segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Zé Lopes, meu primo

Fui menino da várzea do Rio Apodi. Aquele período existencial que corresponde hoje ao que chamamos, com tanta naturalidade, de infância e adolescência, eu passei na várzea desse rio que corta o sertão no oeste do Rio Grande do Norte. Em um recanto que não mais existe, redesenhado que foi pela voragem do tempo e do progresso, eu avistava, ao oeste, a rica Chapada, que nós chamávamos de “serra”. Era um mundo distante. Mas no qual moravam alguns dos nossos, aprendíamos cedo.

Naqueles tempos, que eram de trabalho duro desde a mais tenra idade, a gente sonhava com outros mundos. A serra era um desses mundos. Alguns dos mais próximos, pessoas que ainda habitam o meu coração, foram prá lá, tangidas pelas cheias de um rio que teimavam em destruir plantações, sonhos e projetos. Quantos amigos e conhecidos eu assisti suas partidas da Várzea! A começar pela querida tia Chiquinha e seu esposo, um amante da vida, sempre sorridente e espirituoso, chamado Raimundo Cazuza.

Muitos outros saíram da Várzea para lugares distantes: Amazonas, Rio, São Paulo... De vez em quando ouvíamos notícias. Os familiares traziam-nas embrulhadas em algumas mentiras e fantasias para que acreditássemos que a vida de peão da construção civil em São Paulo era um paraíso comparado ao que tínhamos no nosso torrão. Desses, ainda trago, gravadas na memória, as estórias e faces. Quando, no início da década de 1990, fui morar em São Paulo, sempre buscava na multidão de rostos anônimos que engarrafavam estações de metrôs e paradas de ônibus os traços dos meus amigos da Várzea. Nunca encontrei-os.

Mas um dos que foram, ficou, na distância, mais próximo.Refeiro-me a Zé Lopes. Ele não era da Várzea; era da “Serra”. De onde, muito cedo, arribou para uma cidade que, naquelas alturas, era uma metrópole: Mossoró. Foi estudar, privilégio de poucos naqueles tempos é bom que se diga. Ou, como é mais o seu caso, resultado do sacrifício imenso de pais pequenos proprietários, um tanto visionários, que enxergaram na educação o único caminho de mobilidade social para os seus filhos em uma terra na qual os lugares sociais de distinção já estavam (e ainda estão) demarcados, de há muito, pelos laços sanguíneos. Sabíamos da vida de Zé Lopes porque ele era o modelo de sucesso que inspirava a todos nós, os mais jovens filhos desses teimosos camponeses que eram os Lopes de Apodi.

Lembro-me do dia em que comemoramos, sem saber exatamente do que se tratava, a aprovação de Zé Lopes em uma coisa chamada vestibular. O primo iria ser engenheiro! E Zé fez sucesso como aluno da ESAM (atual UFERSA). Estudioso e competente, diziam todos. Mas essas qualidades não eram garantia de trabalho nas terras do semi-árido. Zé Lopes, que conjuga alegria e destemor, desassombrado, foi, como muitos nordestinos, “fazer a Amazônia”. E fez.

Novas histórias passaram a alimentar os sonhos e fantasias dos que ficavam na Várzea e na Serra, agora mais próximos, pelas ligações dos familiares que estudavam nos colégios de Apodi. Sabíamos do seu trabalho em Rondônia. Claro! As agruras e dores que ele sentiu, distante dos seus e do seu mundo, não chegavam até nós. Chegavam os fatos que indicavam sucesso.

E Zé Lopes “fez Rondônia”. Constituiu família, marcou seu lugar na vida social local e tanto trabalhou que foi reconhecido como um rondonense. Sucesso? Sim! Mas, sabemtos todos, nenhum sucesso cai do céu; é sempre resultado de muito trabalho, dedicação e tenacidade. Coisa que ele sempre teve de sobra.

Zé Lopes se aposentou, soube isso por um comentário que ele postou mais abaixo. E, agora, com o tempo correndo sob outra lógica, dispõe-se a estudar ciências sociais, o que é uma boa notícia.

Primo Velho, hoje, vou abrirei uma exceção: após o trabalho, em plena segunda-feira, vou molhar a garganta com aquela mágica bebida na qual lúpulo, cevada e malte são misturadas na medida certa, para brindar à sua aposentadoria. Será também uma oportunidade para relembrar aqueles sonhos que nos moveram, e que ainda nos movem.

Um comentário:

ramiro teixeira disse...

ainda por cima vem pras ciências sociais!!!!