quinta-feira, 11 de março de 2010

E Cadu entra no debate...

... respondendo ao Flaubert.

Caro Edmilson,

Segue abaixo minha resposta ao comentário de Flaubert. Também pretendo reproduzir o texto em meu blog.

A forca dos argumentos e os argumentos da violência

Há várias maneiras de se construir um debate de idéias na esfera pública. Algums optam pelo confrontamento de argumentos e outros pelo ataque desmedido e truculento. Dito isso, gostaria de comentar uma das posturas hoje em volga nas entranhas da academia brasileira: a retórica de desqualificacäo.Mas o que exatamente caracteriza a retórica de desqualificacao? Diria, por economia de palavras, que corresponde aquelas modalidades de discurso pseudo-crítico, parcos de reflexao analítica e ricos em distribuicao de ofensas pessoais. Geralmente, por preguica ou limitacao de exercício reflexivo, misturado a uma dose de revolta, ressentimento e, principalmente, uma impaciência um tanto ainda juvenil em responder de maneira rápida e a altura de sua indignacao, muitos bons homens e mulheres de ciência incorrem na armadilha retórica de aderir ao “assassinato de reputacao” de seus pares. É bem verdade que na contenda comunicativa, nao existe acao discursiva gratuíta ou sem justificacao, mesmo entre as mais violentas. Muito menos, o espaco comunicativo está longe de ser aquele paraíso na terra do “ é conversando que a gente se entende” ou ainda, “mede-se a qualidade de um debate pela sua forca em construir consensos cognitvos mínimos”. Balela, acao comunicativa é confrontamento de idéias, “violência simbólica”. Por outro lado, também é verdade que os a prioris de natureza emocional, por mais “legitimos” que sejam, nao deveriam contaminar o equilibrio mínimo da razao critico-sistematica. Em tese, isso mesmo, “em tese”, pede-se que deixemos nossos “pré-conceitos” de lados por algums instantes (o que seria uma grande progresso reflexivo) e procuremos operar analiticamente a caixa de ferramentas que a retórica cientifica nos dispoe. Noutras palavras, jogar conforme as regras do jogo em questao! Eis que esse cuidado reflexivo para o verdadeiro exame e exercício do conhecimento objetivo vem se tornando pó que ainda teima em persistir, pelo menos, nas páginas amareladas do tempo em nossos livros de biblioteca –daí entre tantas outras, a atualidade dos clássicos: nos ensinar, senao idéias, como travar uma boa luta teórica. Mas nao, nossos academicos tupiniques, inflamados por outros campos de luta (vide o jornalismo brasileiro), resolveram deixar de lado a conduta paróquial e as regras de bom decoro teórico (sim, talvez pela chatice dessas regras) para ingressar no reino das espadas retóricas viris que tanto fazem sucesso nas páginas amarelas (nao pelo tempo) da Veja e de outros folhetins ideológicos.
O que supreende é - já nao bastasse nossos velhos professores carcumidos por suas insatisfacoes ideológicas - assistir jovens candidatos a renovacao intelectual, repetirem o mesmo jogo de cena truculento que seus pais e tutuores do conhecimento objetivo. E é nesse clima de terra arrasada que, por exemplo, Flaubert Mesquita (doutorando em ciências sociais da UFRN) derigi toda a sua fúria retórica a um artigo de Marcos Nobre, este, filosofo e professor da USP. Conheco Flaubert pessoalmente e de vivência dos tempos de graduacao e pós-graduacao. Compartilhamos a memória de boas contendas retóricas sobre teoria social e outros assuntos do buteco sociológico. E por isso, repito, me supreende a sua infatilidade, insensatez e primarismo analítico na sua crítica a Marcos Nobre. Principalmente pelo desvio de curva na idéia central do texto para se prender a uma discussao pantonosa, tal como é a política de cotas. O mesmo Flaubert que denuncia a escassez de vocacao para ciência nessa regiao equatorial, recorre a termos nada cientificos, a exemplo de “país bizarro”, “militante apaixonado”. Esse último termo, ironicamente, caíria perfeitamente no comentário-resposta de Flaubert. Pois eu procurei, procurei, e nao achei os contra-argumentos que sustentassem o aspecto “rídiculo” do artigo de Marcos Nobre. E nao vale distribuir granadas no terreno intelectual, sem pelo menos, armá-las antes. Deixe isso para o senso comum!Diante de tudo isso, só posso dizer que a universidade precisa, de fato, repensar urgentemente seus imperativos enquanto produtora e difusora de conhecimento acerca do mundo. Näo apenas para o esclarecimento, mas também, para cumprir o seu papel civilizatório. E para isso, nao é reproduzindo a gramática discursiva incendiária dominante dos campos jornalísticos e político que vai alcancar aquele objetivo. Se assim o fizer, no máximo, vai colher e reproduzir, na forma refinada e escolástica, novas seitas autoritárias com inclinacoes estigmatizantes e resistentes ao reconhecimento do outro.

Cadú

12 comentários:

Flaubert disse...

Meu caro Cadú, isso é um blog, que, em geral, é baseado num gênero discursivo chamado “jornalismo”. Não tenho intenção de escrever uma tese quilométrica sobre isso com termos herméticos e cansativos, tal como você gosta. Só escrevi o que é central.
E o texto do Nobre é fraco mesmo. E tinha o propósito que apontei ao malhar o Demóstenes Torres.
Um abraço, Cadú! Bem-vindo de volta.

David Loiola Rêgo disse...

Não vi tantos problemas no que foi postado por Flaubert. Não podemos deixar que o rigor acadêmico nos enrijeça demais, de forma a perder a oportunidade de ampliar os horizontes dos debates.
Flaubert fez um "desvio da idéia central do texto" por justa causa (vale então lembrar que desviar do foco do texto foi positivo, virtude e não vício). No mesmo momento em o debate foi lançado no Blog do Edmilson Lopes, o STF, já a algum tempo, estava julgando o caso da política de cotas para negros e sua constitucionalidade.
O que seria mais “importante” então? Permanecer “focado” em um texto de um prof. da USP (e respeitá-lo de forma totêmica e não desviar do foco que ele propôs por talvez tratar-se de heresia), ou usá-lo como ponte para entrar em sintonia com as decisões que andam sento tomadas pelo STF e a partir disto analisar os possíveis impactos sociais de tais medidas? Não tenho dúvidas que uma decisão do STF será sensivelmente mais significativa e terá implicações práticas muito mais diretas na vida dos brasileiros e, portanto, é mais válido levantar o debate sobre o tema do que permanecer em um academicismo que, por “respeito” (e lembremos, toda atitude de respeito deriva da esfera do sagrado) aos autores, não se ousa ir além deles. Quanto às críticas ao argumento de Flaubert, mete-se os pés pelas mãos. Critica-se a infantil atitude acadêmica de valorar, ao invés de submeter à prova o conhecimento e termina-se na atitude contraditória ao tachar o crítica de Flaubert de infantil, insensata e primária sem listar sistematicamente as razões que o levou a chegar a estas conclusões, caindo mais uma vez na valoração puramente moral do conhecimento, sem apresentar de forma convincente argumentos contra. Quanto ao termo “país bizarro”, particurlamente me agrada. Qual adjetivo usar-se-ia para um país que tem como lei que, como pena para um membro criminoso do judiciário deve-se dar aposentadoria compulsória onde a mesma supera facilmente os R$ 15.000,00? O adjetivo seria bizarro? Outro? Qual?

Unknown disse...

Claro Flaubert, você, logo você sempre foi averso a tratados de sociologia (hehehe)Obrigado pela aula sobre gêneros textuais, rsrs
Um beijo no umbigo, seu reino soberano!!!

Unknown disse...

Caro e meu querido amigo David Loyola,

Que saudades de tú muleque! Bom, em resposta a sua defesa jurisprudente do texto manifesto de Flaubert, se permite, vou pronunciar poucas palavras. Me permiti questionar a fala de Flaubert do ponto de vista analítico, pois o mesmo deferiu sua crítica a Marcos Nobre ancorado no argumento de que o último carecia de vocacao cientifica, tributário de uma forma de “populismo” ou militancia politica. Ora, ao revindicar o statuto do bom senso, o que esperava era, no mínimo, um exercicio de bom senso também daqueles demandantes. Respeitar a pessoa e se restringir ao confronto de idéias nao é adotar uma atitude sarcedotal com os nomes consagrados, meu brother. Podemos desconstruir os argumentos de Marcos Nobre, Sergio Buarque de Hollanda, Damatta et al. Sem, necessariamente, impô-lhes classificacoes maliciosas tal como “populista”. Isso também nao é aderir ao partido do politicamente correto, moda nos Brazis de hoje. É exercitar e reflexividade objetiva, isto é, analise mais ou menos desprendida das paixoes imediatas. Veja bem, eu disse imediatas, porque sempre elas no assombram. Foi apenas isso que eu assinalei na minha crítica a Flaubert Mesquita. Objetivamente, ao ler o texto de Flaubert, fica a impressao que o mesmo pegou Marcos Nobre muito mais como alvo pra externar suas insatisfacoes pessoais “legitimas” contra a política de cotas do que propriamente em realizar uma crítica objetiva ao conteúdo do texto de Nobre. No fim, o se sobressae é a forma e nao, o conteúdo.

Anônimo disse...

Caro Cadu,

nesta estou contigo. acho que os comentários pouco se preocuparam em mobilizar argumentos criticamente.
01) Ofensas pessoais e tentativas de enquadramento - pintar mal o opositor para tornar mais fácil bater nele -, são, infelizmente, estratégias comuns no mundo acadêmico e jornalístico.
Lembro do modo insano como o Reynaldo Azevedo atacou o Emir Sader e dos barracos do Magnolli com o Mukeba e do Luiz Eduardo com o Jessé.
02) Procuro dialogar, dentro das minhas inúmeras limitações, com as correntes de pensamento sem me perguntar se elas são de "direita" ou de "esquerda". Tento fazer isto com critério. Me pergunto, para não cair no samba do criolo doido que é a complexidade, sobre a força crítica dos argumentos.
A história está repleta de exemplos de como pode ser produtivo desenvolver tal tipo de relacionamento com as teorias.
O que seria de Marx sem o pensamento "burguês"?!
Durkheim teria conseguido fundar a sociologia se não tivesse dialogado, ao mesmo tempo, com as teses liberais e socialistas?!
PS. Vou votar em Dilma (infelizmente, o terreno intelectual é tão pobre que temos de dizer em quem vamos votar ou qual partido apoiamos para recebermos uma suposta "licença" para nos posicionarmos) e sou um entusiasta do governo Lula, mas não sonho com um governo sem oposição, como muitos colegas PTistas.
Também não divido o mundo entre a luta do bem contra o mal. Acho pouco plausível imaginar que o governo Lula foi a personificação do reino dos céus na terra e, muito menos, que FHC é o filho do diabo.
Quando há a mobilização deste argumento, mesmo que de modo invertido, como foi o caso do texto de Flaubert, é porque, na verdade, essas estéreis categorias lógicas de oposição não objetivadas (alto e baixo, esquerda e direita, hemisfério norte desenvolvido e sul atrasado, clima quente erótico e frio pouco sensual, etc.), que habitam o "pensamento primitivo" que tanto falava levi-strauss, também estão presentes na cabeça daqueles que as mencionam. MEnção esta que não é acompanhada de uma mínima tentativa de controlar os deus desmembramentos.

Abs.

Daniel

Anônimo disse...

Concordo Com Flaubert, Blogs podem até servir para discussões acadêmicas, mas são espaços meta-textuais e, por isso, possuem natureza jornalística. Polemizar, informar, discutir e até divertir, fazem parte de sua essência.
Outro ponto: afinal intelectual no Brasil tem de ser de esquerda e concordar com posições "tradicionais" da esquerda? Isso para mim é controle ideológico.
E do pior que já existiu, madi in URSS stalinista.

Thadeu Brandão.
Blogueiro Amador

Anônimo disse...

Thadeu,

não concordo contigo.

Primeiro, acho questionável falar em "essência do blog". Será que existe essa "essência"?!
Segundo, porque o espaço é jornalístico não significa dizer, necessariamente, que não deve haver argumentação e contra-argumentação crítica. Lembre-se! A crítica não é um privilégio da academia.
Terceiro, em nenhum momento cadu falou em "esquerda" ou "direita". O que ele criticou foi a pobreza dos argumentos mobilizados -
caracterizações como "país bizarro" e "argumento ridículo" costumam, apesar do impacto que promovem, convencer pouca gente.
Ofensas pessoais podem servir para vender exemplares da veja, mas não criam um cenário favorável para a discussão, quer seja acadêmica, ou não.

Daniel

Anônimo disse...

Thadeu,

não concordo contigo.

Primeiro, acho questionável falar em "essência do blog". Será que existe essa "essência"?!
Segundo, porque o espaço é jornalístico não significa dizer, necessariamente, que não deve haver argumentação e contra-argumentação crítica. Lembre-se! A crítica não é um privilégio da academia.
Terceiro, em nenhum momento cadu falou em "esquerda" ou "direita". O que ele criticou foi a pobreza dos argumentos mobilizados -
caracterizações como "país bizarro" e "argumento ridículo" costumam, apesar do impacto que promovem, convencer pouca gente.
Ofensas pessoais podem servir para vender exemplares da veja, mas não criam um cenário favorável para a discussão, quer seja acadêmica, ou não.

Daniel

Anônimo disse...

Embora não se tenha falado aqui, de esquerda, não quer dizer que o pensamento não tenha se voltado a ela... Crítica (ou pensamento crítico) por si mesma é academicistta. Embora concorde que os blogs possam sim ser críticos.

Thadeu Brandão.

Gilson Rodrigues disse...

Em meio aos belos discursos dos colgas sociologos atrevo-me a adentrar tal salva, provocado pela miríade de discussões... uma verdadeiro "jogo de cavelheiros"... Apensa tenho medo com certo essencialismo presente em alguns discursos que envolvem esse tipo de mídia eletronia... E deparo-me com o que Bourdieu dizia sobre nao se poder pensar na urgência... Também nao vejo problemas em se sair do foco proposto por determinado autor, como bem destacou David, e penso que Cadu e Flaubert caíram, com sua trocas de "tapas com luva de pelica" numa tentativa de ver quem gritava mais alto... Atitude infantil, especialmente vindo de dois caras tão maduros intelectualmente, pelo menos comparados com uma maioria de nosso colegas de profissão... Mas adentremos ao debate...

A exemplo de Flaubert, concordadno com David sobre a urgencia do assunto, quero pensar sobre as cotas para negros, pretos, afro-alguma coisa... Aproveitando que sou, segundo Edmilson - em sua leitura de Atlantico Negro - um "negro sem etinicidade", quero listar um pouco de como tem se dado essa discussão... De um lado estão aqueles que são contra a política de cotas, ressaltando pontos como o listados no Folhetim de Ali Kamell - "Querem nos transformar em uma nação bicolor", do outro parecem está os que advogam o tema das cotas falando de uma estaparfúdia "divida histórica", até pq como bem rebateu Marcos Nobre, o Brasil teria de pagar sua divida com todos...

Gilson Rodrigues disse...

Sou defensor da politica de cotas "raciais" não por qq divida... mas como uma ferramente emergencial e necessária... Penso que exista um caráter mt mais simbólico do que economico-social... Sendo um negro sem etnicidade n represento a maior parte das pessoas que se identificam com essa categoria política - q de acordo com o (s) movimento (s) negro (s)teria sido a união dos "pretos" e da estranha e "tipicamente brasileira" categoria dos "pardos" já que as semelhamças socioeconomicas dos dois grupos justificaria tal estratégia... Fico com os contrastes visuais q me deparo, por exemplo, quando adentro o ameaçado de instinção RU da UFRN, sem me preocupar em classificar uma escala de cores... percebo que a maioria de negros (moreninhos como gosta de chamar a maioria natalense) são os africanos, filhos das classes altas de seus paises (pelo menos em sua maioria)... Entrarão os pretos de classe média? Devem ser mts p que isso aconteça, n? O problema brasileiro sem duvidas está na naturalização de uma desigualdade social que não se limita a cor da pele, mas será mt ingenuidade acreditar q este fator - Sim, a cor - n influencie em maiores dificuldades, maiores barreiras impostas por estgmas sociais q nos aparecem "inocentemente" em piadas e apelidos...

Gilson Rodrigues disse...

Isto nao cria estratégias de deslegitimação moral que desencadeiam em disposições que nao se coadunam com as exigidas por uma perspectiva de sucesso? A preconceto "racial" não é potencializado pela pobreza social? O preto pobre não será estigmatizado mesmo dentro de seu bairro, que na maioria das vezes será de classes populares? Ora, o caráter das cotas deve ser temporário, e me parece ser esta a proposta... Dirão que as cotas "raciais" apenas reforçam os estgmas de incapacidade... Já perguntaram o que pensam os que se auto-identificam negros? Já se pensou o que significa do ponto de vista simbólico ter alguem da família adentrando uma universidade? Isto nao mudará nd? Tvz esteja enganado, sendo ingenuo ou tendo a profundidade de um pirez... Mas penso que o caráter necessariamente transitório que devem representar as cotas não serve p a idiotice teórica de se pagar qq divida do passado... Mas por 'tratar desgigualmente os desiguais', e nessa cruel piramide de nosso "país bizarro" os pretos me parecem na rebeira... Diga-se de passagem expressões populares como "amanhã é dia de branco" qd mts se referem que o dia seguinte é o dia de trabalhar, de "pegar no batente"... Isso n tem impacto sobre uma maioria de supostos vagabundos, negros pobres? Tal visão cristalizada, entranhada na forma de se ver o mundo nao irá reforçar as desvantagens de nossa desigualdade social... OU isso ou vamos voltar a defender a meritocracia... Saudações...


Gilson Rodrigues