sábado, 9 de agosto de 2008

Os jogos, a mídia e a China

A superficialidade e a mediocridade arrogante marcam, no geral, a cobertura da mídia brasileira da China. E isso fica muito evidente agora, nos jogos olímpicos. Incapazes de produzir, se não análises, ao menos informações substantivas sobre o país e seu povo, nossos órgãos de imprensa se rendem aos lugares-comuns e aos clichês ideológicos. Por isso, reproduzo, abaixo, artigo publicado hoje no jornal Folha de São Paulo de autoria de César Benjamim. Você e eu não precisamos concordar com as posições do Benjamim (e com a sua temerária secundarização do caráter autoritário do regime chinês), mas, penso eu, podemos levar à sério sua crítica ao unilateralismo de nossos bravos jornalistas.

CÉSAR BENJAMIN

Tomara que seja linda
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Agora que os Jogos começaram, torço para que o lixo ideológico se retraia, para que possamos prestar atenção nos atletas
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"É DEVERAS impressionante o lixo ideológico que a imprensa tem produzido ao cobrir a Olimpíada. Em geral, os repórteres buscam sempre os ângulos mais negativos, mesmo à custa de adentrar o ridículo. Vi coisas incríveis.
O locutor ressalta o caráter repressivo do regime chinês, enquanto as imagens mostram, como prova disso, um grupo de guardas de trânsito e câmeras de televisão que monitoram avenidas. O locutor fala do controle do Partido Comunista sobre as pessoas, enquanto na tela aparecem torcedores que preparam uma coreografia. Manifestações com menos de cinco indivíduos são tratadas como acontecimentos épicos. Se houver um pouco maiores, é a prova de que o povo está contra o governo. Se não houver, é a prova de que a repressão é terrível.
Ideologias não se subordinam a fatos. Elas criam fatos e se realimentam de suas criações. Formam sistemas fechados. Por isso, a China não tem saída: aconteça o que acontecer, faça o que fizer, é culpada. Se fizer o bem, é por dissimulação. Ela é má.
Atletas americanos desembarcaram em Pequim usando máscaras contra a poluição, mas tiveram azar.
Nesse dia, excepcionalmente, o ar na capital chinesa estava mais limpo que o de Nova York, de onde haviam partido. Apoiamos essas grosserias como se fossem gestos nobres.
George W. Bush, que praticamente não havia saído do Texas até se tornar presidente dos Estados Unidos, acredita que os chineses só não praticam maciçamente o cristianismo porque o governo deles não deixa. Ignora uma civilização que tem 7.000 anos de história. Ela construiu uma sofisticada visão do homem, do mundo e do cosmo, nem melhor nem pior do que a nossa, mas diferente, e sem a qual a existência humana seria muito mais pobre.
Repórteres monotemáticos escrevem todos os dias sobre falta de liberdade de expressão, carregando nas tintas, para cumprir a pauta que receberam dos chefes. Se não a cumprirem, serão demitidos. Defendem, pois, uma liberdade que eles mesmos não têm. "Os chineses estão perplexos com tantas manifestações contra o seu regime em todo o mundo", escreveu um deles, sem se importar com o fato de que em nenhum lugar tem havido nenhuma manifestação relevante.
Perplexos estamos nós, pois a China não nos obedece mais. Sua economia será maior que a dos Estados Unidos em 15 anos. Dos 200 milhões de pessoas que deixaram a pobreza na última década, no mundo, 150 milhões são chinesas. O Estado é forte, mas isso não quer dizer que seja ilegítimo. Se ainda fosse fraco, como já foi, lá continuaria a ser o lugar dos negócios da China."


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