Paulo Linhares não é apenas um grande estudioso do direito, mas alguém que assume posições sem se incomodar em subordinar o seu pensamento ao "clamor surdo das ruas". Pouca gente faz isso, hoje em dia. É mais fácil (e até mais rentável, pode-se dizer) se calar. Ou, o que é mais comum, escrever para agradar ao distinto público. Paulo não segue esse caminho. Escolhe o pensamento livre. É uma maravilha, por isso mesmo, ler os seus petardos. Confira!
FICHA LIMPA: A LIÇÃO DO STF
Paulo Afonso Linhares
Após a instauração do Estado Democrático de Direito, no bojo da Constituição de 1988, tornou-se inevitável a evolução política da sociedade brasileira, com sustentação em diversos movimentos sociais que veiculavam interesses bem demarcados, a exemplo dos movimentos de mulheres, em que são discutidas as múltiplas e complexas questões de gênero, dos movimentos preservacionistas do meio ambiente, dos de cunho étnico (negros, índios etc.), dos vinculados às questões da sexualidade (homossexuais masculinos e femininos) etc. Até certos limites, vários desses movimentos têm agido positivamente para, na condição de grupos de pressão, no mais legítimo sentido político-sociológico, conseguir dos representantes políticos com assento em Casas Legislativas a adoção de marcos regulatórios que lhe favoreçam. Atuam, também, junto aos poderes executivos, nas eferas federal, estadual e municipal, para direcionar certas ações de governo em favor do respectivo movimento. Alguns membros desses movimentos, infelizmente, se fanatizam, passando a uma atuação que revela ódio, intolerância, preconceito, individualismo extremo, agressividade e estreiteza mental, somente para citar algumas dessas características nefastas dos fanáticos.
A sociedade brasileira, neste meio tempo, vem conscientizado-se do caráter nefasto que é a corrupção no seio do Estado, manifestada de diversas formas e em todos os organismos estatais, aliás, de tal modo grave que passa a impressão - infelizmente ainda não verdadeira - de já compor o ethos da brasilidade. Enormes avanços - e alguns equívocos - têm ocorrido, mas as tarefas de derrotar o patrimonialismo de Estado que herdamos de Portugal, o clientelismo político, a privatização do público, a mania de um empresariado que sonha com a privatização do lucro e a socialização dos prejuízos, não podem ser realizadas no curto e médio prazos, pois na sua base está o elemento essencial para sua realização: a educação, vista inclusive em seu sentido mais amplo que abrage, sobretudo, a educação política de todo um povo e não apenas a chamada "educação formal".
No início da década passada, surgiu no Brasil o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), inspirado em campanhas promovidas pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, cujo direcionamento político foi conseguir 1,3 milhões de assinaturas (então, representando 1% do eleitorado nacional) nas 27 unidade federativas de segundo grau (Estados e Distrito Federal), requisitos constitucionais para a chamada "iniciativa popular de projeto de lei" prevista no art. 14, III, da Constituição. Contou, inclusive, com grande mobilização da sociedade, pela Internet, através das redes sociais (Twitter, Facebook, Avaa.org etc.). A iniciativa reuniu 1,9 milhões de assinatura e o projeto chegou ao Congresso Nacional que, para maior agilizar a tramitação foi subscrito por parlamentares. E veio lume a Lei Complementar nº 135, de 4 de junho de 2010 - a Lei da Ficha Limpa, porém, com institutos bem polêmicos, em especial por contrariar importantes princípios constitucionais, a começar pelo da anterioridade das normas eleitorais (as leis eleitorais só valem para eleição realizadas um ano depois de postas em vigor). Obra do fanatismo predominante no MCCE e do intuito de senadores e deputados de "jogar para a platéia" com a aprovação de um projeto de lei defeituoso em muitos aspectos, sobretudo pelos vícios de inconstitucionalidade.
Muitos dos eleitos em 2010 não puderam assumir os mandatos, pois o entendimento do TRibunal Superior Eleitoral era de que a L.C. nº 135/2010 teria imediata vigência. Levada ao Supremo Tribunal Federal a questão ficou irresolvida, em razão do empate na votação (5 x 5) e da recusa do presidente da Corte, ministro César Peluso, em proferir o voto de desempate, que era de sua competência. No entanto, com a posse do ministro Luiz Fux, o STF pôde, recentemente, votar a questão e o fez bem: derrotou o fanatismo e bem desempenhou o desaiderato de velar pela integridade e supremacia da Constituição. A Lei da Ficha Limpa - que tem aspectos relevatíssimos e que vão de encontro ao sentimento de repúdio à corrupção externado pela sociedade brasileira - somente valerá para as eleições de 2012. Meno male. O Supremo não mais claudicou, teve a firmeza e a sabedoria que se espera de um tribunal que, por definição constitucional, é o guardião da Constituição. Viva o STF.
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