Em Israel, os religiosos ultra-ortodoxos têm tentado, nos últimos anos, impedir a realização de paradas gays no país. Há até um projeto de lei, proposto pelos parlamentares representantes dos partidos religiosos, proibindo a realização das manifestações gays.
Já em Natal, capital do Rio Grande do Norte, no ano passado, a parada gay reuniu cerca de 70 mil pessoas. Quase 10% da população local esteve participando do evento. E tem sido assim em quase todas as edições do evento. Com a exceção de Joacy Pascoal, os políticos locais têm disputado um lugar nos palanques do evento. O prefeito se faz presente. Algumas vezes, a governadora também.
Além da parada Gay, durante o carnaval, Natal realiza o famoso "desfile das Kengas". É mais uma festa gay na cidade. Eu já ia dizendo, e sendo impreciso, como se verá mais adiante, da "comunidade gay da cidade". Travestis são celebrados nessas ocasiões. Os políticos aparecem. O prefeito faz discursos.
O que podemos concluir? Em Natal, há respeito à diferença e existe uma saudável cultura de tolerância. Já em Israel, somos obrigados a concluir, há um obscurantismo religioso. Assim, em Natal, os gays sofrem menos violência, têm apoio para enfrentar situações de restrição à sua cidadania. Em Israel, não. Travestis devem ser molestados nas ruas. E os crimes contra homossexuais devem ser elevados.
Perdoe-me, mas as conclusões acima estão completamente equivocadas. Nos últimos dois anos, a violência contra gays em Natal tem sido crescente. Já chega a uma dezena o número de homicídios contra homossexuais. E, caso se tenha curiosidade, basta conversar com os travestis da cidade, especialmente com aqueles que atuam na Avenida Roberto Freire, para se tomar conhecimento de uma assustadora escalada de violência. Experimentados, os travestis não procuram mais a polícia para denunciar os maus-tratos e o não cumprimento de contratos pelos seus clientes. E em Israel? Lá, um homicídio é um homicídio e é tratado e investigado enquanto tal pela polícia. No país em que são feitas manifestações contra as paradas gays, a idéia de que o assassinato de um gay mereça menos atenção investigativa da polícia seria tomada como uma afronta, um escândalo. No Brasil, aparentemente tão cioso do respeito à diferença, infelizmente, isso é a coisa mais comum do mundo.
O que podemos depreender dessa realidade? Uma primeira e importante constatação é a de que a diferença, no Brasil, é muito mais canibalizada do que realmente aceita, reconhecida. A aparente pluralidade sublima uma perigosa intolerância para com o(a) outro(a). É bom que tenhamos festa, mas, enquanto celebramos a beleza das paradas, podíamos e, cá do meu canto atrevo-me a propor, devíamos fazer algo mais. E esse algo mais, no que diz respeito ao mundo acadêmico, seria apontar dados, fazer levantamentos sobre a violência contra gays e lésbicas em cidades como Natal e construir análises substantivas corroboradas por referentes empíricos razoáveis. Trata-se, por certo, de coisa trabalhosa e desagradável. Especialmente para quem é acostumado a resolver tudo com base na retórica e no recurso aos lugares-comuns pseudo-críticos de sempre.
E aí fico me perguntando: existem acadêmicos nas instituições universitárias de Natal preocupados com a violência contra gays em Natal? O que eles têm produzido a respeito? Existem teses, dissertações e monografias que tomam gays e lésbicas como referentes, reconheço. Mas, diga-me você se connhece, quantos desses trabalhos fizeram levantamentos exaustivos de casos de violência contra gays e lésbicas da cidade? E mais importante: quantos apontaram, a partir de um criterioso levantamento empiríco, os fios condutores que unem os crimes contra os homossexuais? Sem esse "dever de casa", como municiar os atores políticos e sociais com indicações seguras sobre como atuar propositivamente para enfrentar uma violência que diminui a cidadania no Brasil? Ou, ao contrário, alguém pensa que já tem a resposta e esse tipo de pesquisa não é importante?
Me vem à mente o exemplo da academia nos EUA. Conheço não poucos trabalhos, de boa qualidade científica, dedicados a analisar os crimes contra os homossexuais naquele país. Trata-se de uma outra cultura acadêmica, tá certo. Lá, apenas conversa bonita não resolve. Como faz falta essa disposição entre nós!
Voltando à Natal. Certamente existem personalidades que têm empenhado suas vidas na luta pelo direito à diferença. São pessoas combativas, que denunciam a violência homofóbica, e, procuram, com os recursos de que dispõem, enfrentar a intolerância. Mas são eles expressões de uma "comunidade"? Tenho minhas dúvidas. Uma comunidade pressupõe laços fortes e redes sociais extensivas. Em situações de cercamento por um mundo hostil, é uma fortaleza a proteger o indíviduo. Ora, caso tal comunidade realmente existisse em Natal, ela já teria cobrado dos acadêmicos locais algo mais do que belas demonstrações de retórica.
Cá no meu canto, modestamente e sem alarde, tenho tentado construir um banco de dados sobre a violência homofóbica na Grande Natal. Mas é um trabalho dentre outros que desenvolvo. Sem apoios, vagaroso. E a realidade está a exigir respostas rápidas. Seria muito bom saber que existe algum grupo de pesquisa sistematizando dados e processando informações sobre essa realidade. Bom para cidadania. Bom para a pluralidade.
Para concluir, penso que, paradoxalmente, um gay talvez esteja mais seguro em Israel do que em Natal. Mesmo com as paradas sendo aceitas aqui e tão rejeitadas lá.
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