa governança. Com que argumento se pode sustentar a justeza dessas reivindicações?
Limongi: Quem quer que olhe para o sistema político americano e seu desempenho recente colocará em questão essa ideia. O governo de Bush filho - aliás, imagina só se tivéssemos pai e filho eleitos em tão curto espaço de tempo em um país latino-americano - já começou com uma lambança institucional sem igual. Não se pode dizer que a eleição na Flórida esteve livre de fraudes e, mais, que as fraudes não influíram no resultado. Ao longo do seu governo, explodiram vários escândalos envolvendo financiadores das campanhas de Bush. Basta lembrar a Enron. Isso para não citar a invasão do Iraque, toda ela montada em relatórios discutíveis. Qual é a maturidade institucional do grande líder? E o pior é que não são só os republicanos. O livro do [Joseph] Stiglitz ["O Mundo em Queda Livre"], deveria ser leitura obrigatória. Mostra que os economistas que dirigiam os bancos que causaram a crise de 2008 foram convocados por Obama para resolvê-la. Não é apenas ideologia ou ideias básicas que guiam as políticas. São as pessoas. São os mesmos caras. E eles fizeram o que se esperava que fizessem: protegeram os bancos e deixaram os eleitores pagar a conta.
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